Triquet, 30 anos

201210301112755_Piquet_DR
Aconteceu de tudo em 1987 com Nelson Piquet: o brasileiro driblou politicagens e picuinhas internas numa equipe dividida, além de um acidente terrível que afetou sua carreira e vida dali para diante, para derrotar Nigel Mansell com competência, sorte e malandragem e ser o primeiro brasileiro tricampeão de Fórmula 1

RIO DE JANEIRO – Trinta de outubro de 1987, um dia do qual não esqueço. E poderia?

Era sexta-feira, véspera de mais uma corrida do Mundial de Fórmula 1. Seria o fim de semana do Grande Prêmio do Japão, que voltava após uma década fora do calendário e poderia apontar o primeiro brasileiro tricampeão de automobilismo.

Eram tempos jurássicos em matéria de comunicação perto do que temos hoje, com as redes sociais que atuam para o bem e, infelizmente e também, para o mal.

Por isso, era difícil saber notícias em tempo real sobre o que acontecia em Suzuka, pista de propriedade da Honda que sediaria a 15ª e penúltima etapa do campeonato.

Mal cheguei para a aula à tarde no Colégio e Curso Martins, lá no Méier, um colega de sala que sabia da minha paixão por automobilismo, avisou: “Piquet é tricampeão”.

“Não pode ser, a corrida é só domingo”, respondi. “É, mas o Mansell bateu e não corre mais”, devolveu o camarada.

Fui verificar no Jornal Nacional e foi aí que vi a imagem da Williams FW11B do Leão se estoporando numa barreira de pneus na saída dos esses do circuito japonês, seguida de um esgar de dor do rival e companheiro de equipe que tantas dores de cabeça deu a Piquet em dois anos de Williams.

Dois anos de políticas rasteiras, decisões duvidosas e picuinhas que fizeram ambos os pilotos serem derrotados por Alain Prost em 1986, fazendo com que Nelson pensasse diferente para o ano seguinte. Teria que rachar a equipe e usar seus engenheiros e mecânicos para derrotar o maior inimigo, que estava a seu lado.

imola874
1º de maio de 1987: quase que a fatídica curva Tamburello e seu muro acabaram com a vida e a carreira de Nelson Piquet, num acidente causado por um furo de pneu

Piquet começou com um 2º lugar num GP do Brasil, nocauteado pelos papéis atirados pela torcida nas arquibancadas de Jacarepaguá, e que lhe ocasionaram um superaquecimento. E veio então o 1º de maio de 1987, uma sexta como a do tricampeonato, trazendo a dose de drama que a temporada do brasileiro não precisava.

Um furo de pneu foi o responsável pelo acidente mais pavoroso sofrido por Piquet até antes de Indianápolis. A panca o impediu de correr no GP de San Marino e o brasileiro sofreria, para o resto do ano e de sua carreira, as consequências de uma porrada monumental.

Piquet admitiu, tempos depois, que o acidente lhe afetou seriamente. No físico – logo ele, que não era um superatleta – e no psicológico. Passou a dormir poucas horas de sono, teve os reflexos afetados e a profundidade visual também foi afetada. Em suma: ficou um piloto mais, digamos assim, “lento”.

Em duas semanas, Nelson estava de volta para abandonar no GP da Bélgica em Spa-Francorchamps por quebra de motor. Depois, colecionou segundos lugares em profusão. Num deles, teve o mérito de recuperar nas ruas de Detroit após um furo de pneu, vindo de 23º lugar. Noutro, optou por não trocar de pneus numa batalha contra Nigel Mansell em Silverstone, quintal de casa do seu adversário e companheiro de equipe. A manobra não surtiu efeito e o Leão deu um baile em Piquet.

Alemanha 87
Piquet dizia: “Vou correr pra chegar em segundo”. Mas a vitória em Hockenheim, aplaudida no pódio por Stefan Johansson e por Ayrton Senna virou a chave a favor do brasileiro. Foi a corrida em que assumiu a liderança do campeonato e não mais a perderia

O brasileiro já tinha dito o seguinte: “Vou correr para chegar em segundo”. Mas acabou sendo bafejado pela sorte, quando mais precisou dela. Ganhou o GP da Alemanha e depois, na Hungria, foi premiado com a queda de uma prosaica porca de roda do carro de Mansell. Era bom demais pra ser verdade… e o detalhe é que Piquet já estava assinado com a Lotus para 1988, o que faria a Williams perder os motores Honda, já que a prerrogativa para a manutenção da parceria era a permanência de Piquet na equipe inglesa – o que não aconteceu.

No famoso GP da Áustria de três largadas, Nelson não pôde com Mansell na pista e se divertiu quando viu o britânico dar uma testada monumental numa passarela dura como pedra, o que fez Nigel a participar da coletiva pós-corrida com uma bolsa de gelo na testa para diminuir o enorme galo que se formou em sua cabeça.

podiomonza1987
Campione: no pódio de Monza, ladeado pelos rivais Mansell e Senna, que não puderam com ele naquela corrida, Piquet foi celebrado pela multidão que lotava o templo sagrado da Fórmula 1

Em Monza, após testar exaustivamente a suspensão ativa – que Mansell se negava a desenvolver – Piquet conquistou uma vitória épica e deu o passo que precisava para ser campeão, muito embora a Williams pouco colaborasse. Tanto que Patrick Head lhe tirou o carro com suspensão ativa e devolveu-lhe o sistema convencional para, segundo o próprio dirigente, “igualar as possibilidades de seus dois pilotos”.

Mesmo fragilizado física e internamente, Piquet sempre foi mais inteligente que Mansell, mas o britânico, após falhar em Portugal e o brasileiro chegar em 3º, venceu as duas corridas seguintes. Na Espanha, a apresentação de Piquet foi de principiante. Pole position, não conseguiu traduzir na pista o que se esperava dele e o resultado foi uma corrida cheia de erros, irreconhecível para o padrão Piquet de excelência.

No México, o problema foi Alain Prost, que na primeira volta acertou a Williams do brasileiro e jogou-o para último. Sorte de Piquet que Derek Warwick estatelou sua Arrows na curva Peraltada e a prova foi interrompida em bandeira vermelha. Na relargada, Nelson sumiu de Mansell, insuficiente para lhe dar os nove pontos com a soma dos tempos das duas “baterias”.

2c1d37cd6dcdd45cbefbee9f231e9e80
Assim como em 1981, a Williams era uma equipe dividida. Mas Piquet, mais inteligente que Reutemann naquela ocasião, jogou o jogo que podia para ser tricampeão e entrar para a história, mesmo que seus feitos continuem subestimados – especialmente aqui no Brasil

Àquela altura, Piquet tinha 76 pontos, mas dentro do que previa o regulamento da época, valiam os 11 melhores resultados num total de 16 provas. Mansell tinha 61 e tinha cinco abandonos – portanto, zero descartes. Todos os pontos do Leão seriam válidos, enquanto Nelson jogaria fora três pontos e quantos mais precisasse, caso chegasse ao fim em Suzuka e em Adelaide, na última etapa do campeonato de 1987.

Mas não foi necessário. O acidente de Mansell na sexta-feira encerrou a questão e Piquet – que curiosamente jamais foi campeão aos domingos – chegava ao fim do campeonato com a certeza de ter conquistado um dos títulos mais difíceis de sua carreira. Muito menos prazeroso do que vencer os três franceses em 1983 e, sem dúvida nenhuma, muito mais  estressante do que duelar contra uma raposa velha como em 1981, contra Carlos Reutemann.

Sempre digo que Piquet, dos grandes campeões da história do automobilismo, é o mais subestimado. Mas é, também, aquele que conseguiu ganhar três campeonatos com três motores diferentes – o que nenhum outro dos que estão a seu lado no ranking conseguiu. Foi vitorioso com Ford Cosworth, BMW e Honda. Inclusive, foi o primeiro piloto campeão com os motores japoneses – o que merece ser registrado.

Como também merece ser revivida, lembrada e celebrada essa data histórica para o automobilismo brasileiro e mundial.

Comentários