Outubro, 1970

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RIO DE JANEIRO – Quatro de outubro de 1970. Há quarenta e seis anos, o Brasil – que antes daquele ano só tivera Chico Landi, Fritz d’Orey e, vá lá, Hernando da Silva Ramos e Gino Bianco nos compêndios históricos, passava ao mapa-mundi da Fórmula 1. Era apenas a quarta corrida de Emerson Fittipaldi na categoria máxima e o piloto, então com 23 anos de idade, conquistou uma vitória histórica.

Em todos os sentidos.

A carreira internacional de nossa jovem promessa começara pouco mais de um ano antes, em 1969. No peito e na raça, Emerson deixou tudo o que conquistou no país e o que tinha para vencer no automobilismo internacional. O kart, os títulos da Fórmula Vê e a experiência de construtor com o Fitti-Porsche e o insólito Fusca de dois motores, foram de grande valia para aquele menino de dentes saltados e que parecia um ratinho: ele levou, de vencida, o título da Fórmula 3 inglesa em apenas meia temporada – e isso após igualmente brilhar na Fórmula Ford inglesa com um Merlyn preparado pelo irascível Dennis Rowland, no primeiro semestre daquele mesmo ano.

Em 1970, após o título na F3, Emerson passou para a Fórmula 2, que tinha carros mais avançados, com aerofólios e freios a disco, além de motores com 1,6 litro de cilindrada cúbica e cerca de 200 cavalos de potência. A categoria vivia um de seus melhores momentos, com a presença de diversos pilotos da F1 e grandes corridas pelos autódromos europeus, sob o olhar atento de todos os chefes de equipe.

E o brasileiro, que corria para a equipe de Jim Russell, disputou de igual pra igual com vários deles.

No meio da temporada, uma surpresa: Dick Scammell, um dos homens de Colin Chapman, ligou procurando por Fittipaldi. O piloto retornou o chamado de um orelhão. A notícia não podia ser melhor: Chapman chamava Emerson para um teste com um F1, a acontecer em Silverstone.

O carro era a Lotus 49, joia que só podia sair da cabeça de Anthony Colin Bruce Chapman, um dos maiores gênios como engenheiro e chefe de equipe que o automobilismo teve a oportunidade de conhecer. Seus carros desafiavam os conceitos vigentes, mas eram verdadeiras cadeiras elétricas. Basta lembrar que Jim Clark e Mike Spence haviam morrido a bordo de modelos Lotus, algum tempo antes.

Mas era uma chance que não podia ser desperdiçada. A hora era aquela e o garoto, acompanhado no teste por um visivelmente contrariado Jochen Rindt, sentou a bota, impressionou e ganhou a chance de estrear entre os cobras da Fórmula 1. Ainda que com o Lotus 49, enquanto Rindt e John Miles tinham à disposição o mais moderno carro construído por Chapman e seus homens: o Lotus 72.

Emerson estreou no GP da Inglaterra e fez o que pôde, chegando em 8º lugar. Na Alemanha, foi quarto colocado. Abandonou na Áustria e, quando teria a chance de andar no Lotus 72 pela primeira vez, tudo deu errado. Primeiro, sofreu um acidente ao bater na roda traseira da Ferrari de Ignazio Giunti. Depois, houve o acidente trágico e fatal do austríaco Jochen Rindt.

Enlutada, a Lotus não foi ao GP do Canadá e Emerson, num golpe do destino, foi promovido a primeiro piloto. Sem John Miles, que resolvera abandonar o esporte, o outro piloto escolhido para representar o time nas últimas duas provas de 1970 era o sueco Reine Wisell, antigo rival de Ronnie Peterson nas competições domésticas.

Fittipaldi fez o 3º tempo para o grid do GP dos EUA e, mesmo resfriado, fez uma ótima corrida após cair para oitavo na largada, quando os pneus traseiros da Lotus 72 patinaram no asfalto molhado pela chuva que caíra. Com regularidade e competência, foi ganhando posições. De repente, se viu em 2º quando o motor da Tyrrell de Jackie Stewart, que liderava absoluto, quebrou vazando óleo. O mexicano Pedro Rodriguez, da BRM, pegou o primeiro posto, mas não durou muito: o motor V12 do carro britânico era beberrão e a corrida tinha 108 voltas. Para evitar uma pane seca, o líder precisou reabastecer.

E a liderança caiu no colo do brasileiro.

A bordo da Lotus #24 na lendária pintura Gold Leaf, líder do Grande Prêmio dos Estados Unidos a partir da 101ª passagem, um turbilhão de pensamentos e emoções se passou na cabeça do piloto. O ranzinza (no início) Jochen Rindt se transformara em amigo e, com cinco vitórias e 45 pontos, era o líder do campeonato mesmo morto. A vitória de Emerson daria o título post-mortem ao austríaco e levaria a Lotus ao título do Mundial de Construtores. E foi exatamente o que aconteceu.

Aos prantos, Chapman recebeu Fittipaldi para a comemoração da vitória tão inesperada quanto desejada. O brasileiro fez jus a um prêmio de U$ 50 mil pela conquista. E seria a primeira das 101 vitórias que comemoramos de 1970 até 2009.

Infelizmente, ninguém hoje consegue colocar o Brasil no topo do pódio.

Por isso, temos a obrigação de recordar momentos como este. Com todo o carinho que a data merece.

 

 

 

 

Comentários

  • Momento inesquecível… E a pintura daquela Lotus era uma coisa de outro mundo, não vejo, atualmente, nenhum F1 com pintura tão bonita (a preta e dourada também era linda).

    Sobre o Emerson, não tive o prazer de acompanhar sua carreira na F1 (tinha dois anos quando ele parou), mas tive a sorte de vê-lo na F Indy e, sem pachequismo, foi um dos melhores que vi.

    A lamentar o momento atual do automobilismo nacional, que, além da ausência de vitórias, há um “deserto” de talento nas categorias de base, com um ou outro aparecendo, mas parecendo ser mais miragem a algo concreto…

    E agora, com a promessa de venda de Interlagos, não sei nem o que pensar… (embora Jacarepaguá tenha tido o destino que teve mesmo sendo da prefeitura e o de Brasília… melhor nem comentar)

  • São histórias como essa que me fazem amar automobilismo! Assistindo ao filme Rush, cheguei a conclusão de que, só na Fórmula 1, daria para fazer uns 20 filmes baseados em fatos reais!!

  • Grande Emerson!! Acompanhei pela TV preto e branco seu 1.º titulo em Monza, em cima do melhor piloto de F-1 da época e um dos melhores de todos os tempos, Stewart, e isso aos 25 anos, um recorde que permaneceu por um longo tempo.
    Foi bi em 74 superando a dupla da Ferrari Regazzoni/Lauda. Achei que se precipitou se envolvendo prematuramente no projeto Copersucar em 76, creio que dava para vir pelo menos mais 1 titulo. De quebra ainda foi campeão na F- Indy e bi na Indy 500. Valeu!!
    E o Lotus 72 com seu formato em cunha, radiadores laterais e freios in board era um projeto genial!!

  • E ainda tem a história que depois ele dormiu com a porta do hotel bem trancada, de medo que levassem parte do prêmio!!!
    Qualquer um gosta de automobilismo deve homenagear o rato!
    Como dizia, foi graças a ele que “Fórmula 1” deixou de parecer nome de remédio!