Equipes históricas – Tyrrell, parte XVII
RIO DE JANEIRO – Desfeito o mal-entendido decorrente da falcatrua de 1984, quando a FIA eliminou a equipe do Campeonato Mundial de Fórmula 1, a Tyrrell regressou para a temporada seguinte – adivinhem? – ainda usando os motores Ford Cosworth V8. Aí já não era meramente um problema financeiro. Era pura teimosia do velho Ken, mesmo.
Turrão como ele só, o dono da equipe desentendeu-se com Stefan Bellof acerca da renovação do contrato, que acabou suspenso. Sem condições de contar com o alemão no início do campeonato, Ken Tyrrell chamou Stefan Johansson para assumir o carro #4 no GP do Brasil em Jacarepaguá. O sueco estava por aqui, mesmo sem equipe, curtindo um sol para renovar o bronzeado. A Toleman, pela qual competira nas provas finais do ano anterior, teoricamente seria a melhor opção para o nórdico, mas a equipe estava sem pneus desde o seu velho imbróglio com a Pirelli. A Michelin debandara da categoria e a Goodyear não tinha condições de suprir o time com uma cota de fornecimento.
A bordo dos velhos Tyrrell 012, Martin Brundle e Johansson ficaram a mais de oito segundos do tempo da pole position de Michele Alboreto – e ainda foram melhores que a Osella de Pier Carlo Ghinzani, o Spirit Hart de Mauro Baldi e a estreante Minardi, com Pier Luigi Martini também num carro de motor Cosworth. Devagar e sempre, quase que Johansson chegou nos pontos: foi 7º colocado, com Brundle em oitavo.
O problema entre a equipe e Stefan Bellof foi resolvido e o alemão voltou para o GP de Portugal, duas semanas após o GP do Brasil. Sob um dilúvio, o piloto mostrou a mesma habilidade já exibida em Mônaco e conseguiu um brilhante 6º lugar num carro já ultrapassado. Brundle abandonou na 20ª volta com problemas de câmbio. Em Imola, no GP de San Marino, o único carro turbo que ficou atrás dos dois Tyrrell foi o Spirit Hart de Mauro Baldi. Naquela oportunidade, Brundle chegou em nono – e olha que três pilotos à sua frente ficaram pelo caminho com falta de combustível e Alain Prost foi desclassificado. O motor do carro de Bellof quebrou.
Em Monte-Carlo, o alemão não conseguiu repetir a performance do ano anterior. Com o 22º tempo, batido por Pier Carlo Ghinzani e superado por Teo Fabi, que conduzia o único Toleman no regresso desta equipe, acabou de fora por 0″275. Brundle, que ficara de fora um ano antes, conseguiu a 18ª posição no grid e chegou em décimo, quatro voltas atrasado. Com o adiamento do GP da Bélgica, cuja corrida foi cancelada em razão das péssimas condições do asfalto em Spa-Francorchamps, provocando o remarcamento deste evento para setembro, o GP do Canadá foi o quinto do calendário. Mais uma vez com os carros mais lentos do grid, exceção feita ao Minardi de Martini, Bellof e Brundle se limitaram apenas a levar seus 012 até o final: chegaram em 11º e 12º, respectivamente.
No circuito urbano de Detroit, a Tyrrell teria uma boa chance de chegar à zona de pontuação mais uma vez. Seria a despedida do motor Ford Cosworth V8 pelo menos no carro de Brundle, pois Ken Tyrrell rendera-se às evidências e a partir do GP da França, em Paul Ricard, sua equipe passaria ao rol de clientes da Renault. O novo carro – o modelo 014, mais uma vez desenhado por Brian Lisles sob a supervisão de Maurice Philippe – estava quase pronto.
E a atuação dos dois pilotos da equipe britânica foi bastante positiva no GP dos EUA. Rapidamente, Brundle e Bellof ganharam posições e o britânico vinha em quarto quando se envolveu numa colisão com a RAM Hart de Philippe Alliot, que vinha em último – três voltas atrasado, diga-se. O alemão herdou a posição do companheiro de equipe e mesmo sem a carenagem da seção dianteira de seu 012, fez uma grande corrida e chegou em 4º lugar.
A estreia do novo Tyrrell 014, primeiro carro da equipe com motor turbo, não foi das mais auspiciosas, mas serviu para mostrar que não dava mais para o Cosworth: 21º no grid, Brundle foi quatro segundos mais rápido que Bellof, que largou de último e ainda chegou em 13º lugar, três voltas atrás do vencedor Nelson Piquet. O que tirou Brundle da disputa não foi o motor e sim o câmbio.
Em Silverstone, palco do GP da Inglaterra, um vexame absoluto do Tyrrell Cosworth: onze segundos pior que a pole position e 7″354 mais lento que a Tyrrell Renault de Brundle, que quase beliscou um pontinho com o 7º posto. Bellof, devagar e sempre, chegou em 11º. Na Alemanha, seria dele a vez de andar no Tyrrell Renault enquanto o segundo chassi não ficasse pronto.
Diante de sua torcida, até que Bellof fez uma boa corrida. Chegou em 8º lugar enquanto Brundle, penúltimo do grid, foi o décimo. Na Áustria, com 27 pilotos e 26 vagas, não houve jeito e o britânico ficou de fora da disputa. Bellof largou em 22º e vinha em sétimo quando um defeito em seu carro o fez desistir na última volta. A Tyrrell enfim conseguiu aprontar o segundo chassi do 014 e os dois pilotos foram “turbinados” pela primeira e única vez no GP da Holanda. Brundle chegou em sétimo na ocasião e o motor deixou Bellof na mão na 39ª volta.
Foi sua corrida derradeira na Fórmula 1, pois em 1º de setembro, durante a disputa dos 1000 km de Spa-Francorchamps, válidos pelo World Sportscar Championship – do qual era o campeão – o piloto alemão envolveu-se num acidente com Jacky Ickx na subida da curva Eau Rouge. Houve incêndio, mas a violência do impacto foi o que matou Bellof. Ele tinha apenas 27 anos e um futuro promissor pela frente. Diziam até que a Ferrari estava de olho nele, o que nunca foi confirmado.
O fato é que com a perda de um de seus pilotos, Ken Tyrrell pediu para que Martin Brundle não aceitasse – pelo menos até o fim do ano – os convites da TWR para competir, como já fizera em algumas provas, com o novo Jaguar XJR-6, temendo perder seu outro contratado. O receio tinha fundamento: além da morte de Bellof, o WSC também foi marcado pelo acidente fatal de Manfred Winkelhock nos 1000 km de Mosport, no Canadá.
A Tyrrell optou por não substituir Bellof imediatamente e enviou apenas um único carro para as corridas seguintes na Itália e Bélgica. Em Monza, Brundle foi o 8º colocado e na pista de Spa, debaixo de chuva no início e com a pista secando no final, o britânico chegou em décimo-terceiro. A equipe esperou até o GP da Europa para anunciar o novo piloto para as corridas finais: egresso da Fórmula 3000, o italiano Ivan Capelli, então com 22 anos apenas, foi jogado às feras no circuito de Brands Hatch.
Como era de se esperar, o novato enfrentou muitas dificuldades. Após um sem-número de rodadas em todos os treinos, no afã de buscar o limite do carro, o italiano conseguiu apenas o 24º tempo, oito posições atrás de Martin Brundle. Ele vinha em penúltimo entre 17 pilotos quando bateu e seu carro pegou fogo após o acidente. Já o companheiro de equipe perdeu uma grande chance de somar pontos naquele ano, quando seu carro teve um problema com a tubulação de água e Brundle vinha em sétimo.
A penúltima etapa de um campeonato já decidido em favor de Alain Prost desde a corrida de Brands Hatch seria o GP da África do Sul, em Kyalami. Houve muitas pressões dos órgãos humanitários e governamentais, de diversos países: o regime de apartheid atingia os maiores índices de intolerância e o clima era insuportável. A corrida, que fecharia o campeonato de 1985, foi antecipada para 16 de outubro e duas equipes pelo menos boicotaram o evento: Renault e Ligier.
Esta última contava com Philippe Streiff desde o GP da Itália, quando passou a ocupar o lugar que era de Andrea de Cesaris no carro #25 do time do velho Guy. Mas para a África, o francês se ofereceu para guiar o Tyrrell 014 vago com a morte de Bellof e a ausência de Ivan Capelli, marcado pelas trapalhadas no GP da Europa. O bem-bolado rendeu inclusive um acordo para que o piloto ingressasse na equipe para a temporada seguinte, em 1986.
A Fórmula 1, claro, não se rendeu aos apelos humanitários e correu assim mesmo em Kyalami, com 20 carros na largada. A participação de Streiff acabou em acidente, na 16ª volta. E Brundle chegou em sétimo. Para a última corrida do ano, a estreia do GP da Austrália e do circuito de Adelaide, Philippe regressaria à Ligier e assim a Tyrrell chamou o desastrado Capelli para guiar na etapa final da temporada.
E não é que o novato teve bom desempenho? Mesmo largando em 22º entre 25 pilotos, o italiano conservou seu carro na pista, fez a décima-segunda volta mais rápida em ritmo de corrida e conseguiu um excelente 4º lugar, igualando o melhor resultado da equipe no ano. Brundle teve uma série de problemas e perdeu 33 voltas em relação ao vencedor Keke Rosberg. O britânico usou a corrida da Austrália como treino e não foi classificado ao fim da disputa.
Assim terminou aquela que, exceção feita a 1984, era a pior temporada da história da Tyrrell. A equipe fechou o Mundial de Construtores em 9º e último lugar entre as que pontuaram, mas num ano até certo ponto digno. Afinal, várias escuderias sequer terminaram com pelo menos um carro entre os seis primeiros – e isto incluiu até a Alfa Romeo.
No próximo post, vamos ver como foi a primeira – e única – temporada completa da equipe na F-1 com motores turbocomprimidos.
Queria saber a razão da equipe ficar tão desorganizada assim nos anos 1980. Virou uma espécie de Dale Coyne da F1.