Discos eternos – The Dave Brubeck Quartet at Carnegie Hall (1963)

RIO DE JANEIRO – Dave Brubeck (1920-2012) foi muito possivelmente o maior pianista que o Jazz conheceu. O gênero típico dos EUA trouxe com o tempo outros gênios em diversos instrumentos, mas o músico talvez seja insuperável em termos não só de carisma como também de classe e sobretudo musicalidade à frente de seu instrumento.

No início dos anos 1960, o Dave Brubeck Quartet já era uma instituição da música. Também pudera: com o saxofonista Paul Desmond (outro gênio), o baixista Eugene Wright e o baterista Joe Morello, ele tinha o melhor grupo de seu tempo. Os quatro tocaram juntos por uma década (Desmond foi do grupo desde o início em 1951, até 1967) e gravaram álbuns memoráveis, afora as apresentações ao vivo – que também foram registradas para a posteridade.

Tivemos a sorte da Columbia Records apostar num show no Carnegie Hall, que um ano antes assistira à chegada da Bossa Nova ao mercado internacional, com o famoso show patrocinado pela gravadora Audio Fidelity de Sidney Fry, em que a “Grande Maçã” foi conquistada por João Gilberto, Sérgio Mendes e principalmente Tom Jobim.

Eles não foram os únicos a fazer carreira lá fora. Mas foram os artistas mais bem sucedidos daquele espetáculo.

É possível que alguém do Dave Brubeck Quartet tenha visto aquele show – talvez o próprio Dave, que compôs e lançou a sua “Bossa Nova U.S.A.”, logo depois, em 1963 – inclusive dando nome a um de seus trabalhos de estúdio.

E cabe observar: a Bossa Nova brasileiríssima, inclusive, tinha claras influências jazzísticas – mas havia algo diferente que os ianques não tinham, como a tal “batida” do violão de João Gilberto, por exemplo.

Enfim… isto posto, o grupo se apresentou em 1963 no dia 22 de fevereiro daquele ano para um show memorável – e que tinha tudo para dar errado.

Não apenas porque o baterista Joe Morello ainda convalescia de um forte resfriado que o deixara de cama no inverno, como também houve uma greve dos jornais – que circulavam à larga em Nova York naqueles tempos. O grupo temia que o público comparecesse em número menor que o imaginado. Preocupações infundadas: os 2.804 lugares do Stern Auditorium, o principal do hoje centenário estabelecimento, estavam todos ocupados.

A plateia foi brindada com um show de altíssimo nível não só pela qualidade dos músicos como também pelo repertório, que incluiu dois dos grandes clássicos de Dave Brubeck e Paul Desmond – os maravilhosos temas “Blue Rondo à la Turk” e “Take Five”, recebidos ambos com enorme entusiasmo, com os “ehhhh” característicos dos shows e uma saraivada de aplausos. As músicas eram – e continuam sendo – sensacionais. E não só isso: todas as faixas vieram com longos improvisos, fazendo a delícia dos fãs do gênero que permite tudo. Ou melhor, quase tudo, em termos de ‘viagens’ musicais.

Ponto para o produtor Teo Macero, que se preocupou com que o público ouviria em casa. E como resultado, um raro álbum ao vivo praticamente sem cortes. O disco duplo na época veio com 12 faixas e o espetáculo, que durou quase 1h45min, está quase todo ali. Nenhuma nota ou frase musical foi editada e/ou apagada.

A única mudança para permitir a edição do álbum em formato duplo foi a mudança de duas faixas. “It’s a Raggy Waltz” foi movida mais para trás, ou seja, abriu o lado B do segundo disco. No show, a música foi executada depois de “Eleven-Four”, que abriu o lado A desse segundo disco, que tem a cereja do bolo, exatamente os clássicos do Dave Brubeck Quartet.

Não à toa, os críticos de jazz, sempre exigentes, se derreteram em elogios. Jim Santella escreveu na publicação All About Jazz que tratava-se de “uma música atemporal de um conjunto clássico”. Thom Jurek, por sua vez, descreve o disco ao vivo do Carnegie Hall como “um dos grandes álbuns de jazz ao vivo dos anos 1960”. Outro dos jornalistas especializados, George Simon, do New York Herald Tribune, fez o texto de capa que cobre o pianista com incenso, ouro e mirra. Com inteira justiça.

E só nos resta concordar que Dave era o cara. Mas Paul Desmond também era demais – justiça seja feita.

Ficha técnica de The Dave Brubeck Quartet at Carnegie Hall
Selo: Columbia Records/Sony Music
Produzido por Teo Macero
Gravado ao vivo no Carnegie Hall em 22 de fevereiro de 1963
Tempo total: 1h43min53seg

Músicas:

1. St. Louis Blues (W.C. Handy)
2. Bossa Nova U.S.A. (Dave Brubeck)
3. For All We Know (J. Fred Coots/Sam M. Lewis)
4. Pennies From Heaven (Arthur Johnston/Johnny Burke)
5. Southern Scene (Briar Bush)
6. Three To Get Ready (Dave Brubeck)
7. Eleven-Four (Paul Desmond)
8. King For a Day (Dave Brubeck/Iola Brubeck)
9. Castillian Drums (Parte I e II)
10. It’s a Raggy Waltz (Dave Brubeck)
11. Blue Rondo à la Turk (Dave Brubeck)
12. Take Five (Paul Desmond)

Comentários

  • Obrigado pela lembrança, Mestre Mattar. Fazia tempo que eu não escutava esta obra prima.

    Vou relembrá-la hoje a noite.

    Abraços

    Leandro

  • Eu fui prédestinado a possuir até hoje este long play do Dave Brubeck sou contrabaixista e quando escuto o disco sintome transportado como se estivesse no proprio show – é de uma sensação sem palavras para explicar -é surréalista ! Alguns anos mais para frente tive a feliz oportunidade de prèsenciar ao vivo a apresentação do Dave Brubeck em São Paulo no Teatro Municipal -estou com 83 anos de idade e praticamente escutei ao vivo quase todos os melhores musicos de jazz américanos ! E tambem toquei Com os mesmos como convidado e certa vez profissionalmente Com uma banda de New Orléans aqui em sao Paulo no hôtel Hilton durante très semanas – e tambem toquei nos USA mais de quarenta shows nos anos de 1974 e 1975 um mez em cada ano – participei do Festival Héritage Jazz em New Orléans em 1975 e a nossa banda foi considérada pela imprensa especial a melhor banda estrangeira se apresentar nos USA
    (A banda éra a primeira formação do Traditional Jazz Band da qual fiz parte durante nove anos !)

    • Puxa, Daniel… que história de orgulho! Desculpe só ter comentado agora, meses depois. Espero que esteja bem em meio a essa Pandemia. Que legal o seu retorno sobre esse disco, que eu acho bárbaro. Abraços!