Equipes históricas – Tyrrell, parte III

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O galã da F-1 e “Le Patron”: sintonia pura e harmonia na Tyrrell, graças ao bom relacionamento entre Cevert e Stewart

RIO DE JANEIRO – Em 1971, a Tyrrell teria enfim sua primeira temporada completa como construtora na Fórmula 1. Após representar a Matra dois anos antes e competir com chassis March enquanto o projeto de Derek Gardner não ficava pronto, Ken Tyrrell estava preparado para o desafio contra Ferrari, Lotus, Brabham e McLaren, as grandes escuderias daqueles tempos.

Como novidade, a Dunlop saíra da categoria e a equipe dos carros azuis fechou um contrato com a Goodyear para o fornecimento de pneus. Um acordo que se revelaria, como vocês verão ao longo deste post, bastante vantajoso. Além de um novo carro ainda prometido para o restante do campeonato, Ken teria de novo a sua dupla titular formada por Jackie Stewart e François Cevert. O francês teria muito a aprender com o mestre campeão do mundo de 1969.

Em 6 de março, o campeonato teve início com o GP da África do Sul em Kyalami. Na oportunidade, Cevert testou e aprovou o modelo 002, uma versão melhorada do 001 com 10 litros a mais na capacidade do tanque de combustível, uma nova suspensão, apropriada para os pneus Goodyear e entre-eixos mais longo. Stewart correria com o carro velho na primeira prova do ano e com ele fez a pole position, cabendo a Cevert o 9º tempo do grid.

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Com o bom e velho 001, Stewart chegou em 2º na primeira corrida de 1971, em Kyalami

Jackie não liderou a corrida em nenhum momento: fez, a propósito, uma péssima largada ao cair para sétimo. Denny Hulme foi quem esteve mais tempo em primeiro, mas não levou. A vitória – surpreendente, aliás – foi de Mario Andretti com uma terceira Ferrari 312B2. Stewart superou o neozelandês da McLaren na antepenúltima volta e chegou em segundo. Cevert abandonou após completar 45 voltas.

No circuito Parc Montjuich, em Barcelona, aconteceria o GP da Espanha, 2ª etapa do Mundial. E tão rápido quanto Gardner concebeu a evolução do 002, chegou às pistas o modelo 003. Este carro seria feito à feição para o estilo de pilotagem de “Le Patron”, como a imprensa francesa chamava Stewart. O escocês provaria isso durante a corrida: largando em quarto, logo alcançou a liderança ultrapassando a Ferrari de Jacky Ickx. Mas não foi fácil para o Vesgo, que venceu com apenas três segundos de vantagem para o belga. Cevert chegou apenas em 7º lugar.

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À frente da Surtees de Rolf Stommelen no Bureau du Tabac: vitória dominante de Stewart no 200º GP da história da F-1

Em Mônaco, no 200º GP da história da F-1, Stewart esteve soberano. Fez a pole com o tempo de 1’23″2, um segundo e dois décimos abaixo da marca de Ickx – tempo não superado no segundo treino, pois choveu. E venceu como um mestre, de ponta a ponta, com 25 segundos de vantagem para Ronnie Peterson e seu March 711. Com 24 pontos somados nas três primeiras provas, o escocês disparava célere para o seu segundo título mundial. Cevert largou em 15º e bateu após cinco voltas.

No GP da Holanda, uma chuva forte atrapalhou os planos de Jackie em Zandvoort. Em condições extremas, os pneus biscoito da Goodyear não foram tão bem e o escocês foi apenas o 11º colocado, após largar da terceira posição. Cevert ficou de fora dos pontos novamente, após outro acidente, na 29ª volta. E a partir do GP da França, realizado pela primeira vez no novo e moderno circuito de Paul Ricard, o jogo viraria: tanto Goodyear quanto Firestone lançavam pela primeira vez na F-1 os pneus slicks, de superfície totalmente lisa, iguais aos utilizados desde 1970 nas 500 Milhas de Indianápolis.

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Fittipaldi, Stewart e Cevert no pódio da primeira prova de F-1 disputada em Paul Ricard

Como efeito, o Escocês Voador sentou a bota e fez a pole position, oito décimos abaixo da marca de Clay Regazzoni. Cevert largou em sétimo, mas seco para somar os primeiros pontos em 1971. E deu certo: Stewart venceu de ponta a ponta, sem ser incomodado por ninguém e o francês, numa corrida competitiva desde o início, beneficiou-se da quebra da BRM de Pedro Rodriguez, assumindo a 2ª colocação até o final. No pódio, como coadjuvante, Emerson Fittipaldi, que fora excepcional ao vir da décima-sétima posição com sua Lotus.

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Na estreia do bico “limpa-trilhos” na Tyrrell 003, vitória categórica do Vesgo no GP da Inglaterra

Na veloz pista de Silverstone, estreando uma nova frente em sua Tyrrell 003, Stewart só não foi o pole – embora tenha feito o mesmo tempo de Regazzoni (1’18″1, média de 217,152 km/h) – porque o ítalo-suíço da Ferrari marcou sua volta antes do escocês. Mas Jackie ignorou o feito do rival e logo depois de três voltas apenas, disparou na ponta para mais uma vitória – a quarta em seis provas, fazendo o Vesgo chegar a 42 pontos contra 19 do vice-líder Jacky Ickx. Cevert dessa vez não foi ao pódio, tampouco somou pontos: foi o 10º colocado, três voltas atrasado.

Ickx largou ligeiramente melhor que Stewart em Nürburgring, mas só deu o Escocês Voador no Nordscheleife…

Em Nürburgring, a mesma pista do recital de 1968, Stewart voltou a cravar mais uma pole position: 7’19”, apenas dois décimos abaixo do tempo de Jacky Ickx. O belga nem chegou a incomodar, após rodar na segunda volta e desistir. O Vesgo voltou a vencer, com 30 segundos de vantagem para François Cevert, na segunda dobradinha do ano. Jackie abria nada menos que 32 pontos para Ickx, restando quatro provas para o fim do campeonato. Dificilmente o piloto da Tyrrell perderia a chance do segundo título do Mundial de Pilotos e a equipe não deixaria de ser campeã no Mundial de Construtores.

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Uma roda do carro #11 de Stewart se soltou no GP da Áustria, mas mesmo assim o Escocês Voador ganhou o Mundial por antecipação

O GP da Áustria seria, no entanto, o segundo do ano em que Stewart passaria em branco. Segundo no grid, ele vinha em 3º (atrás de Cevert, um fato raríssimo na hierarquia do time) quando uma roda se soltou na 36ª passagem. Cevert também não teve melhor sorte, abandonando por quebra de motor pouco depois. Mas Stewart era um sujeito de sorte: um defeito numa vela do motor boxer 12 cilindros da Ferrari tirou Ickx de combate. Com os mesmos 32 pontos de diferença mantidos entre Stewart e o belga, o piloto da Tyrrell chegou ao bicampeonato mesmo sem terminar a corrida em Zeltweg.

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Luta épica em Monza: Cevert liderou cinco vezes por sete voltas. O francês chegou em 3º, a oito centésimos de Ronnie Peterson e a nove do vencedor Peter Gethin.

A comemoração poderia acontecer em grande estilo no velocíssimo GP da Itália, em Monza. Sem chicanes, as médias horárias na época ultrapassavam os 250 km/h graças ao uso contínuo do vácuo e os novos pneus slicks. Stewart foi um modesto 7º colocado no grid e se manteve na pista por apenas 15 voltas, abandonando por quebra de motor. Cevert largou em quinto e teve excelente atuação: liderou por cinco oportunidades num total de sete voltas. Acabou em 3º na lendária chegada em que Peter Gethin derrotou Ronnie Peterson por 0″010. O francês chegou oito centésimos atrás de Ronnie e subiu ao pódio pela terceira vez em 1971. O resultado deu à Tyrrell o título antecipado do Mundial de Construtores, pois a equipe somava 55 pontos contra 32 da Ferrari.

No chuvoso GP do Canadá, disputado em Mosport Park, Stewart se beneficiou de um novo pneu de chuva desenvolvido pela Goodyear e voltou a vencer após duas corridas sem marcar qualquer ponto. O escocês venceu com quase 40 segundos de vantagem para Ronnie Peterson e Cevert chegou em 6º lugar. Com os títulos ganhos, chegava a vez do francês ganhar uma bela recompensa pela lealdade e pela ajuda ao longo do ano, com duas dobradinhas.

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Exultante: braços erguidos, Cevert sente o gostinho da vitória no GP dos EUA em Watkins Glen

E em Watkins Glen, na última prova do campeonato, a Tyrrell deu também uma chance a Peter Revson, que regressaria à Fórmula 1 com o Tyrrell 001. Seriam, portanto, três modelos diferentes na pista, pois Cevert ainda estava com o 002 e Stewart tinha o 003 campeão incontestável. Na corrida, deu tudo certo: Stewart fez mais uma pole position, liderou as primeiras 13 voltas e depois só deu Cevert. Merecidamente, o francês conquistava sua primeira vitória na Fórmula 1, resultado que lhe deixou em 3º no Mundial de Pilotos com 26 pontos. Com o sétimo triunfo em onze GPs realizados em 1971, a Tyrrell somou 73 pontos – mais que o dobro da Ferrari, vice-campeã.

No próximo post, falaremos da temporada de 1972 e do surgimento de dois adversários na trajetória do Escocês Voador: Emerson Fittipaldi e… uma úlcera.

Comentários

  • ja lhe dei os parabens por este post tambem? não? então parabens Rodrigo, estou ficando cada vez mais seu fã, seria uma honra imensa poder aperta-lhe a mão e dizer o quanto lhe adimiro cada dia mais pelos post inteligentes e de cultara util. obrigado
    carlos moura, rumo as 6hs sp

  • Uma dessas Tyrrell 003 ficou aqui no Brasil. Pertencia aos Fittipaldi, acho. Inclusive esteve numa fantástica exposição de carros de corrida aqui no Rio, no Estádio de Remo da Lagoa. Depois serviu para testar alguns componentes que seriam usados no Copersucar. Você sabe que fim levou esse carro, Rodrigo? Ou algum dos leitores?

      • Fittipaldi Motor Show, isso mesmo! Não lembrava do nome! Lembro de alguns carros: Lotus 72 do Emerson, Tyrrell 003 do Stewart, Ferrari 312 do Ickx, March 711 da Equipe STP, Lolinha T210 da Copa Brasil, Lola F-5.000 do Team VDS, Opalão azul do Pedro Vítor de Lamare, Brabham BT-38 Fórmula 2 do Wilsinho… E tinha mais, mas faz mais de 40 anos, meu HD não guardou!

    • Estive no Fittipaldi Motor Show de 1972, no Estádio de Remo da Lagoa, no Rio de Janeiro, e tirei fotos lá. Se eu as encontrar e digitalizá-las, interessa a alguém?

  • Rodrigo, uma correção quanto a Peter Revson, ele não estreou na F1 em 1971.Ele havia feito 4 corridas em 1964 pela equipe Reg Parnell Racing usando um Lotus 24.Então seria uma reestréia.

    Grande abraço e parabéns pela história dessa grande equipe!!
    Será que rola a história da Ligier?