Equipes históricas – Tyrrell, parte XXI
RIO DE JANEIRO – A temporada de 1989 marcou o reencontro da Fórmula 1 com os velhos tempos em que bastava um motor Ford Cosworth para montar num carro de construção artesanal e se montar uma equipe. A FIA recebeu nada menos que 39 inscrições para todo campeonato, fazendo reviver as pré-qualificações e colorindo o paddock como há muito tempo não se via. A Tyrrell, que como construtora faria sua 19ª temporada completa na categoria, era uma das equipes mais tradicionais a compor o plantel, ao lado de Ferrari, McLaren, Lotus, Brabham e Williams.
A equipe contaria com a competência do designer Harvey Postlethwaite e do aerodinamicista Jean-Claude Migeot, que conceberiam o novo modelo, o 018, com motor Ford Cosworth DFR V8, a ser conduzido por um velho conhecido: aos 32 anos, após o fim de seu contrato de quatro temporadas com a Ferrari, que preferiu trazer Nigel Mansell, Michele Alboreto fazia o papel do “bom filho que à casa torna”, compondo a dupla titular com o britânico Jonathan Palmer.
Enquanto o novo chassi não ficava pronto para o GP do Brasil, a Tyrrell participou dos treinos de pré-temporada com o DG017 rebatizado como 017B. O carro foi visto em Jacarepaguá todo pintado de preto e sem nenhuma inscrição de patrocínio, o que também remetia aos anos de crise da escuderia de Wockham. Alboreto reestreou pela equipe com o 10º lugar na primeira corrida do ano, após largar em vigésimo. Palmer foi um pouco melhor: terminou na 7ª posição.
Em San Marino, o primeiro exemplar do 018 ficou pronto. Foi a primeira amostra do que a dupla Postlethwaite-Migeot tinha em mente com relação a estudos de aerodinâmica e conceito de chassi. Como novidade, a suspensão dianteira apresentava um micro amortecedor montado em posição central, atuando nos dois triângulos. O objetivo era diminiuir a área frontal e oferecer um melhor coeficiente ao bólido. Com pouca quilometragem, sem nenhum teste prévio, é claro que o único carro não conseguiu lugar no grid, com Michele Alboreto. Jonathan Palmer classificou o velho 017B em 25º, mas acabou largando com o carro novo, numa decisão arrojada da equipe. Deu certo: o britânico sobreviveu à carnificina e chegou em sexto, somando o primeiro ponto do time no campeonato.
No GP de Mônaco, Alboreto mostrou que não estava morto, como muitos acreditaram por sua eliminação da corrida anterior. Classificou-se num razoável 12º lugar e usou de toda sua experiência para ganhar posições e chegar em quinto. Palmer também chegou ao final, na 9ª posição. Os resultados mostravam que a equipe estava num bom caminho. E veio o GP do México, em que as ondulações da pista seriam minimizadas pela suspensão monochoque. Como efeito, Alboreto fez uma atuação de gala com o Tyrrell 018 e após largar em 7º – e com a quebra da Ferrari de Nigel Mansell – herdou o 3º lugar e fez as pazes com o pódio. A velha guarda vibrou: muitos já viam coincidências com os anos de 82 e 83, de pouco dinheiro e alguns bons resultados do time britânico.
Mas as coincidências paravam por aí. Patrão e piloto já não se entendiam como antigamente e o clima para o italiano não era dos melhores.
No GP dos EUA, o quinto do campeonato, disputado numa pista de rua em Phoenix, cheia de esquinas de 90º, Alboreto classificou bem no grid e vinha entre os dez primeiros até o câmbio quebrar. Palmer largou em 21º e galgou várias posições – estava num espetacular quinto posto, a ponto de ganhar a quarta posição do Rial de Christian Danner, quando o motor do carro simplesmente deixou de funcionar, vítima de um problema na injeção de combustível. Debaixo de chuva, no Canadá, Alboreto teve problemas elétricos e nem completou a primeira volta. Palmer bateu e abandonou quando era o 7º.
Antes do GP da França, em Paul Ricard, Ken Tyrrell vislumbrou uma ocasião de ouro para se livrar de Michele Alboreto, que tinha contrato com a Marlboro: com uma forcinha de Eddie Jordan (então dono de equipe na Fórmula 3000), que não se opôs à negociação – até porque sempre gostou de dinheiro – contratou um jovem piloto francês – Jean Alesi, então com 25 anos. E o patrocínio dos cigarros Camel veio junto, jogando o veterano piloto italiano para escanteio.
Jean Alesi? Muita gente se espantou quando viu o nome dele na lista de inscritos para a 7ª etapa do campeonato – e não só o dele: Martin Donnelly e Eric Bernard, outros pilotos oriundos da F-3000, estreariam também no GP da França, respectivamente por Arrows e Larrousse-Calmels. Mas ninguém brilhou naquele 9 de julho de 1989 feito o novato da Tyrrell.
Mesmo largando da 16ª posição, Alesi mostrou uma calma e uma consistência pouco vistas num piloto jovem e estreante naqueles tempos. Além de marcar o nono melhor tempo da corrida, chegou a ocupar a vice-liderança por quatro voltas, atrás de Alain Prost. A torcida francesa, claro, enlouqueceu. Mas Alesi precisava trocar pneus e chegou em quarto. Resultado extraordinário. Uma estreia com o pé direito, dando razão a Ken Tyrrell. Ah! Jonathan Palmer até se classificou num excelente 9º lugar no grid, mas acabou apenas em décimo.
A jovem promessa sentiu a pressão da estreia logo na corrida seguinte, o GP da Inglaterra, em Silverstone. Alesi obteve apenas o 22º tempo do grid, três décimos mais lento que o companheiro de equipe, que desta vez corria em casa. O desfecho foi o mesmo para ambos: Palmer e Alesi bateram e deixaram a corrida. Na semana seguinte, de volta à Fórmula 3000, Jean recuperou a confiança e largou da pole position no GP de Enna-Pergusa, na Sicília. Mas acabou abandonando.
O francês chegou à sua quarta corrida em menos de um mês no GP da Alemanha, em Hockenheim. Alesi voltou a impressionar com o 10º tempo do grid, oito décimos e nove posições melhor que Jonathan Palmer. Enquanto o britânico desistia com problemas no acelerador, o francês teve um desempenho razoável – chegou na 10ª colocação após cair para último na 21ª volta.
Agosto foi outro mês cheio para Alesi, que precisava de resultados para vencer a temporada da Fórmula 3000 e confirmar o que se esperava dele no futuro, dentro da Fórmula 1. No GP da Hungria, o francês chegou em nono, quatro posições à frente de Palmer. Nas semanas seguintes, Jean voltou ao seu Reynard Mugen da EJR e brilhou: chegou em 2º na etapa de Brands Hatch e venceu na difícil pista de rua de Birmingham. Com estes resultados, ele liderava o campeonato com 29 pontos.
No mesmo fim de semana do triunfo de Alesi na F-3000, era disputado o GP da Bélgica em Spa-Francorchamps. Sem o francês, Ken Tyrrell recorreu a Johnny Herbert, que naquele mesmo ano perdera o posto de piloto titular da Benetton, para substitui-lo no carro #4. Mesmo ainda sem estar 100% fisicamente recuperado do grave acidente que sofrera no ano anterior, Herbert foi muito melhor que Jonathan Palmer nos treinos, com pista seca: largou cinco posições à frente. Mas na corrida choveu e o regra-três de Alesi rodou na terceira volta. Palmer levou o carro ao final com a 14ª posição, duas voltas atrás do vencedor Ayrton Senna.
Alesi regressou ao posto de titular no GP da Itália e aos pontos, no tradicional circuito de Monza. Largou da 11ª colocação e fez uma corrida consistente, para chegar à quinta colocação. Palmer era o décimo-quarto no grid, mas sua corrida foi cheia de problemas até o motor quebrar na 18ª volta. Para a corrida seguinte, o GP de Portugal, a Tyrrell não pôde contar com sua nova promessa – afinal, a data era a mesma da penúltima etapa do campeonato da Fórmula 3000, em Le Mans – e que poderia dar a Alesi o título antecipado da categoria.
Mais uma vez a Tyrrell recorreu a Johnny Herbert – só que, desta vez, ele não conseguiu uma vaga entre os 26 do grid. Palmer fez uma boa corrida, largando de 18º para somar mais um ponto com o 6º lugar. E a alguns quilômetros dali, no circuito Bugatti de Le Mans, Alesi também terminava em sexto na corrida ganha por Erik Comas, para chegar a 39 pontos e se consagrar campeão da Fórmula 3000 de 1989.
Motivado pelo título conquistado uma semana antes, o francês chegou cheio de moral para a disputa do GP da Espanha, em Jerez de la Frontera. E Alesi fez um corridão: largou em nono, quatro posições à frente e sete décimos mais rápido que Palmer na qualificação – e terminou num impressionante 4º lugar, com a oitava volta mais rápida da corrida. O britânico chegou em 10º e último entre os que terminaram, certo de que sua carreira na categoria máxima estava perto do fim.
Nas duas corridas finais, Alesi não repetiu o mesmo desempenho: enfrentou problemas mecânicos no GP do Japão e também na Austrália. Palmer encerrou sua trajetória na Fórmula 1 abandonando na 20ª volta em Suzuka, com um vazamento de óleo em sua Tyrrell – uma vez que não se classificou para a disputa da corrida final da temporada, em Adelaide.
Com 50% do total de pontos somados pela equipe em 1989, Jean Alesi justificou o investimento e foi, disparado, a grande revelação da Fórmula 1 naquele ano, eclipsando Alboreto e destruindo a carreira de Jonathan Palmer. No Mundial de Construtores, “Tio” Ken comemorou um surpreendente quinto lugar e a sua nova descoberta.
A pergunta que pairava no ar era: até onde Jean Alesi poderia chegar em 1990?
Respostas, no próximo post.
Grande Rodrigo!
Mais um belo texto desta bela “novela Tyrrell” que você nos apresenta. Hoje minha produtividade caiu com os posts que você nos brindou, mas minha felicidade se multiplicou. ABRAÇO! Obrigado!!!
Que bom que gostou! Abraços!
Muito bom. Eu me recordo bem da impressão que o Jean Alesi causou nesta temporada.
Ansiosamente aguardando voce falar de 1990 e de um dos meus carros favoritos, o 019 !
Que venha o Tyrrell de Bigodes !!!
Rodrigo, ja tem uma ideia de quando lançara a a temporada de 90 sobre a Tyrell
Quando me sobrar tempo para falar da Tyrrell de novo.
Tudo bem,