Bowie, o camaleão

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David Bowie (1947-2016): o homem que se reinventou diversas vezes na vida, na arte, nos palcos e nos discos. Sua morte deixa a música cada vez mais medíocre

RIO DE JANEIRO – Começamos muito mal a semana e por conseguinte o ano de 2016. A arte perde um dos seus maiores nomes. Acordei e a notícia já corria as redes sociais: David Bowie foi derrotado após uma longa batalha contra um câncer e morreu, aos 69 anos – pouco após seu aniversário.

Difícil, muito difícil descrevê-lo. Ele incorporou tantas personas, fez tantas coisas que é impossível lembrar de tudo o que David Robert Jones, seu nome de batismo ao nascer em 8 de janeiro de 1947, fez em mais de 50 anos de envolvimento com a música e também no cinema, onde se aventurou – e bem – como ator.

Quando ouvi falar de Bowie pela primeira vez, ele cantava uma música junto a Freddie Mercury e ao Queen, chamada “Under Pressure”. Nem sabia que tinha existido Ziggy Stardust, que ele incorporou nos anos 1970 para mergulhar fundo na estética do glam e ganhar de vez um lugar na história da música. Fez discos que sempre serão cultuados – o trabalho homônimo de 1969, que nos trouxe “Space Oddity” foi o primeiro. Depois, The Man Who Sold The World, em 1970; The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars, do ano de 1972; Pin Ups em 1973 e Heroes, em 1978, estão entre os maiores clássicos da música em todos os tempos.

A década seguinte foi de reinvenção para o camaleão David, que alcançou enorme sucesso com “Ashes To Ashes”, do disco Scary Monsters (and The Super Creeps) e, além da parceria com o Queen, ele cantou com Pat Metheny Group – quem há de esquecer “This is not America”? – com Mick Jagger, que dedicou a Angela, primeira mulher de Bowie, a belíssima “Angie”, clássico stoneano de 1973 e a diva Tina Turner – e botou todo mundo pra dançar com o clássico pop “Let’s dance”, música que alavancou sua turnê The Serious Moonlight, de 1983.

E para provar que ele era mesmo um ser mutante, Bowie virou um Tin Machine entre 1989 e 1991, mergulhou de cabeça na música eletrônica dos anos 1990 e passou os últimos anos de vida flertando com estilos neoclássicos da música. Em meio século, de 1964 até ontem, Bowie bebeu de todas as fontes possíveis e influenciou centenas de artistas. De Bono a Trent Reznor. De Marilyn Manson a Nirvana. De Lady Gaga a Pixies.

Como ator, emprestou seu charme e carisma a algumas películas. A primeira de grande repercussão foi “O homem que caiu na Terra”, em 1976, seguido de “Apenas um Gigolô”, de 1978 e do inesquecível “Fome de Viver”, em que viveu a personagem John Blaylock e contracenou com ninguém menos que Catherine Deneuve e Susan Sarandon – que, aliás, protagonizaram uma cena de sedução belíssima.

Bowie também foi um major do exército em “Furyo, em nome da honra” (1983), fez também “Absolute Beginners” e “Labirinto, uma magia no tempo”, para depois – ora vejam! – encarnar a figura vil de Pôncio Pilatos em “A última tentação de Cristo”, a ousada releitura de Martin Scorsese sobre a vida de Jesus Cristo que ganhou as telas em 1988. Ele ainda encarnaria Andy Warhol em “Basquiat”, do diretor Julian Schnabel e Nikola Tesla em “O grande truque”, de 2006.

É por tudo isso que sua morte ecoa tão fundo. Um cara tão criativo, tão bom, morrer assim, derrotado por uma doença que infelizmente o bicho homem ainda não foi capaz de descobrir uma forma menos dolorosa de cura. O britânico tinha acabado de finalizar um novo disco, Blackstar e – suprema ironia – suas últimas imagens divulgadas foram do videoclip de “Lazarus”, faixa deste mesmo álbum, em que o camaleão aparece… numa cama de hospital.

Hoje, David Bowie atende ao chamado de Major Tom. E, como ele mesmo dizia na canção “Stars Are Out Tonight”, ‘as estrelas nunca dormem. As mortas e as vivas’.

O clip da semana não será somente um e sim dois, em sua homenagem: “Let’s Dance” e o clássico supremo “Space Oddity”.

 

Comentários

  • Ótimo texto Rodrigo, achava que o David Bowie fosse daqueles que jamais iriam morrer, mas infelizmente, os grandes artistas também morrem….David Bowie é para sempre….

  • Ontem perdi a grande inspiração da minha vida adulta. Bowie não foi o artista que me fez começar a ouvir música quando adolescente mas, como todos os caminhos levam a Bowie, ao começar a escutar os artistas / bandas que influenciaram os que gostavam e depois as influencias destes, acabei chegando já adulto ao Camaleão e o meu jeito de apreciar música mudou para sempre.

    Tive a sorte de ve-lo ao vivo no Festival Close Up Planet em 97, embora na época não o conhecia tanto e não tinha dimensão do privilégio que estava tendo.

    Sobre o último album e último single, creio que não se tratou de ironia. Como já conhecia a doença e provavelmente sua gravidade, acredito que o Bowie, mais uma vez de forma genial, aproveitou para deixar um epitáfio e se despedir do mundo.

    O cancer é uma doença maldita mas feliz são aqueles que podem partir ainda em atividade e, assim como nos últimos quase 50 anos, contribuindo para a cada vez mais combalida cultura musical.