Discos eternos – Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10 (1971)
RIO DE JANEIRO – Veja a turma aí acima, na foto da capa do disco “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10”, tirada no cinema Império, famoso “poeira” do Rio dos anos 1930 aos 1970.
O magrelo de visual hippie, camiseta vermelha, óculos de grau e cavanhaque é ninguém menos que Raul Seixas. Vestida de “Super-Woman” está a cantora paulista Míriam Batucada (e que pernões ela tinha…); ao lado dela, mão no queixo e camisa da seleção, o capixaba Sérgio Sampaio; e na outra ponta, o único da turma que ainda está vivo, o baiano Edy Star.
Na época da gravação deste disco (1971), Raul era apenas Raulzito, produzia discos de artistas como Renato & Seus Blue Caps – que a julgar pela base instrumental, participaram do álbum dos Kavernistas, Trio Ternura e Jerry Adriani na Columbia Broadcasting System (CBS). E com a ajuda do amigo e também produtor Mauro Motta, deu forma a este trabalho, que hoje podemos qualificar como um clássico que nunca teve o reconhecimento que merecia.
Este é um mix sonoro como poucas vezes se viu na carreira do magro. Tem o desabafo de “Eta Vida” (cantado por Raul e Sérgio em dueto), com uma abertura pra lá de debochada.
Respeitável público! A Sociedade Da Grã-Ordem Kavernista pede licença para vos apresentar o maior espetáculo da terra!
O escracho continua na faixa-título. Edy Star abre “Sessão das 10” como ‘uma homenagem aos boêmios da velha guarda’. E em ritmo de seresta, desfila uma letra irônica e genial de Raul Seixas.
Ao chegar do interior
Inocente, puro e besta
Fui morar em Ipanema
Ver teatro e ver cinema
Era a minha distração.
Foi numa sessão das dez
Que você me apareceu
Me ofereceu pipoca
Eu aceitei e logo em troca
Eu contigo me casei.
Curtiu com meu corpo
Por mais de dez anos
E depois de tal engano
Foi você quem me deixou.
Curtiu com meu corpo
Por mais de dez anos,
Foi tamanho o desengano
Que o cinema incendiou.
Como em praticamente todas as faixas, o baião-frevo-calipso “Eu Vou Botar Pra Ferver” (Raul cantava “felver”) é aberto com uma vinheta (a inspiração veio dos discos de Frank Zappa, em especial o ‘Mothers Of Invention’) e depois cantado por Raul e Sérgio, em perfeita sinergia. O magro capixaba manda muito bem em “Eu Acho Graça”, a quarta faixa do álbum, abrindo terreno para – enfim – Míriam Batucada aparecer com a anárquica “Chorinho Inconsequente”.
“Quero Ir” é um baião-pop que remete à canção “I Wanna Go Back To Bahia”, do baiano Paulo Diniz, que despontou para o anonimato depois desse meteórico sucesso – mas que tem letra prevendo o ‘fracasso’ dos quatro, que abandonariam o Rio de Janeiro. Míriam comparece novamente com outra levada de ritmo nordestino, o xaxado, em “Soul Tabarôa” (letra e música de Antônio Carlos e Jocafi), trazendo na esteira o rock and roll de “Todo Mundo Está Feliz”, cantado e escrito por Sérgio Sampaio.
“Aos Trancos e Barrancos” é um sambão sensacional – um dos únicos de toda sua carreira – composto por Raul que resume de uma forma nada sutil e bastante irônica a sua trajetória musical. Do menino pobre de Salvador que passou fome para morar em Ipanema e se tornar astro do rock. Aliás, diria que o verdadeiro Raul Seixas que a gente conheceu aflorou nessa música.
Edy Star comparece novamente com a ótima “Eu Não Quero Dizer Nada” e o disco fecha com mais um petardo de Raul, “Dr. Paxeco” (aquele que tem nos olhos o cifrão) – ou melhor, o “Finale” é a mesma musiquinha canalha de abertura de circo acompanhada de uma descarga numa privada!
A rasteira que Raulzito e os Kavernistas deram no que se convencionava chamar de MPB surpreende até hoje, mais de 45 anos depois que o disco foi lançado. Uma pena que um trabalho tão genial quanto este tenha caído na vala dos maiores fracassos da música brasileira, já que a CBS não teve a menor intenção de trabalhar o LP – que ficou fora de catálogo até ser relançado em formato digital apenas em 1995.
Apesar de ter se lançado como compositor, Raul ainda produziria para a companhia os compactos de Míriam Batucada e Diana. Mas ele queria mais.
Queria ser Raul Seixas.
E ele disse ao que vinha com uma aparição monumental no último Festival Internacional da Canção (VII FIC), cantando “Let Me Sing, Let Me Sing” e “Eu Sou Eu, Nicuri é o Diabo”, composições inéditas de sua autoria.
O resto é história.
Ficha técnica de Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10
Selo: CBS/Sony Music
Gravado e lançado em agosto de 1971
Produção de Mauro Motta
Tempo: 29’25”
Músicas:
1. Eta Vida (Raul Seixas/Sérgio Sampaio)
2. Sessão das 10 (Raul Seixas)
3. Eu Vou Botar Pra Ferver (Raul Seixas/Sérgio Sampaio)
4. Eu Acho Graça (Sérgio Sampaio)
5. Chorinho Inconsequente (Edy Star/Sérgio Sampaio)
6. Quero Ir (Raul Seixas/Sérgio Sampaio)
7. Soul Tabarôa (Antônio Carlos/Jocafi)
8. Todo Mundo Está Feliz (Sérgio Sampaio)
9. Aos Trancos e Barrancos (Raul Seixas)
10. Eu Não Quero Dizer Nada (Sérgio Sampaio)
11. Dr. Paxeco (Raul Seixas)
12. Finale (Vinheta)
Rodrigo, não sou da época, mas muito fã do trabalho do Raul, diz a lenda, não sei se é verdade, que ele produziu e lançou este disco sem autorização da CBS e ele foi recolhido do mercado depois de um tempo.
As letras são ótimas.
Tudo lenda, Leandro. A CBS sabia do projeto. Só que o disco foi um festival de encalhe. Se ela não soubesse, o Mauro Motta – que era colega do Raul como produtor e também compositor – não teria produzido esse disco. O próprio Edy Star afirmou que é lenda que o álbum tenha sido feito sem o consentimento do sr. Evandro Ribeiro.
Mas você sabe que às vezes para tornar a história mais deliciosa – dependendo do ponto de vista – inventa-se uma historinha aqui, outra ali e vamos indo…
Abraços!
Valeu por esclarecer Rodrigo.
Obrigado Rodrigo por compartilhar ícones da música desse calibre, que eu não tive o prazer de conhecer. Confesso que tenho preguiça para procurar referências musicais.
Um abraço, Kleber
Grande Rodrigo… agradeço o post, relembrando um grande disco!! Vou ouvir o danado daqui a pouco! Sessão das Dez é uma das músicas do Raul que mais gosto!
Saudações raulseixistas!
O Lp mais corrosivo do rock nacional ate os dias de hoje,na epoca ninguem deu bola pra ele,tambem pudera foi “cassado” pela censura.Toda aquela ingenuidade da “jovem Guarda” não se comparava a este album inspirado em “Tropicalia – Panis at Circenses” (1968), que ano que vem completa 50 anos. Letras de cunho socialista, depois Raulzito foi classificado como um “Adorador do Diabo” em “Novo Aeon” – 1975, o album (aquele que tem “Rock do Diabo” talvez a musica mais controversa dele ate hoje. Paulo Coelho chegou a dar curso de satanismo (aulas) durante a decada de 1970, o Zé Rodrix tava la (ex-maçom)!!