Equipes históricas – Ligier, parte VIII

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O Ligier JS33, com René Arnoux a bordo, em Jacarepaguá

RIO DE JANEIRO – Após um dos piores anos de sua trajetória na F1, a Ligier deixou as invencionices de lado para a temporada de 1989, que marcava o fim da chamada “Era Turbo”. Todos os carros da categoria teriam motores de aspiração normal, com 3,5 litros de cilindrada máxima, podendo ter propulsores construídos com até 12 cilindros.

Apesar de seguir com o apoio do governo de François Mitterrand, Guy Ligier optou pelo simples: trocou os pouco confiáveis Judd pelos motores Ford Cosworth DFR V8 e encomendou o projeto de um novo carro aos seus designers, Michel Beaujon e Claude Galopin. Na parte técnica, a equipe ganhou o reforço de um brasileiro, que estava afastado da categoria mas envolvido a todo vapor com o automobilismo.

Ricardo Divila, projetista do primeiro Copersucar-Fittipaldi, após o fim da equipe brasileira, peregrinou pelas competições de Esporte Protótipo e categorias menores, até fixar residência na França e seguir com o passar dos anos uma profícua carreira como consultor técnico e engenheiro do mais alto gabarito. Na equipe francesa, ele deu ideias – assim como Ken Anderson, um dos outros engenheiros da Ligier – para a concepção do novo JS33.

“É um carro de comitê”, disse na época. “Tem ideias minhas, do Michel Beaujon, do Ken Anderson e do Claude Galopin”, ratificou. Seguindo um conceito implantado por Adrian Newey, que chegou a ser estagiário de engenharia na Fittipaldi, quando a equipe estava em processo terminal, o JS33 tinha características que lembravam o March 881, como a traseira estreita e uma caixa de câmbio idem – não por acaso, comprada junto à March para ser usada em 1989.

René Arnoux, perto de completar 41 anos, permaneceu na equipe como piloto titular do carro #25 e quem juntou-se a ele foi um novato – igualmente francês: Olivier Grouillard, então com 30 anos, que vinha de várias temporadas na Fórmula 3000 internacional, tendo como melhor resultado o vice-campeonato na temporada ganha pelo brasileiro Roberto Pupo Moreno.

A temporada começou no GP do Brasil, na última prova da F1 em Jacarepaguá. E logo de cara, Arnoux assistiu à corrida dos boxes. Ficou de fora, sem conseguir um lugar entre os 26 que largaram. Grouillard fez uma estreia bem razoável, largando em 22º para chegar em nono. Para o complicado GP de San Marino, que teve duas largadas após o grave acidente com a Ferrari de Gerhard Berger, que bateu na Tamburello e se incendiou, Grouillard fez o décimo tempo no grid. Só que na corrida, acabou desclassificado porque seu carro foi mexido durante o intervalo entre a interrupção da prova e a segunda largada, o que não era permitido pelo regulamento. Arnoux novamente foi eliminado do grid por deficiência técnica.

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Poucas e boas: como retardatário no GP de Mônaco, René Arnoux vingou-se de Alain Prost como pôde nas ruas de Monte-Carlo, bloqueando o antigo desafeto dos tempos de Renault

O veterano francês só faria sua primeira prova com o JS33 no GP de Mônaco, nas ruas de Monte-Carlo. Largando em 21º, sério candidato a retardatário, Arnoux tudo fez para prejudicar a prova do antigo desafeto Alain Prost, com quem brigara na Renault, em 1982. Bloqueou a passagem do piloto da McLaren várias vezes, o que ajudou muito a Ayrton Senna, que venceu aquela corrida com sobras. Sem surpresas, René levou quatro voltas do vencedor e chegou em 12º. Grouillard largou em décimo-sexto mas abandonou logo na quarta volta: quebrou o câmbio.

No México, Grouillard fez uma boa corrida e conquistou a oitava posição, enquanto Arnoux – que dividiu a última fila do grid com um certo Nelson Piquet – chegou em 14º lugar. Porém, nos EUA, no circuito urbano de Phoenix, os JS33 simplesmente não andaram. E pela terceira vez em toda a sua história, nenhum dos dois carros da equipe foi visto numa prova de F1, desde a estreia da Ligier em 1976.

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Pontinho suado: Grouillard salvou um 6º lugar importante no GP da França, em Paul Ricard

Para o GP do Canadá, enquanto Grouillard ficava de novo fora do grid, Arnoux conseguiu o 22º tempo. Choveu durante toda a disputa e o veterano francês usou de toda a sua experiência de 12 temporadas na categoria para terminar em 5º lugar, voltando a marcar pontos para a equipe – o que não acontecia desde o GP da Bélgica de 1987. E na França, com os dois pilotos dividindo a nona fila do grid, Grouillard deu a volta por cima: beneficiado pela quebra do motor da Larrousse de Eric Bernard na última volta, catou um suado pontinho e chegou em 6º lugar.

Naquela época, a F1 tinha quase 40 carros inscritos e a Ligier corria o risco de cair para a pré-classificação, que contemplava as equipes com pior performance. Se os franceses nada tivessem feito antes do GP da Inglaterra, estariam na turma que abriria os trabalhos às 8h da manhã de todas as sextas. E em Silverstone, com Arnoux de fora, Grouillard largou em 24º e chegou em sétimo.

A segunda metade do campeonato não foi menos difícil que a primeira. Pelo contrário: algumas equipes até melhoraram, caso da Onyx, que vinha das pré-classificações e começou a pôr seus carros frequentemente no grid, sem contar a Minardi, em franca evolução – principalmente com Pierluigi Martini. A Ligier, pelo contrário, andou para trás. Depois do 11º lugar de Arnoux no GP da Alemanha, os dois carros ficaram de novo alijados do grid na prova da Hungria. Na Bélgica, Arnoux obteve seu melhor grid do ano (17º) e Grouillard, após atrapalhar uma tentativa de volta rápida de Nelson Piquet na veloz curva Blanchimont, pegou a última posição entre 26 pilotos para terminar em décimo-terceiro.

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Com três pontos somados, a Ligier terminou o Mundial de Construtores em 14º lugar

Nas demais corridas, Arnoux ainda ficou fora mais duas vezes e Grouillard, uma. O melhor resultado na reta final da tempora foi um 9º lugar do veterano francês no GP da Itália. Antes do fim do campeonato, já aos 41 anos de idade, o piloto nascido em Pontcharrat anunciou sua aposentadoria, retirando-se definitivamente da categoria. Último no grid do aquático GP da Austrália, Arnoux rodou na quarta volta. Grouillard ainda sobreviveu um pouco mais em meio ao caos, mas bateu na 22ª passagem.

Para o campeonato de 1990, Olivier também não permaneceu na equipe, o que significava pilotos novos no horizonte do time de Vichy. Mas não um novo carro: Michel Beaujon e Claude Galopin optaram por revisar o JS33, que veio acrescido de um B em sua sigla – além da introdução de um novo câmbio produzido pela X-Trac, já que a caixa March não agradou aos franceses.

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Nicola Larini veio da Osella e juntou-se à Ligier para a temporada de 1990

Após substituir Jacques Laffite no fim do campeonato de 1986, Philippe Alliot regressou à Ligier quando encerrou seu vínculo com a também francesa Larrousse. Nicola Larini, que deixara boa impressão a bordo do frágil carro da Osella, foi contratado para formar a equipe.

Embora a performance tenha sido mais consistente que no ano anterior, com os carros terminando mais corridas, em termos de resultados a temporada da Ligier beirou o desastre. Em nenhuma corrida os dois pilotos figuraram entre os 10 primeiros do grid e só largaram na primeira metade do pelotão duas vezes – Alliot em 12º no GP da França e Larini em 13º no GP dos EUA.

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Sem grandes resultados, Larini e Alliot tiveram que se virar em dois GPs na turma da Pré-Qualificação

Nas oito corridas iniciais da temporada, Alliot conseguiu salvar duas vezes um 9º lugar (San Marino e França) e o melhor resultado de Larini foi a décima posição, igualmente por duas vezes, em San Marino e Silverstone. E sem nenhum ponto somado, o fantasma que pairou nos boxes dos azuis em 1989 finalmente se instalou: pela primeira vez em sua história, a Ligier teria que passar pelo vexame da Pré-Classificação, trocando com a Larrousse, que tinha tido performances bem superiores.

Mesmo sem um carro tão competitivo, a Ligier passou sem dificuldades pelo obstáculo inicial e classificou-se tranquilamente para os GPs da Alemanha e da Hungria, embora Alliot tivesse sido desqualificado em Hockenheim por ter sido empurrado após a largada. Larini fez como melhor resultado o 10º lugar na prova germânica. E para sorte dos franceses, a Onyx – já sob o controle (ou descontrole, como queiram) de Peter Monteverdi, saiu de cena, abrindo chance para a Ligier regressar ao plantel de 30 carros que concorriam às 26 vagas do grid em cada corrida.

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Nicola Larini, com dois sétimos lugares, alcançou os melhores resultados da equipe em 1990

Mas nessa primeira prova em que escaparam, Alliot conseguiu não se classificar para a corrida de Spa-Francorchamps, em que Larini largou em 21º e terminou em 11º. Nas demais corridas, os JS33B conseguiram completar várias delas, mas sem qualquer resultado de brilho. Acabou que Larini, ao terminar duas vezes em sétimo nas etapas da Espanha e do Japão, teve as melhores performances da equipe ao fim da temporada.

Nada adiantou: pela terceira vez, a Ligier ficou sem marcar pontos e nenhum dos pilotos permaneceu para 1991, já que Nicola Larini fechou com a nova equipe Modena Racing, que representaria a Lamborghini. E Philippe Alliot bandeou-se para o World Sportscar Championship (WSC), onde defenderia a Peugeot.

No próximo post, vamos relembrar as histórias da equipe nos anos de 1991 e 1992.

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