30 anos de Senna, parte XII – GP da Itália

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Ayrton Senna era o cara a ser batido em Monza e sabia disso. Só que as coisas correram totalmente fora do planejado no GP da Itália para a McLaren

RIO DE JANEIRO – Circuito de Monza. Templo sagrado da Fórmula 1 e dos italianos, que só têm olhos para a Ferrari. Um ambiente hostil para qualquer outra equipe – e para a McLaren, mais uma oportunidade para manter a invencibilidade ao longo do campeonato. A equipe já era campeã antecipada e faria um de seus dois pilotos o número #1 do ano.

A dúvida era: quem? e quando seria a conquista do título?

Ayrton Senna vinha em viés de alta, triunfando por quatro vezes consecutivas. Prost viu sua liderança perder fôlego e depois virar pó. A diferença não era grande, não – três pontos. Mas o francês abusava do jogo psicológico com o brasileiro.

E por falar na Ferrari, tão logo assumiu a nova administração da equipe, designada por Gianni Agnelli, o dono da Fiat, Marco Piccinini resolveu dar adeus ao posto de diretor esportivo da marca italiana na categoria. Pier Giorgio Capelli assumiu seu lugar. A Honda aproveitou o GP da Itália para anunciar seus planos para 1989 – e a Lotus não faria mais parte deles. Os japoneses forneceriam motores com exclusividade para a McLaren, como informara o engenheiro Osamu Goto.

Com salários pagos pela Camel, Nelson Piquet vivia o inferno, talvez o pior ano de sua carreira na categoria. O Lotus 100T era mesmo um desastre e com o mesmo motor de Senna e Prost, ele tinha apenas 16 pontos somados. Satoru Nakajima quase deixou o time por conta do fim da parceria com a Honda, mas a própria montadora decidiu bancar o salário do piloto e Peter Warr acabou engavetando o acordo já fechado com Derek Warwick para 1989.

Para o GP da Itália, a novidade era a aparição de Jean-Louis Schlesser como o substituto de Nigel Mansell, ainda convalescente de um problema de saúde. Aos 40 anos, o francês tentaria fazer sua estreia após fracassar a classificação para o GP da França de 1983, quando foi inscrito num RAM-March.

Numa pista veloz como a de Monza, apesar das três variantes, um bom motor era fundamental para se conseguir um lugar de destaque no grid. Ayrton Senna sabia disso e fez a pole position – décima dele no ano – com uma volta espetacular em 1’25″974, três décimos melhor que Prost. Ainda enlutada, a Ferrari conseguiu a segunda fila inteira, à frente dos Arrows Megatron, que para o GP da Itália tinham ganho alguns cavalos nos propulsores graças ao trabalho feito na oficina de Heini Mader, na Suíça.

O melhor dos carros com motor aspirado foi a Benetton de Thierry Boutsen, que ficou a 2″896 de Senna. Dançaram do grid o britânico Jonathan Palmer, o sueco Stefan Johansson, os italianos Gabriele Tarquini e Stefano Modena, além do argentino Oscar Larrauri – este, logo na pré-classificação.

Com um tempo esplêndido, porém com um pouco de frio na Itália, os 26 carros se preparavam para a largada. Berger percebeu que algo soava estranho em sua Ferrari nas voltas de alinhamento. Com o motor rateando, parou nos boxes e trocou as velas. Sábia decisão…

Na largada, Prost sai ligeiramente melhor que Senna, mas o brasileiro se impõe e assume o comando da corrida na primeira chicane. Depois, vieram as Ferrari de Berger e Alboreto, a Arrows de Cheever, a Benetton de Boutsen e a Lotus de Piquet.

Em cinco voltas, o líder já tem três segundos e seis décimos para Prost. Berger vem na cola do francês, com Alboreto mais distante um pouco e Cheever e Boutsen completando os seis primeiros.

Para se livrar da incômoda sombra da Ferrari #27 em seus retrovisores, Prost pisa fundo. Faz a melhor volta em 1’30″947. Logo depois, Senna replica – 1’30″578.

A luta agora é pra ver quem é mais rápido que o outro. No décimo giro, Prost estabelece outra volta mais rápida – 1’30″507. A vantagem do líder nunca ultrapassa quatro segundos. Piquet perde o controle de sua Lotus no início da 12ª volta. Roda na primeira chicane e abandona o GP da Itália.

Com 18 voltas percorridas, Senna mantém Prost sob controle. Berger conserva os pneus de sua Ferrari e mantém o consumo de combustível no limite tolerável para não ser supreendido pela vilã chamada pane seca. Mais atrás dos líderes, quem anima a corrida é Ivan Capelli, em duelo por posição com a Arrows de Derek Warwick. O quatro cilindros turbo BMW Megatron fala mais alto que o Judd V8 numa pista de alta e o piloto da Leyton House March se conforma em não conseguir ganhar posições.

Senna e Prost perdem tempo no tráfego de retardatários e as duas Ferrari seguem controlando pneus e combustível. Capelli luta com Patrese pela 7ª posição. Na 26ª volta, o francês da McLaren resolve pisar no pedal da direita outra vez. Marca 1’29″674 – melhor volta dele na corrida. Mas Senna responde, marcando 1’29″569. Enquanto Warwick passa Boutsen e assume a 5ª posição, algo começa a ficar estranho: Prost cede terreno e a diferença aumenta para nove segundos.

O motor Honda V6 Turbo era uma usina de força e resistência. Ninguém jurava que fosse quebrar num dos carros da McLaren. Pois na 34ª volta, o propulsor do carro de Alain se entregou. Sinais… fortes sinais…

A diferença de Ayrton para Berger era de 25 segundos e seis décimos. Para o brasileiro perder, só se acontecesse uma tragédia nível GP de Mônaco. Os engenheiros da Honda aconselham o brasileiro a mexer na mistura de combustível, tornando-a mais rica. Eles não queriam que o brasileiro acabasse a corrida do mesmo jeito que Prost.

Porém, como o mapeamento eletrônico estava com regulagem máxima de pressão – ou seja, própria para corridas em circuitos de alta, por mais que enriquecesse a mistura para poupar o motor, Ayrton tinha problemas com a pressão de combustível, que atuava de maneira diametralmente oposta que o imaginado, fazendo o piloto perder rendimento.

A dupla da Ferrari é instruída para sentar a bota. Michele Alboreto faz 1’29″070 – recorde da volta em prova no ano de 1988. Berger também atende ao chamado da equipe e reduz a vantagem de Senna em poucas voltas. Os tiffosi incentivam seus pilotos. Alucinados, eles veem Gerhard a menos de cinco segundos de Senna, quando a corrida vai para suas duas últimas voltas.

Pressionado, Ayrton cometerá outro erro crucial em toda aquela temporada de 1988…

Abertura da 50ª e antepenúltima passagem: Senna vem com tudo para a frenagem da Variante del Rettifilo. Pela frente, a Williams de Jean-Louis Schlesser, que vinha em 11º lugar, sem atrapalhar ninguém. Schlesser, que não era bobo, abriu a passagem para um impetuoso Ayrton. Mas ao abrir a trajetória, acabou comprometendo a sua própria. Ao bloquear as rodas, o francês decolou na zebra com a Williams Judd.

Aí, Senna faz a primeira perna da chicane de forma legal e na segunda, corta a trajetória de Schlesser, que havia posto duas rodas na terra. A roda traseira de sua McLaren passa por cima da dianteira esquerda do adversário. Senna roda, o fundo do chassi prende na zebra, o motor Honda morre. Fim de corrida para o brasileiro após quatro triunfos seguidos.

E delírio coletivo em Maranello: as duas Ferrari assumem a ponta e assim seguem até o final, com Berger finalmente quebrando o tabu. Uma vitória em nome de Enzo Ferrari – a primeira dobradinha da equipe em casa desde o então distante ano de 1979. In extremis, Eddie Cheever resiste à pressão de Derek Warwick e soma um pódio importante para a Arrows. Ivan Capelli resiste e cruza em quinto, seguido por Thierry Boutsen.

Com a tradicional invasão de pista, os tiffosi da Ferrari comemoraram como se não houvesse amanhã a vitória dos carros vermelhos. Por pouco tempo, é verdade. Afinal, Senna mantinha a diferença de três pontos sobre Prost e vocês não perdem por esperar o próximo capítulo.

Que por sinal é o GP da Portugal. Em tempo: Senna 7 x 4 Prost.

Comentários

  • Aguardando as pedradas em 4, 3, 2, 1.
    Foi por mais essa manobra estabanada do nosso “super-herói dos domingos pela manhã”, segundo a RGT, que a McLaren se viu impossibilitada de atingir a perfeição de vencer TODAS as provas dessa excepcional temporada de 88.
    Quanto ao personagem em questão, para matar a saudade de um salseiro, atropelaria também o Nakajima em Interlagos/90, entregando de bandeja uma vitória certa, que acabou caindo no colo justamente do Anão. . .

  • Vale lembrar que Schlesser é bicampeão tanto do WSC (89 e 90), quanto do Dakar (99 e 2000). Também é pentacampeão do Mundial de Cross Country (98 a 2002), pilotando carros projetados por ele mesmo, também utilizados nas conquistas do Dakar.