Adelaide, 30 anos

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Ideia de Bernie Ecclestone, a famosa foto tirada no GP de Portugal de 1986, no Estoril, marcou época e é o símbolo máximo da maior temporada da história da Fórmula 1

RIO DE JANEIRO – Este mês de outubro tem sido de datas redondas para os fãs do automobilismo recordarem com carinho. Primeiro, os 35 anos do primeiro título de Nelson Piquet.

Depois, o Jubileu de Prata do tricampeonato de Ayrton Senna.

Anteontem, foi a vez do 40º aniversário do maior duelo da década de 1970: Niki Lauda versus James Hunt, que o britânico venceu.

E hoje, 26 de outubro, chegamos a 30 anos do fim de um campeonato inesquecível.

Talvez em matéria de talento, a temporada de 1986 tenha sido a melhor da história da Fórmula 1. Eram quatro puros-sangue das pistas. Três homens talentosíssimos e um outsider que se despia do estereótipo de songa-monga para rugir feito o Leão que se transformou. Refiro-me, é claro, a Alain Prost, Ayrton Senna, Nelson Piquet e Nigel Mansell. Estes quatro foram a maior prova de que um campeonato de automobilismo pode e deve ter todos os ingredientes de talento, audácia, garra, desprendimento e sorte para chegarmos ao denominador do título.

Não se pode dizer que Prost fosse dos mais audazes e dos mais raçudos. Mas era um mestre na estratégia, sabia atacar no momento certo e, além de tudo, aquele anão era rabudo. Quando chegou a Adelaide para a última prova daquele ano, era o 3º colocado na classificação. Terminou a corrida com a vitória e com o título, de forma até certo ponto inesperada.

Sim, amigos: a McLaren ainda era forte, mas não era tão melhor que no biênio 1984/85, quando fez de Lauda tricampeão e Prost finalmente quebrou uma incômoda escrita de dois vices. Também a Lotus não era a mesma equipe pujante de outras décadas, mas tinha Ayrton Senna e suas voltas avassaladoras de pole position – e vez por outra o brasileiro dava muito trabalho, quando o motor Renault V6 Turbo não bebia além da conta. A Lotus #12 foi protagonista de grandes momentos daquele ano, como a chegada em que derrotou Mansell por apenas 0″014 – uma das menores diferenças de todos os tempos – e a disputa em que Nelson Piquet o ultrapassou por fora no inaugural GP da Hungria, numa manobra de tirar o fôlego, até hoje celebrada.

Sem contar a vitória em Detroit após a eliminação da seleção de Telê Santana, Zico, Sócrates e cia. na Copa do Mundo de 1986 diante da França. A partida foi na véspera do GP dos EUA. Senna lavou a alma após ser alvo de todo tipo de zoação por parte dos galos.

Aí chegamos à Williams, que com a ajuda da Honda trouxe Nelson Piquet para ganhar alegados US$ 13 milhões por dois anos de contrato e liderar a equipe, que tinha um Nigel Mansell que jamais fora competitivo na Lotus e desabrochou em 1985, conquistando as primeiras vitórias e uma sequência bastante interessante de resultados. A priori, Nigel não seria um adversário perigoso. Mas com Frank Williams acidentado – e posteriormente tetraplégico – após um teste de pré-temporada, a Williams era um time sem comando.

Quem contratou Piquet foi Frank, repito, com o suporte dos japoneses. Mas Patrick Head, que além de diretor técnico da equipe era sócio, achou que podia fazer o que bem entendesse. E a equipe reviveu o drama de 1981, em que Carlos Reutemann ousou brigar contra a hierarquia do time britânico e perdeu o campeonato para o mesmo Piquet, que sentiu na pele cinco anos depois o mesmo drama do argentino.

O começo tinha sido auspicioso, com a vitória no GP do Brasil. Mas na primeira metade do ano, Piquet teve três abandonos e um 7º lugar em Mônaco, pista que detestava. Quando perdeu para Mansell na casa do inglês, diante de uma Brands Hatch que remontou a 1976 e ao triunfo de James Hunt, posteriormente cassado, com gente até no lustre, Nelson resolveu jogar com as armas que tinha. Declarou guerra a Nigel e a Patrick Head. Com a ajuda silenciosa de Frank Dernie, seu engenheiro, mudou as táticas. Malandramente, ganhou na Alemanha. E deu um baile em Senna na Hungria e outro em Mansell, que ficou desnorteado, na Itália.

Mas havia Senna, o “freio de mão”, segundo Piquet, que o atrapalhou em Portugal – há quem diga que a animosidade entre os dois grandes pilotos brasileiros começou aí – e no México ninguém pôde com Gerhard Berger e uma Benetton velocíssima, principalmente Mansell, acometido do chamado Mal de Montezuma, que aqui nós chamamos intimamente de “piriri”. Ou diarreia. Fica à escolha do leitor.

E quando a decisão em Adelaide começou na madrugada de 26 de outubro (para nós, claro), com Senna já fora de combate desde Portugal, o panorama apontava o seguinte: Mansell tinha 72 pontos e liderava, mas como eram computados 11 resultados de um total de 16, ele tinha que descartar a 5ª posição no México e começou a última prova com 70. Prost tinha 65 pontos líquidos e 63 válidos devido a dois descartes. Único dos três que não tinha nada a descartar, Piquet largava na Austrália com 63 pontos – e só a vitória interessava ao brasileiro.

A surpresa das surpresas foi Keke Rosberg, em sua prova de despedida da Fórmula 1, disparando na liderança e sumindo do resto. A tática da McLaren era forçar a quebra dos confiáveis motores Honda. Ou então o erro de um dos pilotos da Williams. E foi exatamente isso o que aconteceu: Piquet rodou na 23ª volta e perdeu duas posições, caindo para quarto.

Prost, por seu turno, teve um pneu furado nove voltas depois. Naquela época, os pilotos paravam apenas para mudança de compostos – não havia reabastecimento, proibido desde 1983. E o francês, um dos pilotos mais conservadores e inteligentes de seu tempo, resolveu ir em frente com os mesmos pneus até o final.

Com pneus frescos em sua McLaren TAG Porsche, Prost começou a responder à superioridade dos dois pilotos da Williams na pista. Além de andar mais rápido que Piquet e Mansell, chegou a fazer a melhor volta. Na 45ª passagem de um total de 82, Piquet passou Mansell. A partir daí, ele dependia de si mesmo e dos outros para ser tricampeão.

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Em 3º lugar após ser ultrapassado por Alain Prost, o pneu de Nigel Mansell explodiu a mais de 300 km/h, fazendo o inglês se despedir do título mundial de 1986 (Foto: BBC/Reprodução)

Rosberg tinha vantagem de 20 segundos sobre Piquet quando parou, com os pneus traseiros de seu carro no osso, abandonando a corrida. E logo na volta seguinte, na longa reta da avenida Decqueteville, a mais de 300 km/h, explode um pneu traseiro da Williams de Mansell, que já havia sido superado por Prost e estava em 3º. Fim da linha: e só restavam Piquet e Prost na parada.

Jamais saberemos se a equipe de Piquet tomou a decisão ou não de caso pensado, pura sacanagem, ou por precaução: o fato é que Nelson teve que entrar nos boxes no 65º giro e a diferença para o novo líder, Alain Prost, era de 20 segundos. Não havia tempo hábil para descontar a vantagem e apesar de cravar a melhor volta na última passagem, com 1’20″787, Piquet chegou a 4″205 do vencedor e, a partir daquele momento, bicampeão mundial.

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A mesma foto, em branco e preto e por outro ângulo…

Um final incrível de um campeonato, até hoje, inesquecível.

Comentários

  • Salve, Rodrigo! Belo texto como sempre, só faço um adendo sobre a troca de pneus de Piquet na Austrália. Após uma entrevista a alguns jornalistas (eu entre eles) durante o fim de semana do GP do Brasil de 2014, deixei o bolinho se espalhar e falei com o Nelson sobre esse GP. Perguntei: esse pit stop era mesmo necessário? Pensou em seguir no grito até o fim? A resposta foi direta, no melhor estilo Piquet: “Não dava, meus pneus estavam fodidos também. Depois eu soube que provavelmente também teria um furo em poucas voltas.”

  • Não canso de dizer que a década de 1980 foi de ouro para o automobilismo mundial, não apenas para a F-1, Na categoria máxima, existiu o período em que um homem comum assistia àquelas disputas e sabia que aquilo era para poucos (não pelo dinheiro, mas pelo talento e experiência).

  • Oi Rodrigo. É sempre bom ler os seus textos de datas importantes pois tem uma riqueza de detalhes e muita coisa que eu já não lembrava, parabéns.

    Somando ao comentário do Fred Sabino, lembro também de uma entrevista do Piquet sobre o assunto desse pit stop, acho que no Bola da Vez talvez, que ele disse que os pneus começaram a vibrar demais e isso era sinal de problema estrutural no composto e que eles estavam na iminência de estourar como os de Mansell. Acho que com a experiência e personalidade dele se ele sentisse que dava pra ir ele ia mesmo contrariando a equipe.

  • Com certeza, é a melhor corrida de decisão da F1 que já vi com os motivos já citados na reportagem.
    Aliás, a temporada 1986 vai permanecer por muito tempo como a melhor temporada da F1 e também a mais emocionante e imprevisível de todas que já vi.