A incrível história dos irmãos Whittington

Junto a Paul Newman nos boxes de Le Mans, em 1979: a vida dos irmãos Don e Bill Whittington, que usaram o automobilismo para lavar dinheiro e lucrar de forma escusa com a comprovada associação dos dois com o tráfico internacional de drogas daria um filme

RIO DE JANEIRO – Nascidos em Lubbock, no estado do Texas, os irmãos Don e Bill Whittington fazem parte da história do automobilismo mundial.

Para o bem e para o mal.

Há quase 40 anos, na edição de 1979 das 24h de Le Mans, os dois ianques e mais Klaus Ludwig venciam a clássica prova francesa com um modelo Porsche 935 K3, alinhado pela equipe de Erwin Kremer, que concordou em vender-lhes o carro com que venceram a prova – antes da corrida, é bom lembrar – pela quantia de US$ 200 mil, após desembolsarem dez vezes menos para disputar a corrida. Eles repetiam assim a façanha de Luigi Chinetti, Phil Hill, Masten Gregory, Carroll Shelby, Dan Gurney, A.J. Foyt e Hurley Haywood, vencedores da prova a partir da década de 1940.

Não fora a primeira participação dos “brothers” em La Sarthe e não seria a última. Eles estrearam em Le Mans na edição de 1978 e lá competiriam até 1981 – em 1980, inclusive, dividiram um Porsche com Hurley Haywood, onde um dos pilotos foi o terceiro dos irmãos: Dale Whittington, nascido em 1959, portanto o caçula dos três, disputou duas provas em La Sarthe (a outra foi com ninguém menos que Reinhold Joest) e uma Indy 500. Ele morreu em 2003, vítima de overdose.

O March 83C de Bill Whittington, que disputou cinco edições das 500 Milhas de Indianápolis: zero de patrocínio, o que começou a gerar suspeitas do governo dos EUA, via FBI

O que gerava tanta curiosidade no início dos anos 1980 é que Bill e Don tinham uma equipe, a Whittington Bros. Racing e conseguiam se manter sem qualquer tipo de patrocínio estampado na carenagem de seus carros. Principalmente nas 500 Milhas de Indianápolis, de que começavam a tomar parte com chassis Penske, Parnelli e March entre 1980 e 1983, com resultados de alguma relevância.

Na edição de 1985, Bill Whittington defendeu a Arciero Racing e Don foi parceiro de ninguém menos que Emerson Fittipaldi, substituindo Gordy Johncock no carro #20 da Patrick Racing. Aquela seria a última vez que os irmãos Whittington competiriam em Indianápolis e na própria Fórmula Indy.

O governo norte-americano, via FBI, estava de olho nos dois. E não só neles. Descobriu-se que Bill e Don usavam o automobilismo para lavar dinheiro: Bill, principalmente, era um dos grandes chefes do tráfico de drogas (maconha e cocaína) entre EUA e Colômbia, movimentando somas vultosas de dinheiro – estimadas em cerca de US$ 70 milhões.

O Porsche da vitória em Le Mans foi arrestado pela Justiça e hoje repousa no museu de Indianápolis

Acusados de evasão fiscal, se declararam culpados diante da justiça. Concordaram em pagar multas  de US$ 7 milhões – perderam o Porsche 935 K3 da vitória em La Sarthe (hoje exposto no Museu do Indianápolis Motor Speedway) e foram condenados. Don pegou 18 anos de cana e Bill, quinze.

A rede de envolvimento dos pilotos estadunidenses com o tráfico atingiu a IMSA e não à toa, nos anos 1980, a sigla International Motor Sports Association foi jocosamente trocada para “International Marijuana Smugglers Association” – literalmente, “Associação Internacional dos Contrabandistas de Maconha”.

Três outros pilotos “caíram”, todos com passado nas provas de Grã-Turismo e Protótipos, além das 500 Milhas de Indianápolis: Randy Lanier, campeão da série IMSA em 1984 junto aos irmãos Whittington, John Paul (este, várias vezes condenado por outros delitos) e seu filho John Paul Júnior. Este, inclusive, tentava se classificar para a edição de 1986 da clássica prova do oval de Indiana quando foi condenado a cinco anos de prisão.

Por conta da pena mais branda em relação aos irmãos Whittington, foi o único a conseguir retomar a carreira de piloto. John Paul Júnior correu até 2001, quando fracassou na sua última tentativa de se qualificar para a Indy 500. Descobriu-se portador da Doença de Huntingdon, que causa a morte das células cerebrais e foi obrigado a se aposentar das pistas aos 41 anos.

Lanier chegou a ser condenado à pena perpétua (adendo do amigo Paulo Alexandre Teixeira: ele fugiu da justiça dos EUA e foi preso em St. Kitts e Névis, em 1988), mas uma petição pública exigiu sua liberdade. O antigo piloto foi solto por um mandado expedido por um juiz de Illinois, em outubro de 2014.

Os Whittington continuaram ‘enrolados’ com a justiça, mesmo após serem soltos por terem cumprido um terço da pena. Após serem postos em liberdade, continuaram – e continuam – ganhando muito dinheiro. Don, que está com 73 anos, é proprietário de uma companhia chamada World Jet – também acusada de vender aeronaves a custos inflacionados para contrabandistas de vários países, incluindo México, Venezuela, Colômbia e a República Democrática do Congo – e inclusive envolvida num estranho acidente aéreo acontecido em 2007 .

Na oportunidade, um turbojato caiu com quase quatro toneladas de cocaína. Registros da aviação local mostraram também que a mesma aeronave voara várias vezes da capital Washington para Guantánamo. Ficaram no ar as suspeitas do envolvimento de Don novamente com o tráfico de drogas e, também, com a execução de terroristas.

A mando de quem, afinal?

Um jogo duplo, no mínimo, incomum.

Bill Whittington tem um empreendimento milionário – por US$ 250 milhões – construiu um Resort e um Spa em Pagosa Springs, no Colorado, administrado por suas duas filhas – Nerissa Whittington e Kelly Reyes.

A justiça crê que a fonte do investimento é altamente suspeita: Bill, hoje com 69 anos, tinha uma conta num paraíso fiscal (o Liechtenstein), cujos ganhos aumentaram exponencialmente num período de investigação de seus extratos. Numa oportunidade, havia US$ 1 milhão em seu nome no banco LGT, localizado em Vaduz. De repente, o total multiplicou-se para US$ 11 milhões.

A história dos Whittington Bros. daria um filme e tanto.

Comentários

  • Que bandidagem! Os caras são podres… Eu não sabia que um deles tinha sido companheiro do Emerson em 85.
    Aliás, foi naquele ano que a tv bandeirantes começou a transmitir as provas e eu lembro que tinha mudança constante de pilotos em alguns carros. Tinha corrida que o Bruno Giacomelli pilotava o carro #20, na outra já não estava mais. E tinha o Kevin Cogan também, não lembro se em 85 ou 86. O Roberto Moreno aparecia de vez em quando em uma outra equipe, o Boesel também, com um bonito carro patrocinado por um fabricante de pilhas. Era interessante

    • Moreno foi da Galles. Boesel era patrocinado pela Duracell.

      Kevin Cogan foi colega do Emerson na Patrick em 86. Giacomelli dividiu o time com o Rato nas provas de misto.