30 anos de Senna, parte VIII – GP da Inglaterra

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Nunca Silverstone foi tão “Silvastone” quanto no GP da Inglaterra de 1988

RIO DE JANEIRO – Sem demora, a Fórmula 1 chegou ao templo do automobilismo europeu. Silverstone receberia a oitava etapa do Campeonato Mundial de 1988, com um típico clima britânico para os 31 pilotos postulantes às 26 vagas do grid. E se havia uma pista onde Ayrton Senna poderia usar de todo o seu conhecimento para derrotar Alain Prost e empatar com o companheiro de equipe em número de vitórias – essa era Silverstone.

Ou “Silvastone”, para a imprensa local, que apelidou assim o traçado de 4,778 km de extensão pelos constantes shows do brasileiro nas categorias de base – Fórmula Ford 1600, Fórmula Ford 2000 e Fórmula 3 inglesa. Tantas e tão espetaculares foram algumas dessas vitórias que os britânicos, que adoram trocadilhos e ao mesmo tempo são refratários a pilotos que não sejam do Reino Unido, se acostumaram com as peripécias de Senna. Por isso a corrida da Inglaterra era tão aguardada.

Mas o cenário aparentemente favorável ganhou um novo colorido nos treinos. Um colorido vermelho.

A Ferrari conseguiu ser competitiva em ritmo de classificação como em nenhuma outra corrida conseguira antes, lembrando aquela mesma equipe que encheu os olhos de todo mundo no fim de 1987. Até o pole foi o mesmo – Gerhard Berger, com 1’10″133 e média horária acima de 245 km/h, com Michele Alboreto em segundo.

Senna conformou-se com o 3º lugar, ligeiramente melhor que Prost e a meio segundo da pole. E a surpresa foi as duas Leyton House March na terceira fila: Maurício Gugelmin também conhecia os atalhos de Silverstone e com um carro que começava a mostrar progressos, foi o quinto no grid com Ivan Capelli em sexto.

Nem o fato de Silverstone ser um circuito de alta salvou os dois Zakspeed da eliminação sumária do grid junto a Oscar Larrauri e a Stefan Johansson, com uma Ligier simplesmente irreconhecível em 1988. Gabriele Tarquini não avançou para os treinos oficiais pelo terceiro GP consecutivo.

E os bastidores fervilhavam. Com sete abandonos em sequência no início do ano, Nigel Mansell não levou muita fé na associação Williams-Renault para 1989. O britânico negociou rápido com a Phillip Morris e a companhia tabaqueira lhe garantiu um ótimo salário e um assento na Ferrari. O acordo foi fechado logo após o GP da França.

A Williams não negou fogo. Ciente que Mansell estava com os dois pés atrás em relação ao novo projeto do time britânico, Frank Williams travou negociações a partir de Mônaco com Ortwin Podlech, que vinha a ser o empresário de Thierry Boutsen. Tido como “rápido e polivalente”, o belga passou a ser o número #1 na sucessão de Mansell. A Benetton bem que tentou cobrir a oferta e Luciano Benetton, em pessoa, foi a Silverstone negociar com Podlech, oferecendo o dobro para manter Boutsen. Nada feito: Thierry fechou mesmo com o time de Didcot.

Algumas horas antes da corrida, no warm-up (sim, ele ainda existia), gotas d’água começaram a cair sobre o circuito. A chuva só aumentaria de intensidade cinco minutos antes da largada, provocando um pandemônio nos times, que não esperavam que São Pedro mandasse água tão rápido.

E as dificuldades seriam grandes. Silverstone era um circuito permanente, mas não nos esqueçamos que antes disso era um antigo aeroporto. A tendência é que houvesse um maior acúmulo de água na pista e a falta de visibilidade poderia ser tão crítica quanto uma certa corrida de 1985 – o GP de Portugal. Por sinal, desde então a Fórmula 1 não assistira mais a qualquer prova inteiramente disputada com chuva.

Dada a largada, Alboreto responde melhor ao acender da luz verde e ataca para a curva Copse, mas Berger prevalece e assume a ponta com Senna em terceiro. Maurício Gugelmin faz largada espetacular deixando Prost para trás (o francês estreava uma embreagem de carbono e procurou poupar o equipamento) e passa em quarto nos primeiros metros, seguido por Derek Warwick e Ivan Capelli. Alain baixou para a 8ª posição.

Ainda na primeira volta, Senna parte para dentro das Ferrari. Supera Alboreto em Maggots, enquanto Capelli tira o quinto lugar da Arrows de Warwick. Na Stowe, o brasileiro da McLaren é rechaçado por Berger. Prost já cai para décimo-primeiro.

Lento, o francês da McLaren não consegue ter uma boa performance com seu carro. Eddie Cheever e Thierry Boutsen o superam com relativa facilidade. Na frente, Senna está a um segundo do líder, com Gugelmin a meio segundo de Alboreto. Capelli é superado pela Benetton de Alessandro Nannini e pela Williams de Nigel Mansell.

Os primeiros retardatários aparecem no caminho dos ponteiros já na nona volta, enquanto Gugelmin resiste à intensa pressão de Nannini na briga pelo quarto lugar. Mansell se aproxima da batalha e Nelson Piquet, após um começo discreto, avança para oitavo, ganhando a posição de Warwick.

Com 12 voltas, o ponto alto da corrida é a briga pela quarta posição entre Gugelmin, Nannini e Mansell. Os três conseguem se aproximar rapidamente de Alboreto. O quarteto levanta o público nos barrancos e arquibancadas de Silverstone.

E pouco depois, Alain Prost – quem diria – é ultrapassado por Berger e Senna. O francês andava no fim do pelotão, num distantíssimo 16º lugar, enroscado com Alex Caffi e Stefano Modena. Ayrton não perde tempo e na negociação com os mais lentos – Prost inclusive – supera o austríaco da Ferrari e chega enfim à liderança.

Algum tempo depois, Gugelmin erra a chicane Woodcote e perde posições para Nannini e Mansell, baixando para sexto. Com menos de 20 voltas percorridas, Ayrton tem quase 40 segundos de vantagem para o 3º colocado. E Silverstone vai abaixo quando Mansell, numa atuação espetacular, aproveita um vacilo de Nannini na abordagem a Alboreto e passa o italiano, que no afã de superar o compatriota da Ferrari, roda e volta à pista atrás de Gugelmin.

Mansell não se dá por vencido. Na 22ª volta, consegue enfim a ultrapassagem sobre o piloto a quem substituirá em Maranello no ano de 1989, fazendo mais uma vez o público britânico explodir nas arquibancadas e demais dependências de Silverstone.

Nesse interim, Senna começa a receber um alerta do computador de bordo para maneirar o ritmo e administrar o consumo de gasolina. A Ferrari de Berger também indica que o austríaco consome combustível além do permitido (o cálculo ficou em torno de 20%) – mesmo com a pista molhada. Prost, que vinha em décimo-sexto, recolhe. É o primeiro abandono do francês em 1988 – e lhe custará muito caro, como veremos adiante.

Antes da metade das 65 voltas previstas, começa a se formar um trilho já que a chuva dá uma trégua. Nannini, após recuperar a posição sobre Gugelmin, finalmente supera Alboreto. Mas o italiano da Benetton, no modo “empolgou”, vai ao encalço de Mansell. Com direito à melhor volta da prova em 1’24″176, ele passa o piloto da casa. Só que erra logo depois na chicane Woodcote e roda, voltando ao quarto posto.

Com 32 voltas, Senna tem 12 segundos de vantagem para Berger, enquanto a pista pouco a pouco vai secando. Gugelmin, em grande atuação no seu oitavo GP de Fórmula 1, ganha a posição de Alboreto e avança para o 5º lugar.

Em pouco tempo, os pilotos começam a procurar as zonas úmidas do traçado para resfriar os pneus “biscoito”, cuja superfície se desgasta em excesso com o asfalto secando ou seco. A 30 voltas para o final, Ayrton tem 17″3 para Berger e quase um minuto de avanço sobre Mansell.

O britânico consegue extrair um bom desempenho de sua Williams com a chuva e começa a virar voltas mais rápidas que todos os outros. A 2ª posição ainda não é possível, mas não difícil porque Nigel está especialmente encapetado a bordo do carro #5. Pouco depois, Alboreto leva uma volta de Senna, deixando apenas os cinco primeiros na mesma volta. Piquet não se faz de rogado e supera a Ferrari, indo para a sexta colocação.

Na 42ª volta, a Ferrari ordena a Berger que o austríaco reduza ao mínimo possível o ritmo, para que o carro #28 não fique no meio do caminho com pane seca. A placa “SLOW” é a senha de que a corrida está decidida. Senna, por seu turno, faz a parte que lhe cabe, preservando gasolina. A diferença que era de 22 segundos entre ele e o vice-líder, rapidamente sobe para 42 e depois para 45 segundos.

Quem se empolga é Mansell. O inglês acelera tudo o que pode e inclusive faz a melhor volta da prova em 1’23″308. Berger é sete segundos mais lento – o que indica que a situação é dramática. Alboreto, que não tem mais nada a perder, embora tenha os mesmos problemas de combustível que seu companheiro de equipe, vai aos boxes, monta slicks e volta em décimo-primeiro.

Piquet faz uma corrida surpreendente com um carro reconhecidamente ruim e desconta a volta de atraso em relação a Senna. Nisso, Mansell se aproxima de Berger e não tem a menor dificuldade em ganhar a 2ª colocação na curva Club, usando e abusando do trecho mais úmido daquele ponto do circuito. Não havia absolutamente nada que o piloto da Ferrari pudesse fazer.

Faltando 13 voltas para o final, a chuva volta a apertar em Silverstone e Berger é presa fácil para os demais pilotos. Alboreto, coitado, volta aos boxes para mais uma troca. Regressa à pista em 14º lugar. Um dia para ser esquecido pelos lados de Maranello.

O austríaco não oferece resistência a mais ninguém. É ultrapassado em sequência por Alessandro Nannini, Maurício Gugelmin e até por Nelson Piquet. A cinco voltas da quadriculada, só os seis primeiros estão na mesma volta.

Berger reza para ter gasolina suficiente e poder marcar pelo menos um pontinho. Àquela altura, Senna já administra a vitória líquida e certa, contra um Mansell que foi espetacular. A pane seca surge no fim da disputa não com o carro #28 da Ferrari, mas com o #27 de Alboreto, que abandona na penúltima volta. A Osella de Nicola Larini também jaz na pista com falta de combustível na reta do Hangar.

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Ayrton festeja a 10ª vitória na categoria – e com o abandono de Alain Prost, que fez uma corrida pavorosa no molhado, chegando a levar uma volta, a diferença de pontos entre eles baixou para seis unidades

Enquanto Ayrton Senna cruza a linha de chegada e vence pela 10ª vez na Fórmula 1, Berger fracassa na tentativa de levar seu carro ao final. Com pane seca, sucumbe na última curva da última volta, perdendo o sexto posto para Warwick. Mansell conquista para a Williams o centésimo pódio da história da tradicional escuderia – e o primeiro do motor Judd. Alessandro Nannini sobe também ao pódio pela primeira vez, numa corrida animada do italiano.

Maurício Gugelmin também tem motivos para sorrir. Faz seus primeiros três pontos e deixa uma ótima impressão em Silverstone. Nelson Piquet cruza em quinto e o GP da Inglaterra de 1988 é o primeiro em 15 anos a ter três brasileiros na zona de pontos – antes, pela primeira e única vez, isso acontecera em Nürburgring, no GP da Alemanha de 1973.

A diferença entre Ayrton Senna e Alain Prost cai de forma exponencial de quinze para seis pontos. A pontuação diz que o francês tem 54 e o brasileiro, 48. Senna começa a ver que o bicho-papão não era tão feio quanto parecia ser.

Placar da batalha: empate em 4 x 4. Próximo post – GP da Alemanha.

Comentários

  • Valeu Mattar, a série está ótima e com uma riqueza de detalhes incrível. Eu nem lembrava que Boutsen um dia foi disputado por Benetton e Williams, quem diria.
    Interessante essa estatística de 3 brasileiros na zona de pontos. Acredito que os 3 do GP da Alemanha de 73 devem ter sido Emerson, Wilsinho e Pace. Aliás seria uma boa peesquisa ver quantas vezes isso aconteceu e com quem. Devem ter sido poucas.
    Abraço

  • Mansell não levou muita fé no projeto Williams-Renault pra 89, mas mal ele sabia o quanto o projeto tinha futuro(e que futuro!)…

  • Ayrton, não era o que se pensa.. ele não sabia brincar.. poxa.. o cara não foi avisado que era pra brincar….ele não escutou ninguém.. era só pole.. só ganhou 3 títulos..poxa…. ele não tinha piedade.. nem assim era uma frescura de correr..com ele por perto…nennn.. cara sem graça..rssssssssssssssssssssssssss……………..
    Falem o que quiser.. foi o maior piloto de todos os tempos da F1……..
    o FODÃO não tinha miséria..só socava na negada…
    Só um…chegou perto..mas tbm era um puta sem graça… não sabia brincar de corrida…
    Nersão…Se o que se pode dizer.. desses dois.. ..os fodas da F1….

  • Com excessão do GP de Suzuka nesse mesmo ano, esse GP de Silverstone foi a melhor corrida do Senna em 88.
    Um show.
    Show que foi repetido vinte anos depois por outro talentoso piloto de capacete amarelo a bordo de outra Mclaren em uma Silverstone igualmente chuvosa.