Equipes históricas – Ligier, parte II

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Com design de Gérard Ducarouge e Michel Beaujon, o Ligier JS7 foi o segundo Fórmula 1 da equipe francesa

RIO DE JANEIRO – O primeiro ano da Ligier em sua trajetória na Fórmula 1 fora extremamente promissor. E a receita pouco mudou para o segundo campeonato do construtor francês. Em 1977, a Ligier teria um novo carro – o JS7, projeto de Gérard Ducarouge com assessoria de Michel Beaujon – e evoluções do bom e velho motor Matra V12, com câmbio Hewland de seis marchas. O piloto seria, mais uma vez, Jacques Laffite.

O começo não foi dos melhores: 15º no grid do GP da Argentina, Jacques acabou sem completar o mínimo de voltas necessário para receber classificação. Em Interlagos, o piloto foi uma das muitas vítimas do asfalto pavoroso da Curva 3 em Interlagos e em Kyalami, no GP da África do Sul, Laffite pegou pela proa o Shadow de Tom Pryce, que atropelara e matara um fiscal de pista. A história todos sabem: o extintor de incêndio deformou o rosto do galês do carro #16, que morreu na hora. Laffite deve ter tomado um susto daqueles quando viu o DN8 desgovernado em sua direção na curva Crowthorne.

Vida que segue: no GP dos EUA-Oeste em Long Beach, Laffite vinha num sólido 4º lugar quando foi vítima de uma pane elétrica que lhe tirou a chance de pontuar pela primeira vez no ano. Em Jarama, a Ligier conseguiu um ótimo desempenho que deixou o francês na primeira fila. Largando em segundo, Laffite por lá ficou por 11 voltas, mas teve problemas e caiu para os últimos lugares. Recuperou-se com valentia para terminar na 7ª posição – e lá se iam cinco corridas sem marcar um mísero ponto.

Em Mônaco, não deu para o Ligier-Matra desde os treinos. As características da pista não ajudaram, tampouco a posição de largada. Até que Laffite recuperou bem, vindo de décimo-sexto para sétimo, mas a sina continuava. Em Zolder, o francês largou em 10º e no início, sob chuva, guiou muito bem. Chegou a andar em segundo, atrás do surpreendente líder Vittorio Brambilla. Após trocar pneus com a pista já secando, estava em oitavo quando o motor quebrou na 32ª volta.

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Forra: após um início de campeonato pouco promissor, com muitos problemas, Laffite e a Ligier sorriram no GP da Suécia. Foi a primeira vitória do piloto francês e da equipe na F1

Era azar demais e uma hora a sorte tinha que virar a favor da Ligier e de Jacques Laffite. E isto aconteceu na 8ª etapa do campeonato, o GP da Suécia, em Anderstorp. Oitavo no grid, o piloto largou mal e começou a primeira volta em 11º. Mas com algumas ultrapassagens e problemas alheios, foi ganhando posições. Na 41ª volta, Laffite passou Hunt e foi para segundo. E parecia mais do que satisfeito com o primeiro pódio e os primeiros pontos do ano, quando o líder absoluto Mario Andretti enfrentou uma inesperada pane seca com sua Lotus 78 e precisou parar para reabastecer. Laffite era o piloto certo na hora certa. E levou a quadriculada da primeira vitória da Ligier após um ano e meio de Fórmula 1 e de sua própria carreira, que até ali contava com 39 GPs em seu cartel.

Empolgada com a vitória na Escandinávia, a Matra ofereceu a versão MS78 do seu motor V12 para Laffite disputar a partir do GP da França a segunda metade do campeonato. Em Dijon-Prenois, ele tentou corresponder à esperança. Fez uma baita largada vindo de quinto e passou a primeira volta em 3º, atrás de James Hunt e John Watson. Baixou uma posição ao ser superado por Mario Andretti e depois por Gunnar Nilsson. Estava em quinto quando teve problemas e perdeu várias posições, terminando a disputa em oitavo, duas voltas atrasado. No GP da Inglaterra, salvou um pontinho vindo de 15º no grid e em Hockenheim, no retorno do circuito ao calendário da F1, Laffite caíra para 14º quando o motor de seu carro quebrou na volta 21.

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Em Zandvoort, Laffite liderou por 14 voltas, mas não resistiu à Ferrari de Niki Lauda e chegou em segundo

Na Áustria, uma corrida problemática desde o início o deixou em último após largar em sexto e por lá Laffite ficaria até uma roda pedir demissão do JS7, provocando o abandono do piloto. Mas no GP da Holanda, o carro se portou muito bem: o francês liderou inclusive por 14 voltas, superando o pole position James Hunt. Mas naquele dia, nem ele e nem ninguém podia com Niki Lauda, que estava irresistível com a Ferrari 312T2. O austríaco venceu e Laffite pelo menos pôde recuperar a alegria com o 2º lugar e o segundo pódio no ano.

Nas corridas finais, Laffite fez o que dava: chegou em 8º no GP da Itália, sétimo no GP dos EUA-Leste e abandonou no Canadá com problemas de transmissão. E no GP do Japão, último do ano, a equipe fez um esforço extra e levou um segundo carro – pela primeira vez – para um velho conhecido de Laffite, o irascível Jean-Pierre “Jumper” Jarier, inscrito com o numeral #27 que vinha sendo usado pela Williams ao longo daquele ano, num March 761 alinhado para Patrick Néve.

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Número 27: com o segundo Ligier JS7, a experiência da equipe em alinhar um segundo carro para Jean-Pierre Jarier no Japão não deu certo

Não deu certo: Jarier ficou apenas quatro voltas na prova, abandonando com problemas nas válvulas do motor Matra V12. Laffite teve ótimo desempenho, recuperando de um modesto nono lugar no início para chegar à segunda posição. Parecia que a Ligier chegaria ao terceiro pódio do ano – igualando a marca de 1976 – mas a equipe errou o cálculo de consumo de combustível e Laffite parou na última volta com pane seca. Acabou a prova em 5º lugar e com isso o piloto fechou o Mundial em 10º com 18 pontos. No Mundial de Construtores, a Ligier baixou três degraus em relação a 1976 e ficou com o 8º lugar.

O desenvolvimento do novo carro atrasou para o início da temporada de 1978 e a equipe decidiu iniciar aquele campeonato com o modelo JS7 e na abertura em Buenos Aires, a alta temperatura do verão argentino estragou a boa corrida da equipe: Laffite vinha em quinto a três voltas do fim (a corrida acabaria com uma volta a menos que o previsto, é bem verdade), quando seu motor estourou. Em Jacarepaguá, foi pior ainda: largando em 14º, o francês enfrentou sérios problemas de superaquecimento e mesmo assim ainda fechou a disputa na nona colocação, duas voltas atrasado em relação a Carlos Reutemann, o grande vencedor do GP do Brasil.

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Com o Ligier JS7/9, Laffite fez os primeiros pontos de 1978 chegando em 5º no GP da África do Sul

Para o GP da África do Sul, Ducarouge e Michel Beaujon decidiram experimentar novas peças que seriam implementadas no novo chassi, montando-as no velho modelo JS7. O “Frankenstein” deu certo: largando de 14º, Laffite chegou em quinto e somou os dois primeiros pontos do ano, repetindo a dose nas ruas de Long Beach durante o GP dos EUA-Oeste. E a estreia do novo JS9, concebido com peso mínimo 13 kg menor que o antecessor, acabou numa das pistas menos adequadas para se estrear um Fórmula 1: as ruas de Monte-Carlo, durante o GP de Mônaco. A corrida durou muito pouco: largando em 15º, Laffite desistiu após 13 voltas, por quebra de câmbio.

Na Bélgica, Laffite marcou os primeiros pontos com o novo carro: andou muito bem e chegou a ocupar a 3ª posição. Acabou ultrapassado por Ronnie Peterson e ao tentar voltar ao pódio, acabou se enroscando com a Ferrari de Carlos Reutemann, que perdera rendimento. Ficou fora da corrida na última volta, chegando em quinto. Em Jarama, onde a equipe andara muito bem no ano anterior, nenhuma surpresa: o JS9 só perdeu para as Lotus 79, que começavam a ganhar fama de imbatíveis. Jacques fez ótima corrida e chegou em 3º lugar, conquistando o sexto pódio da equipe na F1.

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Mais um pódio, o sétimo da história da equipe: 3º lugar no GP da Alemanha, atrás de Mario Andretti e Jody Scheckter

Em Anderstorp, a Ligier voltou a ter bom desempenho na pista da primeira vitória de sua história e Laffite chegou a sonhar com os pontos novamente. Vinha num sólido quarto lugar a três voltas da quadriculada, quando teve problemas e ficou para trás. Acabou em 7º, fora da zona de pontos. O piloto repetiu o resultado no GP da França e foi apenas 10º na Inglaterra, três voltas atrasado. Recuperou-se bem no campeonato com uma ótima performance no GP da Alemanha, onde o motor Matra V12 estava bastante à vontade. Jacques acabou em 3º lugar, superado pela Lotus do virtual campeão Mario Andretti e pela Wolf de Jody Scheckter.

Na Áustria, numa corrida confusa e interrompida pela chuva, o piloto deu show: recuperou de último na 12ª volta para conquistar um excelente 5º lugar. Em Zandvoort, Laffite começou muito forte, chegou a passar a primeira volta em terceiro, mas caiu de rendimento conforme as voltas passavam para terminar longe dos pontos, num modesto 8º posto. Na Itália, o francês chegou em sexto na pista e foi guindado à quarta posição com as penalizações impostas a Gilles Villeneuve e Mario Andretti por queima de largada. Nas provas finais, na América do Norte, Laffite chegou em 11º em Watkins Glen e abandonou no Canadá, na estreia do circuito de Montreal, por quebra da caixa de marchas.

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Bom desempenho: a Ligier fechou mais uma temporada em 5º no Mundial de Construtores, ao fim do campeonato de 1978

O ano desta vez foi ligeiramente melhor que o de 1977, embora a equipe tenha passado longe das vitórias: Laffite fez 19 pontos, completando o Mundial de Pilotos em 7º lugar. E a equipe repetiu a boa 5ª posição do ano de estreia entre os Construtores.

No próximo post, a trajetória do time nos anos de 1979 e 1980.

Comentários

  • Rodrigo dando show como sempre!
    Aproveitando as fotos, o escriba ou alguém saberia a marca/modelo dos retrovisores da barata de 77, eram e ainda são verdadeiras obras de arte, todo mundo usava em seus carros, eram unanimidade.
    Grato.
    Zé Maria

  • O que chamou atenção nas fotos foi a numeração. Primeiro com um Ligier ostentando o 27 e depois com o Lauda com o 11. Sempre achei que a Ferrari sempre tinha usado o esquema 27 e 28.

    Quando as numerações clássicas dos anos 80 se materializaram, Rodrigo?

    Me refiro, além da Ferrari, a Williams (5 e 6), Tyrrell (3 e 4), McLaren (7 e 8) e Lotus (11 e 12).

  • Diz a lenda que Lafitte teria descido do carro possesso com Pryce e partiu em direção ao galês disposto a tirar satisfações pelo acidente,mas que ao ver o rosto ensanguentado e retalhado de Pryce,literalmente desistiu devido ao forte choque daquela cena dantesca e horrenda que presenciou.