Especial 84 nomes das 24h de Le Mans – parte VII (final)

RIO DE JANEIRO – Leitores e leitoras do blog, diante do imenso volume de trabalho dos últimos dias e também da impossibilidade de escrever o último post da série especial de 84 nomes históricos de Le Mans, acabei por publicá-lo apenas depois da corrida que se encerrou de forma dramática no domingo passado. Mas que fique claro: nenhum dos acontecimentos seria capaz de mudar uma lista já previamente estudada e definida.

Espero que tenham gostado da série. Em 2015, procurei fazer algo com as miniaturas, vamos ver se voltamos com elas no próximo ano.

MARK WEBBER E PETER DUMBRECK

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Os três Mercedes CLR num mesmo clique, com a diferença que o #4 de Mark Webber foi protagonista deste voo aterrador no warm up das 24h de Le Mans de 1999. O acidente se repetiria na corrida, só que com Peter Dumbreck a bordo

Eles eram apenas dois entre os nove pilotos que a Mercedes-Benz contratara para tomar de assalto a disputa das 24h de Le Mans em 1999. A reestreia da montadora da estrela de três pontas no ano anterior, após uma ausência de sete anos, teve até pole position, mas os carros não eram resistentes e quebraram cedo. Para a tentativa de voltar ao topo do pódio uma década após o triunfo do extraordinário Sauber-Mercedes C9, os alemães se prepararam com afinco.

Usando a base estrutural do CLK GT-LM, foi concebido o projeto CLR. O carro tinha motor de 5,7 litros V8 – tudo para ser potente e veloz. Foi testado de forma exaustiva até em ovais como os de Homestead-Miami e Fontana, varando noites em busca de durabilidade e confiabilidade. E sobretudo para descobrir se o carro era bom de aerodinâmica. Inscrito na classe LM GTP, a mesma do Toyota GT-One, o Mercedes-Benz CLR era infernalmente lindo. E por falar nisso, se revelaria um inferno para Mark Webber e Peter Dumbreck.

Durante os treinos, o primeiro susto: o australiano, que teria Marcel Tiemann e Jean-Marc Gounon como companheiros de equipe no carro #4, sofreu um grande acidente em razão de uma falha igualmente grave na aerodinâmica do bólido. Os engenheiros trabalharam para reforçar os carros, mas não adiantou: 10º colocado no grid, o carro de Webber e companhia sofreu uma decolagem aterradora durante o warm up. Foi um milagre que o australiano tivesse sobrevivido. Óbvio que não havia como se recuperar o #4, que ficou fora da largada.

Aos pilotos dos demais Mercedes CLR, recomendou-se ao máximo que não se andasse no vácuo dos demais carros, sob o risco de um colchão de ar lançá-los pelo ar. E foi exatamente o que aconteceu a Peter Dumbreck, na 75ª volta da corrida. Ele vinha colado a um outro adversário, quando a Mercedes foi catapultada por uma força incomum e decolou, indo cair nas árvores. Outro milagre: Dumbreck escapou ileso. Imediatamente após, o carro #6 foi recolhido aos boxes.

E a Mercedes nunca mais competiu nas 24h de Le Mans…

JOHN WYER

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John Wyer foi grande na Aston Martin, na Ford e em sua própria equipe: um monstro dos bastidores das 24h de Le Mans

Nos anos dourados das 24h de Le Mans, não houve ninguém que deixasse de notar a existência de John Wyer (1909-1989) em diferentes esferas dentro da clássica prova francesa. Como engenheiro, ele se distinguiu desde os anos 1940 e na década seguinte, já era o Team Manager da Aston Martin Racing, liderando a equipe que venceu em 1959 com Roy Salvadori e Carroll Shelby. Em 1963, aceitou a proposta para trabalhar na Ford Advanced Vehicles e tornou-se, com o fim da FAV, o grande artífice da revolução proposta por Henry Ford II para demolir a Ferrari como força dominante em Sarthe.

Junto ao próprio Carroll Shelby e o sócio John Willment, além da oficina Holman Moody, John Wyer foi fundamental na construção, desenvolvimento e preparo do lendário Ford GT40. Depois montou a J.W. Automotive Engineering, que por muitos poderia ser entendida como as iniciais de seu nome tanto quanto de John Willment. Encampou a permanência dos carros do construtor de Detroit nas pistas, ganhou o World Sportscar Championship de 1968 e as 24h de Le Mans de 1969, com a lendária pintura Gulf no carro de Jacky Ickx/Jackie Oliver.

Com a obsolescência do GT40, partiu para a Porsche, alinhando o modelo 917 nas pistas velozes e o 908 nas que exigiam um carro de entre-eixos mais curto. Como chefe de equipe da organização mais icônica da Endurance mundial, administrou a guerra de egos que havia ente Jo Siffert e Pedro Rodriguez, além de Derek Bell e Richard Attwood, que davam bem menos trabalho. Seus Porsches não venceram as 24h de Le Mans na vida real, mas na ficção, chegaram na frente, no filme estrelado por Steve McQueen.

A partir daí, com a mudança de regulamento para os motores 3 litros, passou a alinhar protótipos conhecidos como Gulf-Mirage, com motores Cosworth DFV de 490 HP, iguais aos da Fórmula 1. E após várias tentativas, voltou ao topo do pódio em 1975, mais uma vez com Jacky Ickx, só que com Derek Bell a seu lado. Ao fim daquele ano, Wyer retirou-se do esporte. Morreu nos EUA aos 80 anos, mas é por todo o sempre lembrado por toda uma geração como o dono de uma equipe lendária das 24h de Le Mans.

DR. WOLFGANG ULLRICH

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O austríaco Wolfgang Ullrich é o homem por trás de todas as vitórias da Audi nas 24h de Le Mans

Difícil não falar de Audi e 24h de Le Mans e não notar nos boxes do construtor alemão um senhor calvo e alto. Nascido em 1950 na cidade austríaca de Viena e graduado em ciência técnica, não à toa ele é conhecido como Dr. Wolfgang Ullrich. É ele quem comanda há 23 anos initerruptos o departamento de competição da Audi – a Audi Motorsport.

Sob sua dileta supervisão, foram desenvolvidos carros para as mais diferentes competições automobilísticas, incluindo Endurance. E nas 24h de Le Mans, nunca houve um outro homem associado às vitórias contemporâneas fora das pistas como Ullrich. De 1999 para cá, com exceção das derrotas para Bentley, Peugeot e, mais recentemente, Porsche, tem sido assim – foram 13 triunfos no total, o que não é pouco.

Ullrich já poderia, inclusive, desfrutar de merecidíssima aposentadoria. Ele já chegou a idade de 65 anos, mas a Audi e o Volkswagen Auto Group (por tabela) confiam tanto em seu trabalho que ofereceram a ele uma extensão de contrato até 2017. Portanto, por mais um tempinho ainda o veremos chefiando uma das organizações mais vitoriosas do esporte e uma das marcas mais bem-sucedidas de todos os tempos em Le Mans.

PAUL DRAYSON

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A falta de visão num dos olhos não impediu Paul Drayson, barão, lorde, ministro do governo britânico e piloto, de realizar o sonho de competir nas 24h de Le Mans

As 24h de Le Mans tiveram, em sua história, roqueiros, atores, ricaços e mulheres. Lordes e barões foram poucos. Nos últimos tempos, um deles inclusive foi visto na pista francesa. Paul Drayson esteve por apenas duas vezes com sua escuderia, mas deixou uma presença marcante na corrida francesa. Por vários motivos.

Além dos títulos de nobreza, este membro do Partido Trabalhista Britânico nascido em 1960 foi ministro do governo britânico nas áreas de Defesa e também de Ciência e Inovação, servindo aos primeiros-ministros Gordon Brown e Tony Blair. E há um outro detalhe: Lord Paul Drayson nasceu cego de um olho. Esse problema jamais o impediu de ser um apaixonado pelo automobilismo, tanto que correu na American Le Mans Series primeiro, antes de obter a licença da FIA para realizar o grande sonho de disputar as 24h de Le Mans.

Mesmo não enxergando como gostaria e deveria, Drayson montou um Aston Martin Vantage V8 GT2 e com ele disputou a prova de 2009 com Marino Franchitti e Jonathan Cocker. Não completou a disputa, sendo o 12º colocado entre os LMGT2. Voltou à pista no ano seguinte com um protótipo Lola B09/60 Judd LMP1 e contratou ninguém menos que Emanuele Pirro para ajudá-lo na empreitada. Não recebeu classificação porque seu carro não percorreu a distância mínima exigida. Mas nesse mesmo ano, alcançou a glória do triunfo na etapa do American Le Mans Series em Road America, numa corrida sensacional. A partir do ano seguinte, dedicou-se mais às provas de carros elétricos, dos quais sempre foi um grande entusiasta.

ALLAN McNISH

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Craque em Le Mans: infernalmente rápido, o escocês Allan McNish entrou para o time dos múltiplos campeões da disputa em Sarthe

O pequeno e atrevido escocês Allan McNish disputou por 14 vezes as 24h de Le Mans. Se lhe faltou sorte em alguns momentos, como na estreia em 1997, lhe sobrou em vários. Afora os resultados – excepcionais na maioria das vezes. Foram nove pódios no total e três vitórias, que fazem do piloto nascido na Escócia há 46 anos, um dos grandes nomes de todos os tempos em Sarthe.

Após a primeira decepção, quando deixou a disputa com apenas oito voltas, na quebra do Porsche que dividia com Karl Wendlinger e Stéphane Ortelli, chegou logo à primeira vitória em 1998, triunfando em conjunto com o mesmo Ortelli e com Laurent Aiello, defendendo a equipe oficial de fábrica da Porsche. Ele serviu à Toyota e Audi nos dois anos seguintes, ausentando-se da prova quando ocupou o papel de piloto de desenvolvimento e titular da Toyota na F1. E de 2004 até o fim de sua carreira, jamais deixou de defender a Audi nas provas de longa duração.

A segunda vitória veio em 2008, acompanhado de Dindo Capello e do já lendário Tom Kristensen. Depois disso, Allan sobreviveu a um acidente incrível em 2011, quando bateu com a Ferrari LMGTE-AM de Anthony Beltoise e ainda voltaria ao topo do pódio dois anos depois, quando se tornou também Campeão Mundial do WEC – e depois desse feito, McNish deu um ponto final à sua extensa carreira de piloto de competição, ainda podendo guiar por muitos anos. Talvez tenha tomado a decisão mais acertada de sua vida…

DEREK BELL

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Comemorando uma de suas cinco vitórias em Sarthe: Derek Bell foi um monstro na Endurance e está entre os maiores de Le Mans em qualquer tempo

Um dos mais brilhantes pilotos de sua geração no quesito Endurance, o britânico Derek Bell foi o parceiro perfeito para uma série de pilotos que conheceram a glória nas 24h de Le Mans. Veloz e confiável, guiou alguns dos carros mais representativos de todos os tempos, começando pela Ferrari 512 LM em 1970 – e daí até 1996, quando já tinha 55 anos de idade.

Além de um total de 26 participações (consecutivas, registre-se), Bell venceu a corrida em cinco oportunidades, o que faz dele hoje o terceiro maior vencedor individual em 84 edições desde 1923, atrás apenas de Jacky Ickx e Tom Kristensen. Ao lado do belga, formou uma parceria profícua nas provas de longa duração: venceu pela primeira vez em Sarthe no ano de 1975 com um Gulf-Mirage e a segunda, seis anos depois, quando voltou a correr com Ickx, daquela vez num Porsche 936/81.

Mas foi a bordo dos lendários 956 e 962C que Bell fez a festa, ganhando a prova clássica por mais três ocasiões. Foi tri com Ickx em 1982, ganhou em 1986 com Hans-Joachim Stuck e Al Holbert e de novo faturou a corrida em 1987 com os mesmos parceiros do triunfo anterior. E ainda beliscou mais quatro pódios além dos triunfos. O último foi sensacional e em família: aos 54 anos, dividiu o McLaren F1 GTR da equipe Mach One com o patrocínio da cadeia de lojas Harrods com o filho Justin Bell. Os dois e mais Andy Wallace conquistaram um grande 3º lugar na edição disputada em 1995. E no ano seguinte, Derek se despediria de Sarthe como piloto num honroso 6º lugar ao lado de Wallace e do francês Olivier Grouillard.

SÉBASTIEN LOEB

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O maior de todos no WRC quase se consagrou campeão nas 24h de Le Mans. Já pensaram se isso acontecesse?!?

Ele é decantado em verso e prosa como um dos maiores – senão o maior de todos – pilotos que nunca chegou à Fórmula 1 e foi gênio. Em sua especialidade, de fato, Sébastien Loeb é um mito. Múltiplas vezes campeão do World Rally Championship (WRC), é para mim o maior piloto de todos os tempos na modalidade. O francês poderia não querer provar mais nada a ninguém, se quisesse. Mas mesmo assim ele topou o desafio de disputar as 24h de Le Mans, logo depois que o saudoso Colin McRae fizera o mesmo a bordo de uma Ferrari 550 Maranello.

Convidado por Henri Pescarolo e com o aval da Citroën, marca que defendia no Mundial de Rali, Loeb aceitou o desafio e preparou-se intensamente para mostrar seu talento a bordo do protótipo Pescarolo C60 Judd, tido como o mais veloz na edição de 2005 da prova francesa e pronto para enfim conquistar um triunfo histórico para os franceses, o que não acontecia desde Jean Rondeau e sua criação independente. “Pesca”, ídolo dos fãs de Endurance, perseguia a conquista como dono de equipe, seria a glória.

Mas a glória não veio: mesmo com um carro tremendamente rápido, faltou confiabilidade e a Audi venceu. Não obstante, o carro que dividiu com Soheil Ayari e Eric Hélary foi vítima de pelo menos dois acidentes que tiraram o Pescarolo C60 da prova após completar 288 voltas. Loeb ainda voltaria para a corrida de 2006, daquela vez contando com Hélary e Franck Montagny como colegas na pilotagem. Naquela oportunidade, eles foram bem mais felizes e chegaram ao fim da disputa. Mas havia a Audi e seu já irresistível protótipo R10 TDi e não deu pra ganhar: Loeb e parceiros ficaram em 2º, cumprindo 375 voltas. Depois, voltaria a Sarthe com sua própria equipe, disputando as 24h de Le Mans com o protótipo Oreca 03R guiado por René Rast/Jan Charouz/Vincent Capillaire, terminando em 8º lugar na geral.

JOCHEN DAUER

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Genial: explorando uma brecha no regulamento das 24h de Le Mans, Jochen Dauer transformou o velho Porsche 962C num Grã-Turismo de rua, fez algumas unidades, homologou o carro e venceu a corrida em 1994

Fundada em 1987 por Jochen Dauer, a Dauer Racing foi uma escuderia de resultados pouco ou nada expressivos no auge das provas do Grupo C, que eram os bólidos do World Sportscar Championship e das 24h de Le Mans. Este alemão nascido em janeiro de 1952 aproveitou que a Porsche vendia seus protótipos ao atacado para equipes não-oficiais, o que fez dos modelos 956 e 962 verdadeiras coqueluches mundo afora, para idealizar um carro esporte de altíssimo rendimento, para circular nas ruas.

E o que fez o nosso bravo Dauer? Aproveitou a estrutura do protótipo 962C e a parte mecânica, com o motor 2,8 litros biturbo com mais de 700 HP de potência. Transformando o icônico Grupo C em modelo de rua, ele construiu algumas unidades para declarar o Dauer 962 LM homologado para disputar as 24h de Le Mans, explorando uma brecha do regulamento técnico do ACO. A cavalaria foi reduzida para 600 HP e além de tudo a Porsche deu todo o suporte necessário para a empreitada. Quer na parte financeira ou na expertise. E o resultado não poderia ter sido dos mais significativos.

Foram inscritos dois carros: o #35 para Hans-Joachim Stuck/Thierry Boutsen/Danny Sullivan e o #36 para Yannick Dalmas/Mauro Baldi/Hurley Haywood. Além da ótima velocidade de ponta – herança do 962C, assim como a mecânica tremendamente confiável, o Dauer Porsche tinha um trunfo: o tanque de combustível, com 120 litros de capacidade, permitia ao bólido parar menos vezes que a concorrência para reabastecer, o que representava uma enorme vantagem. Por mais que o Team SARD lutasse com seu Toyota 94-CV, não houve como segurar o carro #36 e a trinca Baldi/Dalmas/Haywood rumou para uma vitória consagradora.

HENRI PESCAROLO

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Recordista de participações – 33 no total – e dono de quatro vitórias, Henri Pescarolo merece sempre ser louvado como um dos grandes de Le Mans

Verdadeiro mito vivo das 24h de Le Mans, sobrevivente de um grave acidente quando o Matra MS640 que testava a pedido do engenheiro Robert Choulet capotou de forma espetacular no retão Les Hunaudières em 1969, Henri Pescarolo é até hoje o detentor de um recorde histórico de participações na prova francesa. Tendo começado a correr em Sarthe em 1966, “Pesca” disputou nada menos que 33 edições do evento até a aposentadoria definitiva como piloto, que aconteceu em 1999, aos 57 anos.

Entre os pilotos franceses que triunfaram em Sarthe, Pescarolo é o mais querido. Provavelmente porque ganhou três vezes consecutivas com a Matra em 1972 (formando dupla com Graham Hill) e 1973/74 (em parceria com Gérard Larrousse). Mas isso não foi empecilho para que ele defendesse outras equipes e marcas com o mesmo brilhantismo. Andou de Ferrari, Ligier, Inaltera, Porsche, Rondeau, Lancia, Sauber-Mercedes, Jaguar e Courage, até montar sua própria equipe. Ah! Antes disso, ainda ganhou em Le Mans uma 4ª vez, no ano de 1984, ao lado de Klaus Ludwig num Porsche 956 alinhado por um tal de Reinhold Joest.

O querido “Pesca” só não teve como chefe de equipe a mesma habilidade que tinha como piloto. Associou-se por vezes a sócios estranhos, diria nebulosos. Após adquirir de Yves Courage a propriedade intelectual de construção de seus chassis e rebatizá-los como Pescarolo, ele tentou – sem sucesso – vencer as 24h de Le Mans como chefe de equipe. Experimentou o fim de sua escuderia por má administração após a prova de 2010, quando teve que fazer um inédito forfait em Sarthe. Voltou em 2011, muito ajudado, é bem verdade, por Joël Rivière, um antigo fã e entusiasta do automobilismo e Jacques Nicolet, que compraram o espólio do time e o repassaram ao velho Henri. Quando tudo parecia que o título do ELMS em 2011 significaria a volta por cima do time, uma parceria com a Luxury Racing (hoje extinta) pôs tudo a perder. Pescarolo não teve outra alternativa que não a de desistir do sonho, fechando a equipe, hoje definitivamente encerrada.

JACKY ICKX

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Recebendo a quadriculada da edição de 1969, em que derrotou a Porsche vindo de último na largada: Jacky Ickx foi por mais de 20 anos o recordista absoluto de vitórias em Sarthe

Jacques Bernard Ickx, ou simplesmente Jacky Ickx, foi sinônimo de 24h de Le Mans por longos anos. Embora tenha feito uma carreira longa na Fórmula 1, o suficiente para lhe dar inclusive o vice-campeonato no Mundial de Pilotos em 1970, este piloto belga tinha como grande marca o ecletismo e performances espetaculares a bordo de qualquer modelo Esporte-Protótipo que guiou na vida. As seis vitórias conquistadas em 17 participações no circuito de Sarthe entre 1966 e 1985, com breves interrupções, falam por si só.

Ickx tinha uma característica que o diferia da maioria dos pilotos. Além de possuir um conhecimento mecânico vasto e excelente domínio da máquina, era preocupado com as questões de segurança que norteavam Le Mans. Especialmente quanto à largada. Mesmo com apenas 23 anos de idade, o belga era cônscio dos riscos e preferiu não se expor em 1969, quando ao invés de correr para seu Ford GT40 desabaladamente na tradicional formação Le Mans, com os carros enfileirados diagonalmente, Ickx caminhou tranquilamente a pé. Largou de último, evitou entrar no acidente fatal de John Woolfe e fez uma grande corrida em dupla com Jackie Oliver. Venceu e provou que tinha o chamado “algo mais”, mesmo.

A segunda vitória demoraria: aconteceu em 1975, em dupla com Derek Bell. Já desencantado com a F1, corria esporadicamente em times de menor expressão como a Ensign e fazia acontecer a bordo dos carros da Porsche, que defenderia a partir de 1976 até o fim da carreira, aos 39 anos. Logo na estreia pela equipe Martini International a bordo do lendário 936, ganhou em dupla com Gijs Van Lennep. Depois, bisaria com Jürgen Barth e Hurley Haywood. Superou o compatriota Olivier Gendebien, até então recordista de triunfos junto a Ickx, na prova de 1981 – conquistada com Bell novamente na parceria. A sexta vitória veio no primeiro ano do Porsche 956 em 1982. Por muito pouco, o sétimo triunfo não saiu no ano seguinte: Ickx terminou em 2º. O acidente fatal do alemão Stefan Bellof, nos 1000 km de Spa-Francorchamps, no qual esteve envolvido, foi determinante para que o belga, com idade suficiente para pelo menos mais uma década de competições em provas longas, viesse a anunciar sua aposentadoria do esporte e de Le Mans.

TOM KRISTENSEN

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Ladeado por seis dos nove troféus ganhos em Sarthe: ele é O CARA!

Eu seria besta de deixar Tom Kristensen de fora da lista? Claro que não. E ninguém seria: o dinamarquês de 48 anos deixou marcas indeléveis na história das 24h de Le Mans. Afora a capacidade de guiar bem qualquer tipo de carro que teve em mãos na pista francesa, ao longo dos anos ele provou ser o único piloto capaz de superar o histórico recorde de triunfos do “Monsieur Le Mans”, Jacky Ickx, para reivindicar a si próprio o galardão.

Vindo dos monopostos, onde competiu muito bem na Fórmula 3, Fórmula 3000 e Fórmula Nippon, Kristensen tinha apenas 30 anos quando estreou em Le Mans e com direito à vitória, a primeira de tantas que viriam, junto a dois veteranos ex-Fórmula 1 – Stefan Johansson e Michele Alboreto. Foi contratado pela BMW, ajudou no desenvolvimento dos protótipos dos bávaros, mas por lá não ganhou nada em 1998 e 1999.

A Audi estreava em Le Mans naquele mesmo ano e não hesitou em contar com Tom Kristensen – o que aconteceria praticamente por todos os anos que viriam a seguir, com algumas exceções. E de cara, emplacou três vitórias consecutivas entre 2000 e 2002 com o lendário protótipo R8 da marca de Ingolstadt, formando uma simbiose perfeita entre máquina e homem.

Por um tempo, os alemães retiraram o apoio ao time oficial de fábrica, cedendo carros a organizações particulares como o Team Veloqx da Grã-Bretanha, ao Team Goh do Japão e também à Champion Racing de Dave Maraj, nos EUA. Isso não foi empecilho para o nórdico colaborar com a Bentley (que tinha o motor do Audi R8 em seu protótipo, é bom lembrar) e vencer a prova de 2003. Ganharia ainda pela quinta vez seguida, igualando a marca de Ickx com o carro #5 do Team Goh. E chegaria ao sétimo e histórico triunfo num ano em que eram favas contadas a derrota dos protótipos alemães – já que os Pescarolo C60 Judd eram tidos como ‘imbatíveis’.

Mas Pescarolo não tinha – nunca – um piloto com o senso de oportunidades e preservação de equipamento que o dinamarquês carregava consigo. Ele sabia do limite do Audi R8 num ano de grandes restrições e soube lidar com isso junto aos colegas JJ Lehto e Marco Werner. E chegou lá: sétima vitória, recorde pessoal e histórico em Le Mans. Uma honra que deixou o piloto com os olhos marejados de emoção no pódio.

E não parou por aí, não: o 8º triunfo viria já guiando os protótipos com tecnologia TDi (Turbodiesel) e em 2013 veio a nona conquista, com o revolucionário R18 e-tron quattro, que lhe garantiria ainda dois segundos lugares em 2012 e 2014. Nesse mesmo ano, anunciou que pararia. Sua última corrida foi as 6h de São Paulo, em Interlagos. Felizes de nós, pobres mortais, que pudemos aplaudir essa lenda de pé. Felizes somos nós que podemos ainda reverenciar o grande nome de todos os tempos nas 24h de Le Mans.

Comentários

  • Grande lista Rodrigo!

    Não tenho a intensão de mudar nada ao seu ótimo texto, mas só para acrescentar, além do Dauer Porsche #36 de 1994 ter conquistado o 1º lugar, o #35 chegou em 3º!

    Sobre o Pesca, lí na época que um motivo para fechar a equipe era a grande mudança de regulamento para os carros do próximo ano, 2012.

    Muito obrigado Rodrigo!

    • Kleber, não sei não, mas ele para 2012 comandou a reconstrução do Dome S102, adaptando-o ao novo regulamento e transformando um Aston Martin AMR-One em Pescarolo 03. Faltou foi grana. Só isso.

    • Quando a Quatro Rodas Clássicos publicou matéria de capa sobre o Ford GT-40, um dos jornalistas disse que a pintura Gulf era feia!
      Ela é campeã isso sim.

  • Quanto ao acidente do Webber, lembro de ter visto na época na revista Racing, uma sequencia fantástica de fotos da capotagem feita pelo fotografo brasileiro Miguel Costa Jr; por coincidência ele estava na hora no local e flagrou a Mercedes capotando em sua direção, abaixou-se atrás do guard-rail, esperou o carro passar e continuou fotografando. Coisa de maluco mesmo.

  • Rodrigo,

    Aproveito a oportunidade para reverenciar o FANTASTICO trabalho de cobertura que você fez de Le Mans 2016. Foi um dos trabalhos mais completos que eu já vi, em toda a imprensa, inclusive internacional.
    Desde a escolha dos 84 nomes, lista de inscritos, coletânea de dados históricos, informações sobre as equipes, cobertura dos treinos, da corrida e do pós corrida, um trabalho excepcional, que tem de ser elogiado !!! E muito leogiado.

    Agradeço por ter acesso, aqui no teu blog, a essa verdadeira montanha de informações.

    E Parabéns, de novo, pela ótima participação na transmissão da FOX.

    Antonio