Especial Boesel 30 anos – parte X, Fuji (final)

RIO DE JANEIRO – Já com o título do World Sportscar Championship conquistado por antecipação, Raul Boesel ainda tinha um último compromisso na temporada de 1987 pela escuderia TWR-Jaguar – que a bem da verdade, poderia muito bem ter sido o penúltimo desafio do campeonato. É que o Japão teria duas corridas para encerrar o certame, mas o circuito de Nishi-Sendai acabou vetado por falhar em três inspeções de segurança, reduzindo o calendário a 10 etapas.

A notícia não chegou a abalar ninguém no time britânico. Pelo contrário: o sentimento era de dever cumprido e a missão final era levar a dupla Jan Lammers/John Watson ao vice-campeonato entre os pilotos. O 2º lugar nos 1000 km de Spa-Francorchamps, na corrida em que o brasileiro foi campeão entre os pilotos, deixou a dupla do carro #5 em condições de ainda almejar ultrapassar Hans-Joachim Stuck e Derek Bell na pontuação.

Válida também como 5ª etapa do Campeonato Japonês de Endurance, a prova dos 1000 km de Fuji teve um grid encorpado pela presença maciça de pilotos e equipes locais. Foram 38 os bólidos inscritos, um total que perdeu naquele ano apenas para as 24 Horas de Le Mans. E na busca do vice, Bell resolveu trabalhar sem o parceiro Stuck: o alemão não foi para a última etapa e o britânico se arrumou no Porsche 962C #99 da equipe de Vern Schuppan, em que teria a companhia de Geoff Brabham, filho de Jack Brabham, tricampeão mundial de Fórmula 1.

Os primeiros treinos pelo circuito de 4,470 km – que tinha uma longuíssima reta de 1,6 km e uma chicane na parte mista – foram disputados com chuva e pista molhada. Felizmente o tempo melhorou, o traçado secou e o Nissan da Person’s Racing Team alinhado para Anders Olofsson/Takao Wada conquistou a pole position com o tempo de 1’19″021, superando o Toyota 87C construído pela Dome e entregue ao trio Geoff Lees/Alan Jones/Masanori Sekiya.

Eddie Cheever estaria pela terceira vez ausente na equipe TWR-Jaguar por conflito de datas com o GP da Espanha de Fórmula 1, mas seu irmão mais novo Ross representaria a família: com um Dome de motor Toyota, classificou-se em 3º no grid ao lado do sueco Eje Elgh. A Britten Lloyd Racing foi a melhor entre as escuderias “forasteiras”, com o Jaguar de Lammers/Watson em quinto. Com Johnny Dumfries como parceiro no Japão, Raul Boesel largaria em décimo lugar no grid.

Na primeira parte da corrida, o destaque foi a luta entre o Toyota guiado por Lees e o Jaguar de Lammers. O holandês percebeu que o carro #36 parou mais cedo e repôs mais combustível, o que seria definitivo. “Depois disso”, disse o piloto do carro #5, “senti que o Toyota não estava de fato à nossa frente”.

Ainda sem contrato para 1988 – e depois viveria um drama pessoal, com o suicídio de Barbro Edwärsson, sua mulher e também viúva de Ronnie Peterson – John Watson fez a parte que lhe cabia na pista. Roubou a liderança de Alan Jones, mas um período de Safety Car causado por um acidente entre dois protótipos do grupo C2, devolveu ao antigo campeão mundial de Fórmula 1 a chance de ultrapassar o piloto da Jaguar. Naquela altura, Johnny Dumfries já avançara de 10º para terceiro.

Com um terço de prova, os protótipos japoneses começaram a pedir água. Primeiro, estourou o motor do Dome de Elgh/Cheever. Depois, foi o Toyota então guiado por Masanori Sekiya começar a apresentar problemas de consumo de combustível, passando pelo overboost do turbo até chegar a uma falha definitiva na ignição que fez o carro #36 desistir.

Com metade dos 1000 km previstos, a Jaguar já tinha a dobradinha em mãos, com o Porsche da From A Racing entregue a John Nielsen (parceiro de Boesel em algumas provas pela equipe britânica) e Hideki Okada precedendo outros sete carros do construtor alemão. Mas o #27 preto e amarelo teve problemas mecânicos e parou nos boxes, perdendo nove voltas. Isso permitiu ao #15 de Mauro Baldi/Mike Thackwell chegar à última posição de pódio.

Derek Bell bem que tentou alguma coisa, mas não foi possível nem a ele e a Geoff Brabham se aproximar do ritmo dos adversários. Acabaram com o sexto lugar, a seis voltas. O britânico resignou-se em perder mesmo o vice-campeonato.

Lammers/Watson completaram 224 voltas com pouco mais de 5h40min, completando a disputa quase um minuto à frente de Boesel/Dumfries, o que elevou o brasileiro ao total de 127 pontos (com os descartes), contra 102 de seus companheiros de equipe. Missão mais do que cumprida.

Na classe C2, Fermin Velez/Gordon Spice foram soberanos. Terminaram em 8º ao fim da corrida e sacramentaram a conquista do título mundial. A Swiftair Ecosse nem chegou perto com seus dois protótipos completando a disputa em 14º e 15º na geral, com pelo menos sete voltas de atraso.

E assim terminou a série especial sobre a histórica conquista de Raul Boesel no Mundial de Endurance em 1987. Se há uma prova de que passar vários dias escrevendo dez resumos contando detalhes de todas as corridas foi algo que valeu a pena, então eu digo: querem coisa melhor do que o reconhecimento do próprio Raul Boesel, elogiando as postagens?

Não posso querer mais do que isso…

Comentários

  • Sempre acesso diariamente o Flávio Gomes e seu blog mas geralmente não comento. Parabéns pela enciclopédia viva que és. Bom fim de semana.

  • Veja só, Mattar: isso não existe, no mundo de hoje. Quem é que resgata informação, com essa abrangência e profundidade? Ninguém. Aliás, desculpe: só o Rodrigo Mattar!
    Esse trabalho é genial e bonito.
    Não é para ser lido numa ‘internetada’ qualquer; é para ser saboreado. De vez em quando, é para voltar aqui e lembrar como foi isso ou aquilo.
    Tá faltando Rodrigo Mattar no mundo contemporâneo.
    Muito obrigado!

  • Parabens pelo grande trabalho, Rodrigo, você mostrou detalhes muito interessantes de cada uma das provas e li atentamente cada uma das postagens. Foi muito bom poder lembrar desta importantissima conquista de mais um brasileiro de sucesso por esse mundo afora. Eu particularmente sou um grande fã de endurance e isso apenas somou pra que eu pudesse apreciar ainda mais as suas postagens, por isso dou todo o apoio para ver muito mais desse material de qualidade que você produz aqui no seu blog. Minha audiência você terá sem dúvida. Um abraço e parabéns novamente!

  • Sensacional, espetacular. Eu até hoje não consigo entender porque o Raul não continuou no esporte protótipo. Teria sido uma lenda. Concorda? Também faço minhas palavras todos os comentários acima.