Outsiders: Manfred Winkelhock, o faz-tudo do automobilismo alemão

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De Turismo a Monopostos, passando pelos Protótipos: Manfred Winkelhock (1951-1985) guiou um pouco de tudo na carreira

RIO DE JANEIRO – Há 30 anos, num dia 11 de agosto, no circuito canadense de Mosport Park, lá foi um alemão então com 33 anos cumprir o seu dever de pilotar um carro de competição – o que fazia com muito prazer. Mas quis o destino que, naquela data, Manfred Winkelhock tivesse um acidente que ceifou prematuramente sua carreira no automobilismo.

Nascido em 1951 na cidade de Waiblingen, nas proximidades de Stuttgart, o jovem Manfred não pertencia a uma família de posses. Começou a trabalhar como mecânico na oficina de propriedade de seu pai e iniciou a carreira como piloto em provas de clubes automobilísticos com um NSU. Aos 25 anos, em 1976, destacou-se na Copa Scirocco, só para os modelos Volkswagen. E chamou a atenção de uma velha raposa do automobilismo: Jochen Neerspach, então diretor de competições da BMW na época, convidou Manfred a ser piloto junior da marca bávara.

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Tomando parte das provas do DRM, com uma BMW 320 e defendendo a marca de Munique como piloto júnior

Winkelhock juntou-se a Eddie Cheever Jr. e Marc Surer no programa de novos talentos da montadora, competindo na Fórmula 2 e em carros de Turismo com o modelo 320, no certame DRM – embrião do DTM, onde ganhou suas primeiras corridas defendendo a marca.

As primeiras provas de Manfred em monopostos foram direto na categoria de acesso à F1, sem passar pela F3, o grande trampolim da época. Estreou logo com um 5º lugar na rodada inaugural em Thruxton, na Inglaterra. Mas só pontuou outras três vezes ao longo do campeonato de 1978, com o primeiro e único pódio vindo na etapa de encerramento em Hockenheim. Acabou o certame em 8º lugar, com 11 pontos somados.

No ano seguinte, só apareceu para disputar uma etapa do Europeu de F2, justamente no Nordscheleife em Nürburgring. Com um Ralt BMW RT1 da Cassani Racing, acabou num excepcional 3º lugar, cravando inclusive a melhor volta da prova em 7’29″1.

O alemão participou também das 24h de Le Mans a bordo de um BMW M1 Procar, um “Art Car” concebido por ninguém menos que Andy Warhol. Ao lado do patrão Hervé Poulain e de Marcel Mignot, Manfred conquistou um excelente 6º lugar na geral – segundo na subcategoria IMSA. Ele ainda voltaria a Sarthe em 1980 e 1982, mas sem sucesso algum.

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Trajando o lendário modelo “Star Wars” da Simpson: nos tempos da F2, Winkelhock teve altos e baixos

Ele voltou à F2 em 1980 para uma temporada completa pela equipe ICI Racing, mas apoiado oficialmente pela BMW em seu March 802. Acabou o ano com apenas quatro pontos e um 3º lugar no complicado circuito de Enna-Pergusa, na Sicília. E a imagem que marcou sua temporada na F2 foi a do vídeo abaixo.

Não só Winkelhock saiu inteiro do acidente, como também no segundo semestre o piloto teve a primeira grande oportunidade da carreira: Jochen Mass, piloto titular da Arrows, sofrera uma capotagem nos treinos do GP da Áustria e ficaria algumas corridas de fora do campeonato. Mike Thackwell não aproveitou a chance na Holanda e Manfred foi convocado para substituir o compatriota no GP da Itália, o único até hoje disputado fora de Monza.

Com o carro #30 de Mass, Winkelhock teria a difícil tarefa de usar os treinos livres para se adaptar e tentar a qualificação numa pista que não lhe era familiar. Não foi surpresa nenhuma quando o alemão ficou com o 26º tempo entre 28 pilotos, superando apenas as Ensign de Jan Lammers e Geoff Lees. A estreia ficaria para mais tarde…

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No Ralt RT2 BMW da equipe de Bertram Schäfer: as últimas corridas da F2 antes da passagem para a categoria máxima

Em 1981, o alemão disputou poucas provas de F2. Fez cinco corridas – as três primeiras com um Ralt BMW da equipe de Bertram Schäfer e as duas restantes com um Maurer MM81. Mesmo com um calendário de corridas restrito, o piloto fez dois pódios – 2º lugar em Hockenheim e 3º em Donington Park – encerrando a temporada em 9º lugar, com 12 pontos.

O apoio da BMW foi decisivo para que, aos 30 anos, finalmente Winkelhock acabasse contratado por uma equipe para disputar uma temporada completa do Mundial de F1. Günther Schmidt recebeu de bom grado os marcos vindos do construtor de Munique que reforçaram os cofres de sua pequena equipe, a ATS. A contratação de Manfred rendeu também, para os dois anos seguintes, um contrato de fornecimento dos motores turbo de 4 cilindros que a marca de Munique introduzia na categoria naquele ano de 1982.

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Safadinho esse Manfred, hein?

A temporada começou com um razoável 10º lugar na África do Sul e logo na segunda corrida, no Brasil, Winkelhock marcou seus primeiros dois pontos na categoria. Sétimo na bandeirada, o alemão foi alçado ao quinto posto com a desclassificação posterior de Nelson Piquet e Keke Rosberg, na famosa controvérsia da caixa d’água instalada nos carros de Brabham e Williams à guisa de “refrigeração do sistema de freios”.

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O alemão terminou o Mundial de Pilotos de 1982 em 24º lugar

Manfred seria também o 6º colocado no GP de San Marino, o que lhe renderia o terceiro pontinho no campeonato. Mas desta vez quem experimentou o gosto amargo da desclassificação foi ele, uma vez que seu ATS estava fora das especificações de peso. Entre alguns contratempos, incluindo três provas de fora do grid e alguns acidentes, Winkelhock terminou somente mais duas etapas, na Holanda e França. Acabou o Mundial de Pilotos em 24º lugar.

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Disputando o World SportsCar Championship de 1982 com o Ford-Zakspeed C100

Apesar do vínculo com a BMW, Winkelhock aceitou um convite de Erich Zakowski para correr algumas provas do World SportsCar Championship com o Ford C100 construído no ateliê Zakspeed, em Niederzissen. O melhor resultado a bordo desse protótipo foi um 5º lugar nos 1000 km de Brands Hatch, dividindo o volante com Marc Surer e Klaus Ludwig.

Em 1983, Gustav Brunner projetou e concebeu o ATS D6, um dos carros mais inventivos daquele ano, em que a F1 propunha a ruptura total com o efeito-solo, fazendo com que os projetistas abusassem da criatividade em modelos de fundo plano. Brunner propôs chassi e carroceria como se fossem uma única peça, determinando um padrão que seria adotado a partir dali até hoje. A pintura do carro era aplicada diretamente no monocoque.

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Winkelhock mostrou velocidade em 1983 com o ATS D6 BMW, mas faltava confiabilidade e, principalmente, resultados

O desempenho de Winkelhock e da equipe melhorou bastante graças ao motor BMW Turbo. Em nove corridas, o alemão classificou-se entre os 10 mais rápidos do grid, provando que ali havia velocidade. Mas a confiabilidade era um ponto fraco do ATS D6 e, por conta dos inúmeros problemas enfrentados ao longo da temporada, Manfred terminou apenas quatro etapas. Seu melhor resultado foi a 8ª colocação no GP da Europa, em Brands Hatch.

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Contornando a curva Druids em Brands Hatch à frente da Toleman de Ayrton Senna: fim do vínculo com a BMW e fim da equipe ATS em 1984

Na temporada 1984, a ATS fechou um contrato com a Pirelli para o fornecimento de pneus e o desempenho excelente do início do ano, quando Manfred chegou até a andar em 4º lugar no GP da Bélgica e se classificar em sexto no grid daquela corrida em Zolder, se esvaiu em meio a problemas de confiabilidade, em especial com a caixa de câmbio. O piloto só terminou duas provas com o modelo D7 e na última etapa do ano, no Estoril, foi chamado por Bernie Ecclestone por indicação da BMW para substituir Teo Fabi, adoentado. Correu, assim, como companheiro de equipe de Nelson Piquet. Largou em 19º e chegou em décimo.

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Com Erich Zakowski: Manfred chegou a experimentar o Zakspeed que estrearia em 1985, num teste em Silverstone, mas preferiu assinar com a RAM

Nas provas longas, Manfred mudou-se para os Porsche 956, colaborando com a equipe de Erwin Kremer. Chegou em 5º nos 1000 km de Nürburgring, pela primeira vez realizados no circuito modernizado, ao lado de Marc Surer e em 7º nos 1000 km de Brands Hatch, dividindo o carro com o sul-africano George Fouché e com o holandês Kees Kroesmeijer.

Encerrado o vínculo com a BMW, Winkelhock foi indicado por Gustav Brunner para assinar com a RAM de John MacDonald e permanecer na F1 para o Mundial de 1985, ao lado de Philippe Alliot. Antes, o piloto foi visto testando o Zakspeed ZK841, que estrearia naquele mesmo ano e só correria nas provas europeias do calendário. Manfred aceitou fazer algumas voltas com o novo bólido, mas não aceitou o papel de piloto titular, que acabou cabendo a um ex-RAM, o britânico Jonathan Palmer.

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A bordo do RAM 03 Hart no Estoril: um 12º lugar no GP da França foi seu melhor resultado em 1985

Com o RAM 03 de motor Hart Turbo, Winkelhock teve uma estreia bem razoável em Jacarepaguá. Acabou o GP do Brasil em 13º lugar, após andar bem próximo dos dez primeiros lugares. Aliás, Alliot chegou a andar em quinto por algumas voltas. Mas o carro não era confiável e o alemão só terminaria mais uma corrida naquela temporada – 12º lugar no GP da França. O conjunto era frágil e o piloto teve quatro abandonos por quebra de motor ou turbo nas corridas que disputou. Sua última aparição na F1 foi justamente diante de seus torcedores, no GP da Alemanha, desistindo após largar em 22º lugar.

Nos finais de semana vagos, o piloto se dedicava às provas do WSC. A bordo de um Porsche 962C da equipe Kremer, chegou em 4º lugar nos 1000 km de Silverstone ao lado de Marc Surer. A dupla também esteve presente nos 1000 km de Nürburgring e nos 1000 km de Mosport, marcados para 11 de agosto de 1985.

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Ao volante deste Porsche 962C da Kremer, Manfred Winkelhock sofreu seu acidente fatal nos 1000km de Mosport

Aquela era a 6ª etapa de um total de oito do campeonato e por conta da distância entre a América do Norte e a Europa, poucos carros viajaram para disputar a corrida. Foram só 20 bólidos nos treinos classificatórios, nos quais Winkelhock/Surer conseguiram o 4º melhor tempo, com 1’13″710. A pole position foi de Hans-Joachim Stuck/Derek Bell, quase quatro segundos mais velozes.

Marc Surer largou com o Porsche #10 no primeiro turno de corrida e entregou o carro a Winkelhock para a sequência da disputa. Na altura da 69ª volta, o alemão sofreu um estouro num dos pneus Goodyear do protótipo na descida para a curva 2, numa velocidade calculada em 250 km/h. O carro bateu seco na barreira de concreto e acabou completamente destruído, com o piloto gravemente ferido.

O Safety Car foi acionado por quase uma hora até que Winkelhock pudesse ser removido dos destroços. O piloto foi transportado para o Sunnybrooke Medical Center, em Toronto, onde já deu entrada com um trauma severo no crânio. Manfred Winkelhock chegou a ser operado, mas não resistiu aos graves ferimentos, vindo a falecer.

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Winkelhock bateu com seu capacete na gaiola de proteção do Porsche; piloto sofreu sério traumatismo craniano, antes de morrer aos 33 anos

Segundo Marc Surer, um dos poucos amigos que o piloto fez no automobilismo, uma adaptação malfeita no cockpit do Porsche 962C tenha levado Manfred a falecer. “Eu penso que o Porsche foi construído para Stuck (Hans-Joachim Stuck tinha alta estatura, mais de 1,90m). Para um piloto menor você tinha que mover o banco para frente. Manfred e eu tinhamos o mesmo tamanho, então tinhamos que guiar na mesma posição. Sentávamos muito perto da gaiola de proteção e na batida de Manfred, seu capacete bateu com força exatamente na barra da gaiola”.

O legado da família no automobilismo seguiu. O irmão mais novo de Manfred, Joachim, chegou a passar pela F1 sem qualquer brilho no fim dos anos 80, na AGS. Acabou vencendo mais tarde o Supertourenwagen alemão com uma BMW em 1995 e as 24h de Le Mans em 1999, a bordo de um BMW LMR. O filho de Manfred, Markus Winkelhock, fez apenas uma prova na categoria máxima em 2007, mas deixou sua marca ao liderar por uma volta no circuito de Nürburgring com um Spyker. Após isto, competiu no DTM e agora está nas séries Blancpain, como piloto Audi.

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