Equipes históricas – Tyrrell, parte X

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Experiência e juventude: a Tyrrell reuniu para 1978 o velho recruta Patrick Depailler e uma nova promessa francesa: Didier Pironi

RIO DE JANEIRO – Em fase de transição após um primeiro ano muito bom e outro bem difícil com o projeto P34, a Tyrrell promoveu uma série de mudanças para tentar voltar ao patamar de equipe de ponta na Fórmula 1. Além do lançamento de um modelo mais convencional, com quatro rodas ao invés das seis do inovador carro de 76/77, Ken Tyrrell perdeu Ronnie Peterson, que decidiu não renovar com a equipe e acertou – pagando US$ 300 mil com patrocínios, é bom lembrar – seu regresso à Lotus, que defendera entre 1973 e o início de 1976, quando brigou com Colin Chapman e foi para a March.

Para o lugar de Peterson, foi contratado um promissor estreante: 3º colocado no Europeu de Fórmula 2 em 1977 com o Martini MK22 Renault, Didier Pironi, então com 25 anos, foi o substituto do Sueco Voador a bordo do carro com o numeral #3.

Também a relação entre Derek Gardner e o patrão já se encontrava um tanto quanto desgastada e a perda de competitividade do P34 durante o campeonato de 1977 foi a pá de cal: o designer foi dispensado do seu posto e em seu lugar foi contratado o engenheiro Maurice Philippe, que desenhou o novo 008.

A temporada começou com a dobradinha sul-americana de Grandes Prêmios disputados na Argentina e no Brasil, em pleno verão no hemisfério sul e com forte calor a prejudicar carros e pilotos. A estreia de Pironi não foi das melhores: o novato francês largou apenas em 23º no grid do GP da Argentina. Mesmo assim, conseguiu receber a quadriculada num modesto décimo-quarto lugar. Patrick Depailler foi muito bem: largando de 10º, o experiente piloto foi o terceiro, colado em Niki Lauda. Poderia ter até chegado em segundo, se Juan Manuel Fangio, escalado para dar a bandeira quadriculada, não tivesse se precipitado e mostrado o pano para Mario Andretti uma volta antes do previsto.

No GP do Brasil, as dificuldades perduravam para Pironi, que acabou em 19º após os treinos oficiais disputados no novo circuito de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Depailler largou em 11º mas desistiu cedo, na oitava volta, com os freios pifados. Pironi mostrou bom preparo físico e resistiu até o fim de uma corrida que foi um massacre para equipamentos e pilotos – Patrick Tambay chegou a desmaiar dentro de sua McLaren. Em sua segunda corrida na F1, o piloto chegou em 6º lugar, somando o primeiro ponto da carreira.

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Depailler assiste Patrese passar Scheckter em Kyalami: o GP da África do Sul foi sensacional

Em Kyalami, já mais adaptado ao Tyrrell 008, Pironi ficou próximo a Depailler nos treinos e os dois largaram no pelotão intermediário. Passando em nono na primeira volta, Patrick fez uma corrida espetacular num dos melhores GPs da temporada. Na 29ª volta, o francês já era segundo, superando o ídolo local Jody Scheckter, que também perdera a liderança para o surpreendente Riccardo Patrese. Mas a Arrows do italiano quebrou, Depailler herdou a ponta e por lá permaneceu até a última volta.

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Quase! Por pouco a vitória não sorriu para Depailler em Kyalami, mas o francês foi ultrapassado por Ronnie Peterson na última curva da última volta

Tudo caminhava para que o piloto conquistasse sua primeira vitória na Fórmula 1, mas aí apareceu ninguém menos que Ronnie Peterson no caminho de Patrick: na última curva, um cotovelo em subida, o Sueco Voador, que saíra de 12º no grid, surpreendeu o rival e ex-colega de equipe – e venceu a corrida, em seu primeiro triunfo desde 1976. Pironi fez uma boa corrida e chegou em 6º novamente.

No intervalo entre o GP da África do Sul e a abertura da temporada europeia de corridas, a Tyrrell resolveu se inscrever para o Troféu Internacional BRDC em Silverstone, na Inglaterra. Somente Depailler participou da corrida, largando em 6º num grid de 17 pilotos. O evento extracampeonato foi prejudicado por um temporal e a participação da Tyrrell acabou num acidente, na 5ª volta. Um certo Keke Rosberg, pilotando um esquálido Theodore, venceu a corrida, com Emerson Fittipaldi em segundo.

A 4ª etapa do Mundial de 1978 foi o GP dos EUA-Oeste, no circuito urbano de Long Beach. Enquanto Depailler não ia além do 12º lugar no grid, Pironi cortou um dobrado para não ficar de fora. Pouco afeito a pistas de rua, o francês não extraiu um bom desempenho de seu carro e ficou com a última posição entre 24 pilotos autorizados a largar. Brett Lunger, o primeiro reserva – e nascido nos EUA, ficou de fora por três milésimos de segundo. Na corrida, a caixa de marchas derrubou Pironi. Depailler foi muito bem e conquistou o terceiro pódio em quatro corridas, deixando piloto e equipe em 3º lugar no Mundial.

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Triunfo consagrador no Principado: a primeira vitória de Patrick Depailler, nas ruas de Monte-Carlo, lhe rendeu a liderança do Mundial de Pilotos

E veio Mônaco.

O circuito de Monte-Carlo, mesmo apertado, mesmo anacrônico, é até hoje o mais charmoso da Fórmula 1. Em todas as épocas, sempre foi uma pista difícil e naqueles tempos, com marchas trocadas manualmente no câmbio – hoje acionado por borboletas – qualquer erro era fatal. Depailler era o quinto no grid e Pironi o 13º.

Na largada, Depailler foi sensacional, pulando para segundo, logo atrás da Brabham Alfa Romeo do norte-irlandês John Watson, que largara na pole position. A pressão sobre o rival surtiu efeito e o francês assumiu a liderança na altura da 38ª volta. A segunda posição foi revezada entre Watson, Scheckter e Lauda, que cruzou 22 segundos atrás do francês – que além de conquistar sua primeira e tão sonhada vitória na categoria, assumiu a liderança do campeonato com 23 pontos. Pironi fez uma ótima corrida numa pista que já conhecia da Fórmula 3 e terminou em quinto, seu melhor resultado até aquela data.

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Em Zolder, Pironi salvou um 6º lugar, somando mais um ponto no campeonato

Em Zolder, no GP da Bélgica, estreou a Lotus 79, aperfeiçoamento do conceito de carro-asa que Colin Chapman já introduzira em 1977 com o modelo 78. E o massacre começou. A partir daquela corrida, nem Depailler e nem a Tyrrell seriam adversárias ou parâmetro para os carros com a pintura preta e dourada dos cigarros John Player Special.

Depailler perdeu a liderança do campeonato ao abandonar a corrida na 51ª volta, em razão de uma quebra de câmbio. Pironi salvou a honra da Tyrrell e fez um pontinho. Mario Andretti venceu de ponta a ponta e ultrapassou Patrick na classificação – nunca mais o ítalo-americano seria ameaçado.

Em Jarama, no GP da Espanha, a Tyrrell foi relegada ao pelotão do meio nos treinos e o 008, embora fosse um bom carro, não estava ao nível do Lotus 79. Aliás, nenhum outro carro estava e Andretti comemorou mais uma vitória, com Peterson em segundo – resultado que tirou Depailler da vice-liderança do Mundial de Pilotos. O motor do carro do francês quebrou na 51ª volta e ele desistiu da corrida. Pironi teve uma corrida cheia de problemas e chegou apenas em 12º lugar, quatro voltas atrasado.

Bandeirada das 24 Horas de Le Mans de 1978: a vitória da dupla Pironi/Jaussaud encerrou um ciclo e começou outro; ironicamente, este triunfo traria sérias consequências financeiras para a Tyrrell

O interregno entre a sétima e oitava etapas do campeonato foi histórico para Didier Pironi: a nova descoberta de Ken Tyrrell venceu, ao lado de Jean-Pierre Jaussaud, a edição de 1978 das 24 Horas de Le Mans, com um protótipo Alpine A442B Turbo. Foi uma vitória consagradora para a dupla francesa e o fim da missão da Régie em Sarthe. A partir daí, a Renault passaria a investir pesado na Fórmula 1 – com consequências sérias para a Tyrrell, como veremos mais adiante.

No GP da Suécia, mais um abandono duplo: um furo de pneu tirou Pironi da disputa logo cedo. E pouco depois da metade das 70 voltas previstas, foi a vez de Depailler abandonar pela terceira vez consecutiva na temporada, em decorrência de uma quebra de suspensão. Em Paul Ricard, com o retão Mistral de 1,8 km de extensão, nada podia melhorar o desempenho do 008, que era em média dois segundos mais lento que o Lotus 79. Depailler desistiu na 10ª volta. Pironi chegou em décimo.

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A boa atuação de Pironi no GP da Inglaterra, em Brands Hatch, foi prejudicada pela quebra do câmbio de sua Tyrrell

Após uma sequência de quatro corridas sem qualquer resultado positivo, a Tyrrell e Depailler voltaram a sorrir. O francês conseguiu um bom 4º lugar no GP da Inglaterra, mesmo tendo problemas para superar a incipiente ATS guiada pelo novato finlandês Keke Rosberg. Pironi fez sua melhor corrida do ano, alcançando o 6º lugar na metade da corrida. Mas o câmbio de seu carro apresentou falhas e ele desistiu.

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Mesmo largando em 14º, Depailler fez uma corrida brilhante e chegou em segundo no GP da Áustria, atrás de Ronnie Peterson

Na Alemanha, a falta de velocidade do 008 voltou a se repetir numa pista cheia de retas longas feito Hockenheim. Se Pironi ainda conseguiu salvar mais dois pontinhos ao terminar em 5º numa corrida em que apenas dez pilotos receberam a quadriculada, Depailler envolveu-se numa carambola logo na primeira volta e abandonou a corrida, na última vez em que disputaria uma corrida naquele circuito. Já em Zeltweg, o experiente piloto fez talvez sua melhor exibição em 1978 – mais competitiva que na África do Sul e que em Monte-Carlo – porque foi muito rápido tanto em condições extremas de pista molhada quanto em piso seco, após uma segunda largada. Após cair para 9º quando trocou de pneus na 20ª volta, Depailler chegou em segundo, atrás de um inspirado e imbatível Ronnie Peterson.

Pironi bateu na Áustria e se envolveria num segundo acidente de forma consecutiva na Holanda, quando colidiu logo na primeira volta com Riccardo Patrese. A Arrows do italiano e a Tyrrell do francês foram rechaçadas pelo guard-rail e voltaram à pista, numa evidente falha de segurança do circuito de Zandvoort, já marcado pelas mortes de Piers Courage e Roger Williamson. Felizmente, ninguém saiu ferido. Depailler, que largou em 12º, abandonou na décima-terceira volta com problemas de motor.

No fatídico GP da Itália em que Ronnie Peterson perdeu a vida de forma trágica, Didier Pironi foi um dos cinco que não voltaram para a segunda largada. A Tyrrell não tinha dois carros de reserva e o único 008 que restava inteiro foi entregue a Depailler, que chegou em 10º lugar. Antes do fim do campeonato, Ken Tyrrell foi informado pela Elf e pelo First National City que os contratos de patrocínio não seriam renovados para o campeonato de 1979.

Para o velho Ken, era um golpe duríssimo: a Elf era sua fiel parceira desde os tempos de Jackie Stewart e da Matra. Perder o apoio da estatal francesa do petróleo, disposta a investir mais na equipe Renault e na Ligier, foi demais para o madeireiro. Herança da Penske, o First National City investiu na equipe por um contrato de dois anos e a diretoria do banco recomendou que o compromisso não fosse renovado. Para quem sempre teve bons patrocínios e uma estrutura considerada de ponta até ali, era como despencar no abismo. Ainda mais sabendo que teria de seguir o padrão de carro-asa imposto pela Lotus, se quisesse ver seus carros competitivos em 1979.

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Após cinco temporadas, Patrick Depailler resolveu mudar de ares e assinou com a Ligier: mais um duro golpe para Ken Tyrrell

Apesar das dificuldades financeiras que se avizinhavam, Tyrrell deu um voto de confiança a Maurice Philippe e exigiu do designer um modelo semelhante ao Lotus campeão com Mario Andretti para o ano seguinte. E como consequência da saída da Elf, Patrick Depailler encerrou no fim do ano o seu vínculo com a equipe britânica, assinando um contrato com a Ligier, que assim ampliava sua estrutura para alinhar dois carros.

Ainda assim, Depailler cumpriu seus últimos compromissos pela equipe nos GPs dos EUA-Leste e Canadá. O piloto abandonou em Watkins Glen com problemas de transmissão e foi 5º em Montreal. Pironi passou longe dos pontos, mas terminou as duas corridas, respectivamente em 10º e sétimo.

Olhando para os números, o quarto lugar no Mundial de Construtores não seria um mau resultado – exceto se a Lotus, campeã, não marcasse mais do que o dobro de pontos somados pela Tyrrell e se a equipe inglesa ficasse distante de Lotus e Brabham na pontuação. Depailler foi o 5º no Mundial de Pilotos, mas sua perda só poderia ser dimensionada se o desempenho dos novos carros prometidos para 1979 fosse abaixo do esperado.

É o que saberemos nas próximas.

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