Especial – 84 nomes das 24h de Le Mans, parte I

RIO DE JANEIRO – Pois é: ainda faltam 39 dias para a disputa da 84ª edição das 24h de Le Mans, que promete ser histórica. Se as duas primeiras provas do WEC tiveram tudo o que nós vimos, imaginem então a corrida mais importante do calendário, a cereja do bolo, que inclusive dá pontos dobrados a quem faz jus a eles no Mundial de Endurance?

Por conta da imensa importância histórica do evento, o mais tradicional da história, o A Mil Por Hora se antecipa e com várias voltas de vantagem sobre os outros blogues inicia sua cobertura da prova francesa. Que vai ter a mesma apresentação das equipes, tal como em 2015. Só que ainda melhor. Creiam. Vocês não perdem por esperar.

E para provar que este ano eu não tô de brincadeira, começo com uma série de posts especiais. Sete semanas mostrando, a cada post, 12 personagens. São 84 grandes nomes da história de Le Mans, quer seja dentro da pista quanto fora dela. Não necessariamente na ordem, ou seja: vou misturar alguém dos anos 30 com gente da atualidade.

Vamos lá então:

ANDRÉ LAGACHE e RENÉ LEONARD

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Este é André Lagache, um dos primeiros ganhadores da história das 24h de Le Mans, no distantíssimo ano de 1923

Pode parecer óbvio – e é. Afinal, como não começar a contar uma bonita história como a das 24h de Le Mans do seu início? E o início foi em 1923, há 93 anos. Naqueles tempos, corrida de carro já era caro. Imaginem então correr 24 horas sem parar, revezando apenas dois pilotos e não três como hoje? Afora a falta de segurança, embora os bólidos não fossem tão rápidos – a média horária da primeira corrida, por exemplo, foi de pífios 92,064 km/h.

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O carro que hoje repousa num museu é o Chenard & Walcker Sport com o número #9 em sua lataria…

André Lagache (1885-1938) e René Leonard (data de nascimento e morte desconhecidas) enfrentaram vento e chuva pelos 17,262 km do primeiro traçado do circuito de Sarthe junto a outras 32 tripulações que fizeram história – mas não tanta quanto os dois franceses, que figuram nos compêndios como os primeiros grandes vencedores da maior prova de Endurance do planeta, guiando um modelo esportivo Chenard & Walcker Sport com motor 3 litros. Eles tentaram – sem sucesso – repetir os triunfos pelos dois anos seguintes. Depois disto, nunca mais foram vistos nas 24h de Le Mans. Isso, aliás, pouco ou nada mais importava. Eles já eram parte de Sarthe para toda a posteridade.

STEVE McQUEEN

O que faz Steve McQueen (1930-1980) numa lista fundamental da história de Le Mans? Fácil: você que ama automobilismo já deveria saber de cor e salteado que o ator estadunidense, dono de um par de olhos azuis que foi a perdição de muita mulher ao longo de meio século, foi protagonista e idealizador de um filme que é referência para quem é fissurado por velocidade. A película dirigida por Lee H. Katzin, “ambientada” nas 24h de Le Mans de 1970, trazia McQueen como Michael Delaney, piloto da equipe oficial Gulf-Porsche.

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Na pele de Michael Delaney, Steve McQueen estrelou um filme celebrado pelos fanáticos por automobilismo, até hoje…

Além de um grande entusiasta do esporte, a ponto de estrelar uma atração do gênero, McQueen dava seus tirinhos nas pistas. Quase venceu uma vez as 12h de Sebring – se não me engano, no mesmo ano de 1970 – mas é necessário fazer muito mais justiça a Peter Revson, seu parceiro de cockpit, do que ao próprio McQueen – que inclusive só não correu de verdade nas 24h de Le Mans (e o faria com ninguém menos que Sir Jackie Stewart) dividindo um Porsche 917, porque a inscrição não foi aceita. A Solar Productions, responsável pelas filmagens, inscreveu oficialmente um Porsche 908/02 com Herbert Linge/Jonathan Williams. Esse carro, equipado com uma câmera, foi o 9º colocado numa prova em que só sete bólidos foram oficialmente classificados na quadriculada.

McQueen, ou melhor, Michael Delaney, fez um bem enorme para nós, que somos apaixonados por Le Mans.

BERNARDO SOUZA DANTAS

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Bernardo Souza Dantas foi, de fato e direito, o primeiro brasileiro em Sarthe

O pioneiro brasileiro das 24h de Le Mans, Bernardo Souza Dantas (1912-2005), também era conhecido por Bernard – já que foi igualmente registrado como cidadão francês e nascido em Paris. Mas ele sempre se disse brasileiro, brasileiríssimo, até os últimos suspiros.

E se hoje não é fácil ser piloto de competição, imaginem na época em que Bernardo apareceu para fazer a prova de Sarthe. Isso aconteceu em 1935, um ano antes da primeira paralisação da história da corrida francesa. O jovem rapaz tinha apenas 22 para 23 anos quando dividiu um Bugatti 57 de motor 3,3 litros e 8 cilindros com Roger Teillac. Os dois conseguiram completar 129 voltas, mas foram forçados a desistir por conta da quebra de câmbio.

Bernardo compartilhou suas deliciosas histórias do tempo de piloto, já entrado em muitos anos, com o amigo e fera Luiz Alberto Pandini, não sem antes o Paulo Scali dar a preciosa dica ao meu camarada Panda. Aliás, vocês podem ver a entrevista aqui. Vale a pena!

LUIS FONTES

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Piloto de avião, Luis Fontes tinha parentes brasileiros e distinguiu-se ao vencer a prova em 1935

Lembro que um leitor do blog teimou em dizer que o Brasil já teve um piloto vencedor nas 24h de Le Mans. Isso nunca aconteceu: passamos perto três vezes, primeiro com José Carlos Pace, o saudoso Moco. Depois com Raul Boesel e por fim com Lucas Di Grassi. Já houve vitórias de pilotos do país em subcategorias. Mas na geral, nunca.

Admirei a insistência do interlocutor em afirmar de forma peremptória que Luis Fontes (1912-1940) era brasileiro de corpo e alma. Talvez a alma fosse, já que ele tinha parentesco distante com brasileiros. Mas a verdade é que ele nasceu mesmo em Londres, na capital da Inglaterra. E com os mesmos 22 anos de Bernardo Souza Dantas, conseguiu um feito inigualável em sua curta carreira de piloto de competição – que durou exatamente um único ano.

A bordo de um Lagonda Rapide M45 dotado de motor Meadows 4,5 litros, Fontes e seu parceiro John Stuart Hindmarsh ganharam as 24h de Le Mans em 1935, à média horária de 125,283 km/h – vejam como nos 12 primeiros anos a média horária evoluiu e os carros também, bem como o número de participantes: foram 58 à largada naquele ano.

Fontes era piloto de avião. Servia à Royal Air Force (RAF) na II Guerra Mundial e morreu quando entregava um bombardeio Vickers Wellington no País de Gales. Tinha apenas 27 anos. Morte trágica.

JEAN RONDEAU

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Criador e criatura: Jean Rondeau, o homem que bateu Porsche, Lancia e outras grandes marcas dos anos 1970/1980

Ele foi o homem que ousou desafiar as grandes fábricas e os grandes construtores na história das 24h de Le Mans. Começou como piloto e também esteve no outro lado do balcão. E brilhou intensamente no principal palco do Endurance no planeta: Jean Rondeau (1946-1985) entrou para a história ao ganhar guiando sua própria criação.

Jean disputou pela primeira vez a corrida de Sarthe em 1972 com um Chevron B21 2 litros. Com menos de 30 anos, já se transformava em construtor: concebeu o GTP Inaltera com motor Ford Cosworth V8 e com dois de seus bólidos, disputou a prova de 1976 conquistando um 8º lugar e vencendo em sua categoria.

A partir de 1978, suas criações passaram a adotar seu sobrenome e na edição de 1980, Jean Rondeau fez o que até hoje nenhum outro piloto-construtor conseguiu: venceu a prova em parceria com Jean-Pierre Jaussaud e se tornou um dos últimos independentes a vencer em Sarthe. Antes de falecer de forma trágica em 1985, chegou em 2º lugar no ano anterior, dividindo um Porsche com Preston Henn e John Paul Júnior. Um monstro!

YOJIRO TERADA

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Yojiro Terada deve ser, salvo engano, o piloto com o maior número de participações em Sarthe sem ter vencido qualquer uma na geral

Nascido em 1947, este piloto japonês é um dos legítimos representantes do espírito que permeia as provas de Endurance: nunca desistir de um sonho. Enquanto pôde, Yojro Terada nunca desistiu de seus sonhos e ele queria ser o primeiro de seu país a ganhar em Sarthe. Não se pode dizer que não tenha tentado: de 1974 a 2008, ele esteve presente em 29 edições das 24h de Le Mans – 34,5% do total de provas da história tiveram o nome de Yojiro Terada na lista de entradas.

Ele foi o mais notório piloto da Mazda nos anos 70/80 e talvez as únicas vezes em que ele não foi fiel à marca foram quando ele defendeu a Welter Racing, além de alinhar num Lotus Esprit Turbo em 1993 e, já no fim da carreira, com diversos protótipos LMP2. De fato, o primeiro piloto nipônico a ganhar as 24h de Le Mans foi Masanori Sekiya – em 1995. Inclusive, nesse mesmo ano, Terada conquistou o melhor resultado geral dele na corrida (7º lugar, a bordo de um protótipo Kudzu com motor Mazda) e o primeiro pódio numa categoria – de um total de quatro que conquistou em Sarthe.

LOUIS ROSIER

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Homem de ferro: Louis Rosier venceu praticamente sozinho a edição de 1950 das 24h de Le Mans. Aqui, ele e seus mecânicos celebram

O francês Louis Rosier (1905-1956) foi o primeiro piloto de Fórmula 1 a ganhar as 24h de Le Mans – justamente no ano de oficialização da categoria máxima, em 1950. O que pouquíssimos talvez saibam é que ele cometeu uma insanidade para ganhar aquela corrida – a segunda disputada após a eclosão da II Guerra Mundial e a reconstrução total de seu país, arrasado pelas tropas nazistas de Adolf Hitler e fascistas de Benito Mussolini.

Em dupla com seu filho Jean-Louis Rosier, o velho Louis, então com 44 anos de idade, alinhou o mesmo Talbot-Lago T26GS com motor 4,5 litros da Fórmula 1 (só que com paralamas sobre as rodas) para a corrida. Pilotou com determinação. Naquele dia, o Rosier pai era invencível. O Rosier filho não quis nem saber: não tinha o mesmo ritmo do pai e cumpriu o mínimo exigido naquela época – pífias duas voltas – para não ser desclassificado. Louis não se vexou. Pegou o volante de novo e seguiu – só Deus sabe como! – até o final sem cometer nenhum tipo de erro, guiando pelo período recorde de 23h15min17seg. O “Exército de um Homem Só” completou a prova após 256 voltas, uma passagem inteira à frente de Pierre Meyrat e Guy Mairesse.

GEORGES FAROUX, CHARLES DURAND e EMILE COQUILE

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Piloto de competição do início do século passado, o francês Charles Durand é um dos diretos responsáveis pela existência e cultivo das 24h de Le Mans ao longo dos tempos

Uma história não começa se não houver também os responsáveis por ela, correto? Pois as 24h de Le Mans não existiriam se não fosse por Charles Durand e Georges Faroux, além do jornalista Emile Coquile. Os três lançaram o desafio de uma corrida que testasse a resistência dos carros – algo que o trio criticava veementemente nos anos 1920. Foram eles os criadores, os pais da maior prova de Endurance do planeta.

Curioso observar que a prova de Sarthe, nos primeiros anos, era conhecida também pelo codinome de Coup Rudge-Witworth, um troféu ofertado de forma definitiva ao construtor que vencesse as 24h de Le Mans por três oportunidades. Se foi assim, a Bentley foi a marca que fez jus à premiação, vencendo seguidamente entre 1927 e 1929. Depois, não sei que fim esse troféu levou. Certo é que a taça da prova, hoje, não é definitiva. A original tem o nome dos campeões e uma réplica é ofertada aos que triunfam na clássica e lendária prova francesa.

Comentários

  • Espirito Samurai; 92,064 km/h. naquele carro capotando era morte certa; Seria interessante saber do destino desse impotante troféu; Que FDP o O francês Louis Rosier teve né ………. kkkkk; Obrigado Charles Durand, Georges Faroux e Emile Coquile.por esse presente aos que amam o autómobilismo; Que coisa, só a Bentley venceu at´hoje a prova 3 anos seguidos.

  • Parabéns pela matéria, McQueen era, em suas palavras, um piloto que fazia o papel de ator. Competiu com carros e motos sua grande paixão.

  • Excelente idéia Rodrigo !!!
    Estes post serão incríveis se seguir a beleza deste primeiro.
    Pergunta: a atual taça dos vencedores de Le Mans tem nome ???

  • Excelente matéria, fica a sugestão de falar também sobre os carros mais marcantes da prova, inclusive o carro de corrida mais lindo de todos os tempos o Bentley Speed 8.

  • Por curiosidade procurei saber do referido trófeu e o amigo Jean Michel Boisseau me respondeu o seguinte =====> Os três criadores das 24 Horas de Le Mans, Georges Durand, secretário do Automobile Club de l’Ouest France, Faroux Charles, jornalista do La Vie Automobile e Emile Coquille, importador da marca Rudge-Whitworth no hexágono têm também imaginou o Rudge-Whitworth Cup, que será atribuído à marca melhor classificada nas três primeiras edições do evento.
    Este cálice, que é o nome de um fabricante britânico de duas rodas, foi logicamente concedido à marca Chenard & Walcker, que ganhou a primeira corrida, uma vez que colocou seus carros no 1º, 2º e 7º lugares 1923, 4º e 5º fileiras em 1924 e lugares 10 e 13 em 1925.
    O fabricante francês em dificuldades, Henri Toutée, o engenheiro que projetou o motor do tanque Z1 de 1925, considerado o primeiro protótipo fabricado por uma marca, Chenard & Walcker deixa. Seu chefe lhe oferece a Rudge-Whitworth Cup desde então, permaneceu no Toutée família. Na verdade, Henry Toutée não tendo filhos, seus sobrinhos François e Jean-Claude foram cortadas em herança. Eles decidiram pagar a Copa Rudge-Whitworth para que possa ser exposto no Museu das 24 Horas – Sarthe Circuit.

  • Desculpe pela entrada mas. parece que o Alemão Schumacher tá perto da bandeira quadriculada para o plano espiritual……..
    Essa é a pior noticia desde de o fatal acidente com Ayrton……

  • Rodrigo, me corrija se necessário, mas acho que outro feito inigualável do Jean Rondeau é que além de tudo o que realizou, sua cidade natal é Le Mans!

    Parabéns pela ideia e pela série em si, estou ansioso para ler sobre as outras personagens!

  • Assisti na telona Grand Prix quando criança e 24 horas de Le Mans quando adolescente, 500 milhas assisti em DVD. Recomendo os três. Os dois primeiros tiveram uma grande influência para me tornar um fã do automobilismo.
    Le mans tem uma interpretação magistral do McQueen e no filme destaco a largada com o batimento cardíaco seguido da “explosão” dos motores, a disputa inicial dos 917K Gulf com o 917 branco “cauda longa”, as “pancas” da Ferrari 512S seguida de incêndio, a panca violenta do 917K do Delaney com uma filmagem em lenta fenomenal e a disputa final dos 917K com as 512S.
    Passei a admirar este carro 917K, incrível em todos os aspectos, e a minha primeira carroceria bolha de autorama com motor Mura foi deste carro.

  • Tudo que eu queria dizer é meus parabéns por essa aula de história do automobilismo,é tudo isso que os fãs de corridas precisam.Eu não sei dizer se o Steve McQueen era um piloto que dublava um ator ou se era um ator que dublava um piloto,pois tudo que eu sei é que ele faz uma falta tremenda nos dias de hoje.E pra terminar gostaria de prestar o meu apoio a família,amigos e fãs de Michael Schumacher,pois creio que será extremamente difícil ele sair do quadro em que ele está.Por tudo que vi e li sobre o seu delicado estado de saúde,creio que já é hora de se despedir.Triste,porém verdadeiro.