Guy Ligier (1930-2015)

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Com Jacques Laffite na foto, Guy Ligier montou a equipe particular mais bem-sucedida da França na história do automobilismo internacional

RIO DE JANEIRO – O automobilismo francês e internacional está de luto. Morreu hoje o ex-piloto e antigo dono de equipe na Fórmula 1 Guy Ligier. Ele tinha completado há pouco mais de um mês exatos 85 anos de idade e o blog lembrou da data na seção Túnel do Tempo, falando da época em que o francês foi piloto na categoria máxima do automobilismo mundial.

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Vestindo azul: como piloto na F1 foram 12 corridas e um único ponto somado, no GP da Alemanha de 1967

Ao volante, Guy Camille Ligier, nascido em 12 de julho de 1930 em Vichy, não foi dos mais brilhantes do seu tempo. Pelo contrário: competiu como piloto privado em 12 GPs de Fórmula 1 e conseguiu como melhor resultado a bordo de um Brabham BT20 Repco a 8ª colocação no GP da Alemanha de 1967, marcando um solitário ponto porque naquela oportunidade dois pilotos com carros de F2 que preencheram o grid chegaram à frente dele. Também competiu com Cooper T81 Maserati antes de se tornar sócio de Jo Schlesser. O parceiro morreu em 1968 no GP da França, com um Honda construído com chassi de titânio e refrigerado a ar. O acidente fatal de Jo fez Ligier desistir de voltar profissionalmente como piloto.

E ao começar a atividade de construtor, prestou tributo ao velho amigo, dando à primeira criação da Ligier Automobiles, concebida por Michel Tétu, a sigla JS1 em homenagem a Jo Schlesser. Com esse carro, disputou as 24h de Le Mans em 1970, abandonando a prova com Jean-Claude Andruet de parceiro. Em 1971, Guy alinhou no Ligier JS2 ao lado de Patrick Depailler. Os dois terminaram a corrida, mas não foram classificados por não atingir a distância mínima suficiente para a categoria.

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Com este Ligier JS2 Cosworth, Jean-Louis Lafosse/Guy Chasseuil conquistaram o 2º lugar na edição de 1975 das 24h de Le Mans

Mesmo com seus carros construídos artesanalmente em Vichy, primeiro dotados de motor Maserati e depois do Ford Cosworth V8, Guy Ligier começou a construir uma sólida reputação como dono de equipe. Nem os abandonos em Sarthe nas provas de 1972 e 1973 o fizeram desistir. Tanto que em 1974, Jacques Laffite/Alain Serpaggi chegaram em oitavo e no ano seguinte, Jean-Louis Lafosse/Guy Chasseuil conquistaram o vice-campeonato da corrida, perdendo apenas para o Mirage Cosworth de Derek Bell/Jacky Ickx, da equipe Gulf-John Wyer.

Em 1976, a Ligier chegou à Fórmula 1 com o monoposto JS5 de motor Matra V12. O carro concebido por Paul Carillo e Gérard Ducarouge chamava a atenção pela tomada de ar descomunal e ganhou vários apelidos, como “Bule de Café” e “Corcunda de Notre Dame”. Mas era razoavelmente rápido e proporcionou a Jacques Laffite uma pole position em Monza e três pódios, com o piloto chegando em 8º no Mundial de Pilotos e a equipe, num excelente sexto lugar. No ano seguinte, Laffite deu ao time francês sua primeira vitória na categoria, no GP da Suécia.

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A Ligier foi vice-campeã mundial de Construtores na temporada de F1 em 1980, com Didier Pironi (na foto) e Jacques Laffite

Mas foi com os modelos JS11 e JS11/15, nos quais Ducarouge aplicou o conceito de carro-asa, que a Ligier viveu seus maiores momentos na categoria. O dinheiro da SEITA (sigla para Service d’exploitation industrielle des tabacs et allumettes), através da marca Gitanes, trouxe bons frutos ao time, que impressionou positivamente com Laffite, Patrick Depailler e Didier Pironi nestes dois anos. A equipe venceu cinco provas no período e conquistou o vice do Mundial de Construtores em 1980, bem como o 3º lugar em 1979.

Com a volta dos motores Matra V12 num acordo da equipe com a Talbot, que comprara a Simca, quase que a Ligier deu a Jacques Laffite o gostinho do título inédito em 1981. Mas o francês não passou do 4º lugar no Mundial de Pilotos e daí em diante a equipe viveu momentos de altos e baixos (mais baixos que altos) e diversas crises técnicas. Ora a Gitanes saía de cena como patrocinadora, ora entrava o dinheiro da loteria francesa (Loto), pois Guy tinha como grande amigo – e aliado – o presidente francês François Mitterrand.

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Jacques Laffite foi o piloto mais fiel da história da escuderia francesa, disputando 132 GPs entre 1976 e 1986

Após dois razoáveis anos em 1985 e 1986, graças ao talento de Laffite, que acabou forçado a deixar as pistas após um grave acidente no GP da Inglaterra disputado em Brands Hatch, a equipe viveu longo declínio técnico. As constantes trocas de motor e de engenheiros não ajudaram. Até o brasileiro Ricardo Divila colaborou com a Ligier, que ficou três campeonatos sem somar um único ponto e com diversas vezes enfrentando o dissabor de ter um ou dois carros fora das provas de Fórmula 1. Em 1991, com a ida do GP da França para Magny-Cours, Guy levou sua equipe para o Technopóle de la Nièvre, construído com maciço apoio do governo Mitterrand.

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Olivier Panis celebra a nona – e última vitória – da história da Ligier na Fórmula 1

Uma última tentativa de salvação foi feita quando a equipe finalmente conseguiu os motores Renault V10 e até que os resultados voltaram a aparecer, dando ao time um razoável 5º lugar no Mundial de Construtores de 1993. Mas a ambição desmedida de Flavio Briatore, sequioso pela cota dos motores do time francês, levou a Ligier a perder os motores Renault e correr com os Mugen Honda V10, bem mais pesados e menos competitivos – afora carros que eram verdadeiros clones dos Benetton. A última e histórica vitória aconteceu com Olivier Panis, num emocionante e sensacional GP de Mônaco em 1996. Depois disto, Flavio Briatore vendeu a equipe a Alain Prost e a Ligier saiu de cena com 326 GPs disputados, nove vitórias, nove pole positions, nove recordes de volta em prova e 50 pódios em 21 temporadas na categoria.

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Ao lado de Jacques Nicolet, que em sua homenagem fez seus protótipos da Onroak Automotive levarem o nome Ligier, para as atuais gerações saberem de quem se tratava

O velho Guy permaneceu afastado do esporte até 2009, quando perto de completar 80 anos, tornou-se majoritário da Automobiles Martini, que construíra carros de F-Renault, F-3 e F-1 através de seu fundador Tico Martini. O carro que marcou o regresso da Ligier às pistas no certame VdeV de Endurance e Turismo foi o JS49. E hoje, o nome Ligier permanece vivo graças a Jacques Nicolet, que através de sua Onroak Automotive constrói protótipos das classes CN, LMP3 e LMP2 batizados com o sobrenome daquele que é e será um dos mais representativos nomes da história do automobilismo na França.

Agora, fica a certeza: a próxima equipe a ter sua saga contada na série Equipes Históricas do A Mil Por Hora será, sem nenhuma dúvida, a Ligier.

Comentários

  • Mais um garagista apaixonado que se vai. Gente de outros tempos, os melhores do esporte. Gente que tinha suas histórias brilhantemente contadas todo mês por Gérard Crombac e José Rosinski, saudosos e legendários jornalistas da Sport-Auto.
    Vai em paz, Monsieur Ligier.

  • Mais um icone do automobilismo Frances que nos deixa. Guy foi um racer 110%, e foi um prazer ter trabalhado com ele. Aos 85 anos ainda profundamente implicado com o esporte que amava, tendo a alegria de ver o seu nome nas pistas no LMP3 feito pela Oak, e sempre envolvido com o Circuito de Magny Cours.
    R.I.P. Guy.

  • Fico muito feliz que a próxima equipe a ser retratada na série “Equipes Históricas” será a Ligier. Há algum tempo já estava pensando em sugerir (e pedir) para que fosse a próxima, mas não tinha certeza se vc iria continuar com a série, então fiquei quieto. Tyrrell e Ligier são justamente minhas duas equipes favoritas.

  • Grande idéia, será uma bela homenagem e muito justo que a próxima equipe da série de Históricas seja a Ligier.
    Que Dieu vous bénisse et vous garde, monsieur.