40 anos de um pódio histórico

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O maior momento da história da única equipe brasileira da Fórmula 1 foi vivido em 29 de janeiro de 1978, há exatos 40 anos atrás

RIO DE JANEIRO (Recordar é viver…) – “Vale mais do que as 14 vitórias que tenho”.

Assim, Emerson Fittipaldi descrevia naquele hoje distante 29 de janeiro de 1978 o momento que vivera a bordo do Copersucar-Fittipaldi F5A.

Naquela data, há quarenta anos, foi disputado o GP do Brasil de Fórmula 1. Tempos em que a categoria máxima começava seus campeonatos logo no início do ano. Eram excursões à América do Sul, para provas aqui e na Argentina, debaixo de um sol de rachar catedrais em ambos os países.

A corrida também marcava a primeira passagem dos carros da categoria pelo Rio de Janeiro. Reinaugurado pouco tempo antes, em 1977, o agora extinto e igualmente saudoso Autódromo de Jacarepaguá recebeu uma multidão incrível para assistir à 2ª etapa do campeonato de 1978.

Emerson e a equipe Copersucar vinham sofrendo críticas de todos os lados nas duas primeiras temporadas em que o bicampeão mundial fizera pela escuderia brasileira após deixar a McLaren, pela qual conquistou o Mundial de Pilotos de 1974 e o vice-campeonato de 1975.

Inclusive, experimentou o dissabor de por três vezes não se classificar para o grid de largada. A imprensa carregava nas tintas. “Açucareiro” e “Tartaruga” eram os apelidos até mais carinhosos, embora não deixassem de ser jocosos. O clima era péssimo e, para piorar, a TV Globo não transmitia todas as corridas daquelas temporadas.

Mas a emissora carioca, com Luciano do Valle e Ciro José Gonsales (Reginaldo Leme estrearia naquele mesmo ano, mas não nessa oportunidade), transmitiu o GP do Brasil. Eu tinha quase sete anos naquele 29 de janeiro. Lembro do fortíssimo calor, daquele domingo de sol. Mas incrivelmente, me recordo muito pouco da corrida. Só assistindo os vídeos no YouTube – há vários – e lendo a Quatro Rodas com a cobertura daquela prova, pra saber dos detalhes.

E que detalhes!

Pra começar que Emerson Fittipaldi saiu na porrada com um fiscal de pista no treino de quinta-feira, que era praxe da Fórmula 1 quando uma pista nova estreava no calendário – ou regressava, já que três anos depois, em 1981, também houve sessões livres numa quinta-feira em Jacarepaguá.

Depois, com o 7º tempo no treino classificatório, quebrou o eixo-piloto do motor de arranque quando Emerson saía para o alinhamento 20 minutos antes do fechamento do box, por ordem do irmão e chefe de equipe, Wilsinho Fittipaldi.

O Tigrão tinha um ás na manga: o carro-reserva. Tudo o que se fazia no titular era passado para o outro chassi, que ficou sobre cavaletes no final de semana inteiro. Ou seja, não havia andado um único metro.

Perdido, perdido e meio. Emerson foi para o bólido reserva e recebeu a orientação de voltar pro box se houvesse algum problema. Do contrário, iria para o grid. Em uma volta, o Rato parou direto no alinhamento.

Wilsinho e Ricardo Divila, ressabiados, não sabiam o que iriam ouvir. Mas a resposta foi a melhor possível. Olhos brilhando, Emerson levantou a viseira do capacete e disse. “O carro-reserva está melhor que o outro”.

Tudo isso numa única volta.

E a corrida de Emerson foi brilhante. Largou bem, superando a McLaren de Patrick Tambay e a Ferrari de Gilles Villeneuve já na primeira volta, assumindo o 5º lugar. Chegou a baixar para sexto, quando o canadense recuperou uma posição e voltou a quinto na nona passagem, com o abandono de James Hunt.

Emerson superou de novo Villeneuve e depois deixou para trás nada menos que o pole position Ronnie Peterson, enquanto Carlos Reutemann, líder desde a largada, abria um segundo por volta graças ao formidável desempenho dos pneus Michelin em sua Ferrari.

Na 12ª volta, o Rato já era terceiro e um resultado como este era bom demais pra ser verdade. E assim foi, até quando o pelotão de 22 pilotos que largaram foi reduzido praticamente à metade e restavam menos de 15 voltas para o final.

Naquela altura, sem conseguir alcançar um imparável Reutemann, Mario Andretti tinha graves problemas de motor em sua Lotus. O público percebeu. E pelo burburinho e pelos gestos que a torcida fazia nas arquibancadas de madeira herdadas do desfile de Carnaval da Presidente Vargas, Fittipaldi viu que dava para passar Andretti, vencedor sem contestação da primeira etapa, em Buenos Aires.

Na 57ª volta de um total de 63 previstas, o esforço valeu a pena. Emerson alcançou a doente Lotus 78 e fez uma bela manobra de ultrapassagem na Curva Norte. Delírio coletivo em Jacarepaguá.

Aí, foi só festa. Não deu para alcançar Reutemann, mas a festa da torcida foi incrível. Um resultado muito comemorado, de forma sincera e genuína, por todos da equipe e pela multidão. Nunca se tem notícia de um 2º lugar tão comemorado por brasileiros num esporte – talvez o vice do vôlei masculino no Mundial de 1982 e nos Jogos Olímpicos de 1984 tenham sido celebrados, mas não daquele jeito.

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A peça publicitária que celebrava o resultado histórico. “Dois brasileiros no podium”: Emerson e o Copersucar-Fittipaldi

Wilsinho, Divila, Darci Medeiros, choravam. Emerson, também. E a prova de que aquele resultado não foi fruto do acaso é o desempenho da Copersucar-Fittipaldi no Mundial de Construtores de 1978. A equipe terminou em 7º lugar com 17 pontos, na frente da McLaren, já uma potência, mas que vivia um momento ruim em sua história.

Da mesma forma, o time brasileiro também tem outra façanha digna de registro, ao superar a Ferrari no Mundial de Construtores de 1980 – pelo mesmo motivo que a McLaren foi superada, mas talvez pior: a Ferrari tinha sido a equipe campeã do mundo com Jody Scheckter e também vitoriosa entre os Construtores. No ano em que a Copersucar jogaria todas as suas fichas no projeto do “poeta” Ralph Bellamy, marcando apenas um ponto – ainda com o F5A, já que o F6 foi a “cruz” da escuderia brasileira.

Foi – e ainda é – uma história única de superação, de uma equipe incompreendida, injustiçada e enxovalhada por uma imprensa que não entendia rigorosamente nada das dificuldades de se fazer uma organização ser competitiva na Fórmula 1. Se já era difícil nos anos 1970 e 1980, imaginem hoje. Imaginem depois como será…

Ah! E a Fittipaldi tem muito do que se orgulhar. Os compêndios mostram que em 103 corridas a equipe brasileira somou 44 pontos e conquistou três pódios – Emerson ainda seria 3º em Long Beach/80 e Keke Rosberg, na estreia dele no time, foi 3º em Buenos Aires, também em 80.

Esses 44 pontos mostram que a Fittipaldi fez mais na Fórmula 1 do que equipes que consideramos míticas como a Minardi, que alcançou 38 pontos em mais de 300 GPs disputados. O cartel é melhor que o de projetos como o da Penske, da Eagle de Dan Gurney e da Parnelli, todos criados nos EUA.

Quer mais? Os brasileiros têm mais pontos somados que Dallara, Larrousse, Rial e Osella, times de algum relevo nos anos 1980/90, sem contar a Super Aguri, que tinha suporte da Honda.

Então, meus amigos, não há mais nada a ser dito. Se não deu certo, paciência. O que ficou pra sempre foi esse momento que ainda nos emociona e merece ser celebrado daqui a 45, 50, 55, 60 anos… e por toda a eternidade.

Comentários

  • Como escrevi no blog do Flávio Gomes, eu estava lá, como “bandeirinha” na saída da curva Sul.
    Acho que eu era “pé quente”, porque a primeira vez que fui “bandeirinha” na Fórmula 1, foi no GP Brasil de 1975, vitória de Moco com Emerson em segundo.
    Interessante como todos lembram do episódio da briga do Emerson com o comissário de apelido “Pulguinha”, que era enorme, um gigante, mas para sorte do nosso piloto, era um gentleman, muito calmo e jamais o vimos utilizar seu corpanzil para se impor.
    Também me lembro que os organizadores nos forneceram pastilhas de sal, para evitar problemas com o extremo calor que enfrentaríamos naqueles dias.
    A equipe Fittipaldi conseguiu resultados muito bons, mas infelizmente no Brasil, assim como acontece com os pilotos que não ganham tudo , ou morrem cedo, virou
    vítima de gente que não sabe valorizar o excelente trabalho que fizeram.
    É importante lembrar também os técnicos que passaram pela equipe, que se ainda não eram conhecidos ou reconhecidos, em pouco tempo se tornaram figuras disputadas pelas equipes com orçamento muito maior que a equipe brasileira:
    Ricardo Divila, Jo Ramirez, Adrian Newey, Harvey Postlethwaite, para citar alguns.
    Quanto ás colocações nos campeonatos, se não estou enganado, naquele tempo somente o carro mais bem colocado da equipe contava pontos. Mesmo assim, tendo a Fittipaldi apenas um carro em quase todas as temporadas que disputou, ficava em desvantagem diante das equipes com 2 carros, pois quebrando ou tendo problemas, não teria um outro carro que pudesse conseguir os pontos.
    Abraços.

  • Rodrigo,

    Acompanhei tudo na época e infelizmente parte da imprensa fazia muita chacota com o Emerson e com o carro, não valorizaram o que foi feito. Quantos países no mundo conseguiram construir um F1? Pelos dados que você citou os resultados foram ótimos para uma equipe em que muita coisa foi desenvolvida no Brasil.
    A Embraer por exemplo esteve envolvida. Infelizmente o Brasileiro tem o chamado complexo de vira latas e também se o piloto não for campeão é crucificado. Me lembro de um personagem de um programa humorístico de TV da época denominado Emerton, caracterizado de piloto, criado para ridicularizar nosso Bi campeão. Obrigado pela lembrança!

    Márcio

  • Como nasci em 1983 não vivi esta época “mágica”, mas graças ao seu trabalho pude conhecer melhor esta bela equipe que aprendi a admirar, respeitar e valorizar.

  • Caro Rodrigo:
    Acho que os parágrafos finais resumem o que foi a equipe Fittipaldi. Números que não deixam nada a dever…
    Infelizmente, brasileiro acha que ser segundo é ser o primeiro perdedor. Não sabemos valorizar os feitos daqueles que se aventuram mundo afora levando o nome do país.
    Na época desta corrida, eu já estava com 13 anos e já era apaixonado por F1. Lembro de estar em viagem de retorno entre o RS e o interior de SP e numa parada, consegui sintonizar a rádio Jovem Pan. Não sei quem era o narrador daquele dia, mas lembro da emoção sem fim daquele homem, gritando, enaltecendo o feito de Emerson e toda a equipe.
    Realmente é uma pena, pessoas que não entendem do assunto, tentar falar a respeito. Só falam porcaria pra não dizer uma palavra mais pesada e fedorenta…
    Pena não ter dado certo. Pior ainda, mesmo depois de tantos anos, poucos falam bem do que foi esta empreitada nacional e várias vezes ainda fazem chacota…
    E os Fittipaldi ainda ficaram com uma dívida enorme pra pagar pois levaram rasteiras de todo lado(algo em torno de 7 milhões de dólares)…
    Um grande abraço e sim, vamos lembrar sempre deste feito nacional.
    Abraços e sorte