Discos eternos – Barão Vermelho (1982)

Barão-Vermelho-1982

RIO DE JANEIRO – Nascido do sonho adolescente de dois fãs do Queen, o Barão Vermelho surgiu nos anos 80 como uma das referências do (re)nascente rock nacional, que ganhou corpo nas garagens e com a energia que é peculiar aos jovens roqueiros, mudou de vez a cara da música brasileira.

Com o grupo formado por Guto Goffi (bateria), Maurício Barros (teclados e sintetizadores), Dé Palmeira (baixo) e Roberto Frejat (guitarra), faltava o vocalista. Léo Jaime foi chamado, fez uma espécie de ‘audição’, mas sua voz não casava com o som do grupo. Ele imediatamente se lembrou de alguém que conhecia das noites do Baixo Leblon.

“Conheço um cara que seria perfeito pra vocês, o Cazuza. Ele adora Janis Joplin, faz teatro no Circo Voador e é filho do João Araújo, presidente de uma gravadora.” E a indicação de Léo Jaime passou no teste.

Nem o perrengue dos primeiros ensaios, passando por um fracassado show na Feira da Providência, desanimou os garotos. Cazuza, que já mostrara ao que viera nos primeiros ensaios – inclusive transformando a letra da primeira música de Guto e Maurício de “Billy João” em “Billy Negão”, começou a mostrar seu talento como poeta e letrista. Cinco anos mais velho que a maioria dos Barões, considerava as letras um pouco ‘infantis’. E teria a chance de mostrar todo o seu talento.

Um certo dia de verão, Ezequiel Neves ouviu a fita demo gravada num Akai de rolo, que era de Cazuza. E simplesmente endoidou, enlouqueceu com o material dos garotos. Escreveu colunas apaixonadas na lendária Somtrês, onde assinava a página Zeca n’Roll. E adotou o Barão para sempre.

Convenceu Guto Graça Mello a levar o Barão para a Som Livre, onde trabalhava como produtor e diretor (inclusive com Cazuza como assistente por algum tempo). O último e mais difícil obstáculo era o próprio João Araújo, pai de Cazuza.

“Podem me acusar de protecionismo”, disse. “Os garotos são ótimos”, rebateu Guto. “Você vai deixar a concorrência contratá-los?”

O argumento foi mais do que suficiente: o Barão foi contratado e, como primeira providência, Graça Mello pediu à banda que mantivesse o astral da fita demo, gravando sem clique eletrônico.

O som cru, quase pueril, daqueles jovens cheios de sonhos, ganhou fãs de imediato. Caetano Veloso, que conhecia Dé Palmeira (então namorando Bebel, a filha de João Gilberto), adorou “Todo amor que houver nessa vida”. Aprendeu a harmonia e, no meio da turnê do disco Uns, num Canecão lotado, tocou a canção que Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, logo reconheceu.

“João, essa música é do Cazuza.”

“Porra, Lucinha! Tá maluca? Como o Caetano vai cantar uma música do Cazuza?”

Ao fim da apresentação, Caetano mandou a letra.

“Gostaram, né? Vão comprar o disco do Barão Vermelho! É do caralho! Os meninos são ótimos e eu adoro as letras do Cazuza.”

O disco não vendeu, mas é marcante. A abertura, com “Posando de Star”, comprou briga com a moribunda Censura Federal, que implicou com a letra que dizia ‘você precisa é dar’. Zeca, escolado com as coisas da ‘índústria pornográfica’, sugeriu a Cazuza gravar ‘você precisa é dar-se’ e cantar a letra original nos shows. Deu certo e a faixa passou.

Cazuza destacou-se não só pelas letras marcantes, mas também como um intérprete que, por vezes, emulava Janis Joplin. Ele deixou isso claro na sensacional “Down em Mim”, com direito a introdução bluesy de Maurício Barros ao piano e um rascante solo de guitarra de Frejat.

O único ‘ponto fraco’ – sem trocadilho algum com uma das faixas do álbum – na opinião do próprio pai de Cazuza, era que o vocalista ‘ciciava’, por um defeito na fala não corrigido na infância/adolescência. Registre-se também que Cazuza falava ‘filiz’ ao invés de ‘feliz’, como em “Por aí”.

Mas isso é irrelevante perto do material que o grupo trouxe em seu disco de estreia e principalmente a poesia selvagem e urbana do vocalista – alvo de admiração de grandes nomes da MPB pelos anos seguintes que o Barão se manteve na ativa com a formação original.

Em 2012, quando o disco foi relançado em versão remasterizada, vieram além das faixas originais do bolachão, o descaralhante reggae “Nós” – que seria gravado em Maior Abandonado, com outro arranjo; “Por Aí” em versão alternativa; a inédita “Sorte e Azar” e “Down em Mim” numa versão inacreditável com Cazuza cantando… em espanhol.

Um disco histórico que vale ser ouvido do princípio ao fim.

Ficha técnica de Barão Vermelho
Selo: Som Livre
Gravado em maio de 1982
Produzido por Ezequiel Neves e Guto Graça Mello
Tempo: 31’09” (versão original) e 43’30” (versão remasterizada em CD)

Músicas:

1. Posando de Star (Cazuza)
2. Down em Mim (Cazuza)
3. Conto de Fadas (Cazuza/Maurício Barros)
4. Billy Negão (Cazuza/Guto Goffi/Maurício Barros)
5. Certo Dia na Cidade (Cazuza/Guto Goffi/Maurício Barros)
6. Rock n’Geral (Cazuza/Frejat)
7. Ponto Fraco (Cazuza/Frejat)
8. Por Aí (Cazuza/Frejat)
9. Todo Amor que Houver Nessa Vida (Cazuza/Frejat)
10. Bilhetinho Azul (Cazuza/Frejat)

Faixas-bônus do relançamento:

11. Sorte e Azar (Cazuza/Frejat)
12. Nós (Cazuza/Frejat)
13. Por Aí [take alternativo] (Cazuza/Frejat)
14. Down em Mim [versão em espanhol] (Cazuza)

Comentários