30 anos de Senna, parte II – GP de San Marino

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Alain Prost (à esquerda) gira as rodas em falso na largada: o pulo ruim do francês praticamente decide os rumos do GP de San Marino, segunda etapa do campeonato de 1988

RIO DE JANEIRO – Início de temporada em 1988 e Alain Prost começa rapidamente a conhecer Ayrton Senna. E vice-versa. O relacionamento de ambos na McLaren é cordial, mas com alguma desconfiança. Ambos tinham certeza de que a luta seria árdua pelo título. E principalmente nos bastidores. Conseguir o melhor tratamento possível da Honda dentro da equipe era fundamental.

Ayrton e Alain. Duas espécimes da mesma raça de gênios obcecados, meticulosos, maníacos e caprichosos. Um, que vivia do e para o automobilismo, era pela perfeição. O outro, infelizmente, pelas guerras sujas de bastidores, que o brasileiro não tardaria a conhecer.

Cada qual a seu modo, dois pilotos brilhantes. E que estariam dividindo cada metro de pista no GP de San Marino, 2ª etapa a se realizar numa data fatídica: 1º de maio. Senna respeitava Prost e não raro citava o francês como “referência”. E como tal, queria derrotá-lo. Após engolir a frustração da desclassificação no GP do Brasil, reagir era preciso.

E pelo visto a McLaren não teria nenhuma concorrência. A Ferrari obrigava seus pilotos a tirar o pé e reduzir a pressão do turbo. Em contrapartida, os italianos tinham um novo mapeamento de eletrônica para conseguir se entender com a válvula pop-off da FIA a 2.5 atmosferas de pressão e acabar com os 50 HP a menos que separavam Maranello da Honda.

O problema da Lotus era o chassi. Nelson Piquet, franco como sempre, chamara o carro de “uma merda” em Jacarepaguá. Nem com o mesmo motor de Senna e Prost, o tricampeão conseguiria ser rival não só ali em Imola como no restante do campeonato. E ele não tardaria a perceber que a escolha foi a mais furada possível…

Entre os carros de motor aspirado, a Benetton despontava com um ligeiro favoritismo diante da Williams e a Dallara apresentava seu carro para a Scuderia Italia. Projetado por Sergio Rinland, o bólido do time italiano tinha apenas a pretensão de largar em sua primeira prova de fato na Fórmula 1.

Não houve pré-qualificação para o GP de San Marino, por conta de uma infração cometida pela Osella. O novo FA1L, com linhas mais harmoniosas, foi apresentado para o campeonato de 1988, mas havia quebrado a regra que exigia um chassi do ano anterior, com a montagem dos pedais em frente ao eixo dianteiro e não em paralelo, como acontecia com os modelos de aspiração normal. O comissário técnico Gabriele Cadringher vetou o Osella e Larini foi impedido de disputar a corrida.

Nos treinos, Ayrton Senna emplacou a segunda pole position em duas provas – o tempo de 1’27″148 do piloto brasileiro foi 0″771 melhor que o de Alain Prost.

Isso era o de menos: Nelson Piquet foi o terceiro, a longuíssimos TRÊS segundos e trezentos e cinquenta e dois milésimos. Era a McLaren mostrando que havia a Fórmula 1 dela e as demais equipes eram o resto.

A Ferrari levou três segundos e meio de luneta com Berger e quatro segundos e três décimos, com Alboreto. Oscar Larrauri não classificou o EuroBrun e as duas Ligier de René Arnoux e Stefan Johansson, mesmo com uma nova suspensão traseira, também ficam de fora. Bernd Schneider foi outro que não conseguiu estrear na categoria.

Na formação do grid, o que já era ruim para a Ferrari, piora de vez: o carro de Alboreto se recusa a partir para a volta de apresentação e aquecimento de pneus. O italiano consegue ganhar a pista, mas terá que largar de último, com uma embreagem defeituosa.

A largada decide a corrida. Senna arranca melhor e Prost deixa as rodas patinarem, caindo para sétimo atrás de Piquet, Nannini, Patrese, Berger e Cheever. Ainda no primeiro giro, a Benetton de Nannini avança para 3º e Prost ganha a posição de Eddie Cheever.

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Dominante nos treinos e pole position pela segunda vez em 1988, Senna queria apagar a desclassificação do GP do Brasil. E conseguiu, vencendo pela primeira vez no campeonato

Em quatro voltas, Senna ganha na média um segundo por volta para um Piquet preocupado com o consumo do motor Honda e com um carro fraco. Prost já supera Alessandro Nannini, enquanto Berger luta com Patrese pela terceira posição. Mas em duas passagens, o francês volta ao segundo posto, primeiro superando Patrese na curva Villeneuve e depois a Lotus de Piquet, com alguma facilidade.

Com onze voltas, Senna tem Prost sob controle. O francês está a sete segundos e meio do líder e Piquet, por seu turno, lida com a tremenda pressão dos adversários que o perseguem. O tricampeão perde terreno e logo a diferença entre ele e as duas McLaren já é de 22 segundos.

Ayrton e Alain viram tempos muito próximos, com o brasileiro conseguindo voltas mais rápidas que o francês. Por seu turno, na 20ª passagem, a margem dos líderes sobre Nelson Piquet já chega a 30 segundos. E as disputas atrás do piloto da Lotus são acirradas, com Patrese enfrentando não só Alessandro Nannini como também a outra Benetton, com Thierry Boutsen, aos quais se junta Nigel Mansell.

A preocupação de todos – inclusive os times de motores aspirados – é o alto consumo de combustível, característica marcante do GP de San Marino naqueles tempos. Prost, inclusive, vira tempos muito altos, tentando salvar gasolina para não ser surpreendido no final. Nessa altura, com Senna líder a 10 segundos, Nannini se empolga e vai à caça de Piquet. É a primeira corrida em que o italiano tem um carro razoável e ele quer mostrar que os dois anos de Minardi escondiam o seu talento.

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Coadjuvantes de luxo: Piquet e Nannini animam a corrida dominada pelas McLaren na luta pelo 3º lugar

Na metade da disputa, as McLaren têm quase meia pista sobre o resto. Sandro está grudado em Nelson, a meio segundo do tricampeão da Lotus. Boutsen é o quinto, seguido por Mansell, Patrese, Berger, Cheever e, por fim, Alboreto – que conseguiu recuperar várias posições após largar da última posição.

A vida de Piquet não é fácil. Os retardatários não colaboram e pelo menos um deles, o espanhol Luis Perez-Sala, da Minardi, não olha nos espelhos retrovisores e espreme a Lotus #1 para fora da pista. Boutsen não consegue passar Nannini e enfrenta problemas com o escapamento, que faz seu motor girar com um cilindro a menos. Mansell deixa enfim o belga para trás.

Alessandro continua a pressão sobre a Lotus do tricampeão, até que na 36ª volta perde o controle do carro na curva Tosa e roda, perdendo três posições. Enquanto os líderes seguem inabaláveis – Senna como um relógio e Prost, com voltas rápidas, desconta milésimos para o brasileiro – Piquet tem problemas de consumo de combustível e tem que tirar o pé, permitindo que Nigel, seu antigo rival e desafeto, se aproxime na luta pelo último lugar do pódio.

A animação chega ao fim quando um problema mecânico tira Mansell de combate e o inglês é obrigado a abandonar. Nessa altura, Senna vira uma volta em 1’30″450 e mantém Prost sob controle. Piquet volta a se preocupar com a dupla da Benetton, mesmo com o carro ‘manco’ de Boutsen. Na liderança, os dois pilotos da McLaren dão tudo o que têm, especialmente o francês: com sobras de equipamento, começa a virar voltas de classificação. Alain marca 1’29″927 numa volta e depois, 1’29″685, usando mais pressão no turbo.

Nas últimas voltas, Ayrton segue líder, mas preocupado com uma possível pane seca, tira o pé. Mesmo assim, ele e Prost humilham a concorrência. Piquet, mais do que todos: ele era o campeão mundial, tinha o número #1 em sua Lotus amarela e toma uma volta completa dos dois pilotos da McLaren.

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Ayrton ergue o troféu da vitória em San Marino: a batalha estava apenas no seu início…

Senna vence sua primeira prova pela nova equipe, apesar da distância de 2″334 no cronômetro, que não traduz de fato o que foi a corrida. Os demais são meros coadjuvantes e Piquet, terceiro, tem que engolir a superioridade rival. Boutsen, mesmo com o carro mal de rendimento, chega em quarto e soma pontos importantes, com Berger em quinto e Alessandro Nannini marcando o primeiro ponto da carreira na Fórmula 1.

Placar: Senna 1 x 1 Prost. Porém, na classificação dos pilotos, Alain lidera com 15 pontos, contra nove de Senna e oito de Piquet e Berger. O aviso fora dado: a McLaren não tinha adversários e os outros que tentassem ser, no mínimo, dignos para perceber que ninguém tinha condição de bater Ayrton e Alain em condições normais.

Próximo post – Mônaco.

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