As impressões de e sobre as 24 Horas de Le Mans

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A Parada dos Pilotos é um dos grandes eventos das 24h de Le Mans e para conseguir um bom lugar, melhor chegar sempre cedo (Foto: Skippy/Dailysportscar.com)

SÃO PAULO – Tenho relativa folga de horário até o voo que me levará de volta ao Rio de Janeiro – o famoso chá de aeroporto – e isso me ajuda a pôr as ideias em ordem e finalmente dedicar tempo ao blog, que ficou órfão de postagens desde o fim do domingo.

Afinal, sou filho de Deus e tenho direito a dar uma banda em Paris, que fiz ontem com muito gosto. Pelo menos conheci a Torre Eiffel e outros pontos turísticos às margens do Sena – saudoso Reali Júnior…

Neste post, vou compartilhar com vocês um pouco do que são as 24 Horas de Le Mans, para o público brasileiro que estiver interessado em acompanhar tudo de perto.

Como evento, é aquilo mesmo que se vê antes da corrida. É um show, tudo muito bem coordenado, preparado e bem-feito. O único senão, na minha opinião, é o locutor de arena e também de todos os eventos do ACO, Bruno Vandestick. Cara chato. Adora aparecer mais do que todo mundo…

Tirante isso, os franceses sabem oferecer uma experiência de evento que talvez só tenha parâmetro de grandeza com as provas mais importantes da Nascar e as 500 Milhas de Indianápolis, às quais nunca fui. Mas quem lá esteve pode fazer a gentileza de confirmar na área de comentários.

Há senões a fazer, contudo.

A Gendarmerie, a polícia local, não gosta de ajudar estrangeiros. Errei o caminho várias vezes na sexta-feira, tentando sair da pista a pé rumo ao caminho para a MMArena, que tinha o Tramway que me conduzia de volta ao Hotel. Os guardinhas jamais me ajudaram e o único que falou inglês comigo me botou numa puta roubada.

Quando percebi, estava subindo a pé, a partir da chicane Forza, a reta Les Hunaudières. Meus pés doíam absurdamente, mas não tive como conter as lágrimas de emoção por pisar na mesma reta onde, no sentido oposto, os protótipos e GTs desciam em alta velocidade naquele mesmo ponto.

Ah… consegui chegar a duras penas na MMArena. Portanto, lição #1: jamais confiar na Gendarmerie.

Lição #2: tentem conversar em inglês com os mais jovens. Eles são mais receptivos ao idioma e tentam ajudar. Os meninos e meninas do TV Compound foram ótimos e deram um show de simpatia, presteza e educação. A eles serei sempre muito grato.

Já os mais velhos esnobam, mesmo que você diga que é brasileiro. Alguns chegam ao cúmulo de falar “I don’t speak english”, só pelo prazer de te sacanear. Fiquei pasmo com um que fez isso comigo. Dei o troco noutro mais tarde quando falei “Je ne parle français”. Até falo alguma coisa, mas preciso aprimorar pra não levar pernada das próximas vezes.

Nas áreas de convivência – especialmente no Village (e também nas demais aglomerações humanas) – tomem muito cuidado com seus pertences. Uma brasileira do nosso grupo que foi a Le Mans foi roubada. Levaram um de seus cartões e tentaram usá-lo no autódromo. Até patinetes e bicicletas de pilotos também foram furtadas. Não é só aqui que esse tipo de coisa acontece.

Outro detalhe: em geral os franceses não são muito atenciosos e educados. Por algumas vezes fui incomodado quando queria fazer minhas gravações para o Fox Sports. Por estar de ótimo humor, relevei uma e outra. Mas no final, cansado, tive que pedir para não incomodarem, com mais alguma energia.

Noutros momentos, a coisa foi diferente. Quando fiz uma vídeo selfie no Village, fui para uma área de rave, só com molecada de 20/25 anos. E lá, os franceses quiseram saber de onde eu era, tiraram fotos, foi legal.

Dentre os estrangeiros, os mais legais – sem ordem definida – foram holandeses, dinamarqueses e ingleses. Os nórdicos, então, invadiram Le Mans como eu nunca vi igual. O grupo de caras de chapéu de viking, que muitos devem ter visto em outro vídeo selfie em redes sociais, até cerveja me deu pra beber com eles. Sujeitos amáveis, simpáticos, beberrões e divertidos.

Em Le Mans, você vê também de tudo em matéria de carros nas estradas próximas ao circuito e nas ruas da cidade. Ontem, me deparei com um incrível Ford GT40. No fim de semana, cruzei com muitas Lotus, Ferrari, Porsche e Aston Martin. Modelos novos e antigos, pra todos os gostos. Um deleite para olhos e ouvidos, especialmente na sexta-feira, dia em que o circuito não está 100% fechado e as estradas abrem para a circulação viária.

Não deixem de visitar o Museu anexo ao circuito. Por 8.50 euros, você passeia pela história de Le Mans em todos os seus acontecimentos. Nos 300 metros quadrados do prédio estão os heróis de La Sarthe, miniaturas de diversos anos – vi pelo menos até 2016 – e um acervo de carros de competição de fazer qualquer mortal babar de inveja.

Estão lá, por exemplo, o Chenard & Walcker Sport ganhador da primeira prova em 1923, o Ford GT40 de 1969, uma réplica do Mazda 787B campeão da prova em 1991, vários Alpine-Renault, o Matra-Simca vencedor em 1974 e, ao original, o Porsche 919 Hybrid vitorioso em 2016, tal qual ele saiu da pista – com todas as marcas de óleo, engruvinhado de borracha e demais danos.

A exposição temporária que estava lá é da BMW. Havia cinco carros: o modelo que disputou a prova em 1939 (que é lindo!); o Art Car concebido por Roy Liechtenstein para a equipe de Hervé Poulain; uma M1 Procar; uma BMW 3.0 CSL com o nome de Ronnie Peterson na lateral e também uma BMW LMP V12 Art Car.

Querem ir assistir à parada dos pilotos? Simples: pra conseguir o melhor lugar, cheguem cedo, com algumas horas de antecedência. Depois que você não acha uma brecha pra ver o evento, é impossível. O jeito é relaxar e curtir o clima de festa que toma conta da Place de la Republique no dia do evento.

Falando da corrida, o público pode entrar e sair das dependências de Le Mans na hora que quiser. Ir de Tramway não é problema para quem tem que entrar pela parte Sul do Circuito, que acabei usando quando cheguei à pista na quinta-feira e também na sexta, quando aconteceu aquela tragédia toda de andar por horas e horas e horas.

Dá pra ir de táxi ao circuito, mas a tarifa não é das mais baratas. Quem for de carro pode escolher um dos inúmeros bolsões de estacionamento próximos às entradas e se dirigir ao local onde vão entrar ou sair do circuito. Acho (não tenho certeza) que nem todos os ingressos dão direito à livre circulação, mas quem tiver possibilidade, que adquira a entrada que dê a chance de visitar o Village, as demais áreas e o Paddock.

Por falar no Paddock, ele é dividido em dois, com os caminhões e demais equipamentos dos times ocupando a parte exatamente atrás das garagens, que não são – aliás e a propósito – um primor de construção. A United Autosports, por exemplo, trabalhou em tendas. Mas as escuderias são safas e bem organizadas nesse aspecto.

Algumas restringiam duramente o acesso – Porsche, Toyota, Aston Martin e Rebellion foram as piores. Várias tinham seguranças contratados para barrar as entradas e, por mais que disséssemos que éramos imprensa, com credencial e tudo, só entraríamos se fôssemos o presidente francês, Emmanuel Macron.

Na parte de trás do Paddock, havia os Hospitality Center para atender às equipes, aspones, bicões, puxa-sacos e convidados dos times e patrocinadores. O único em que tive acesso foi o Vanessa’s, já que atendia equipes de três pilotos brasileiros. Era um espaço muito bem-dividido com áreas privativas, conforto de sobra e um ótimo buffet, com comida e bebida variada. Aliás, não é à toa que em 2020 a Vanessa, a chefe do pedaço, vai para a 30ª 24 Horas de Le Mans.

Voltando ao Village, vamos às lojinhas. Alguns preços de produtos são realmente desencorajadores. Os espaços da Gant e da Gulf, por exemplo, em matéria de roupas, são impraticáveis. E olhem, amigos, que nem das equipes – Porsche, Aston Martin, Toyota e outras – nem fui, pra não me assustar muito.

Há miniaturas por preços bem em conta – achei um Porsche 917 por 20 euros – e outras custando os olhos da cara. É preciso ter paciência ou, se você não quer tirar o escorpião do bolso, procurar nas tendas menos badaladas preços mais acessíveis. Ainda assim, trouxe seis para o Brasil.

Outro programa imperdível: entrar na Roda Gigante, especialmente à noite ou de madrugada. Desculpem o termo, mas é do caralho!

Por 10 euros, você tem a vista mais incrível da pista. Eu, que morro de medo de altura, fui lá e filmei pra transmissão do Fox Sports. Por Le Mans, faria qualquer coisa. E não ir a um dos símbolos da pista, me desculpem, é como ir ao Vaticano e não ver o Papa.

Em matéria de acomodações, a dica é tentar reservar com meses de antecedência. Para agências de viagens, os hotéis têm bloqueios de quartos, já que a cidade aumenta bastante sua população nos dias da corrida (segundo dados de 2010, havia pouco mais de 140 mil habitantes ali) e os preços simplesmente se tornam abusivos demais para uma viagem de última hora.

As opções são várias – hotéis próximos à Gare du Mans (que é de onde saem os TGVs para outras cidades franceses e aeroportos como o Charles de Gaulle), pousadas do tipo Bed & Breakfast, campings, trailers e aluguéis de casas e quartos pelos AirBnB da vida. Na falta de opções de hospedagem em La Sarthe, Tours é uma boa opção.

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Festeiros: holandeses, dinamarqueses e ingleses, com uma sede insaciável, tomaram todas no Le Mulligan’s, noutros pubs de Le Mans e no autódromo durante o fim de semana

Por fim, Le Mulligan’s. Le Mulligan’s é vida.

Numa das ruelas do centro de Le Mans (44 rue du Docteur Leroy), eu e dois brasileiros que foram assistir à corrida fomos tomar umas na sexta-feira. Muvuca genial, confraternização total com ingleses, holandeses e franceses. Encontramos até gente que fala português e mora por lá.

Uma noite incrível.

Le Mans É incrível. Espero viver tudo isso de novo em 2020.

Comentários

  • Parabéns Rodrigo, foi demais ver você cobrindo a Le Mans in loco, ficamos com inveja, deu para ver sua cara de pavor na roda gigante, mas foi bem legal perceber que manteve o profissionalismo. por favor, posta as fotos por aqui. Le Mans tem um defeito só, é na França, os franceses são bem chatos mesmo.

    Parabéns mais uma vez, esperamos que tenha novas oportunidades e quem sabe uma transmissão completa de Le Mans ao vivo.

  • Prezado Rodrigo,

    Não se surpreenda com o tratamento recebido. Estive uns dias em Paris na semana retrasada e percebi o quão desinteressado, soberbo e grosseiro é o francês. Fica muito claro a impressão de que estrangeiros não são bem-vindos, são apenas suportados. Fora a habitual má-vontade, passei pelos dissabores de comprar ingresso para Versalhes (palácio e jardins) e não poder visitar a parte externa (havia evento fechado, não comunicado no ato da compra), fila de quase quatro horas para subir na Eiffel (sob sol de 35ºc) e impossibilidade de visitar o Louvre, comunicada após quase duas horas de fila antes da abertura dos portões (simplesmente não iriam vender ingressos para o dia, um pleno domingo). Além disso, surpreendi-me com a sujeira e forte cheiro de urina em diversos pontos turísticos.
    Também tinha como sonho ir à Le Mans um dia, mas certamente optarei por algum outro evento de mesma grandeza (Indy 500 certamente) quando tiver possibilidade novamente de viajar.
    Parabéns por sua cobertura e relatos !
    Um abraço !

  • Parabéns cara vc merece, agora queremos ver completa a sua tríplice coroa, só falta a Indy 500, ou quem sabe a F1 mas em “SPA”, por que Mônaco não tem nada haver

  • Todos que já fomos para França e/ou convivemos por algum motivo com franceses, descobrimos o quão difícil é deixar de praticar o crime de racismo. rsrs

  • Parabéns pela cobertura e obrigado pelo relato, Rodrigo! Pretendo visitar a prova no futuro e suas impressões me ajudaram bastante a clarear algumas dúvidas. Queria lhe perguntar algo que ainda não entendi muito bem: Há uma área de camping dentro do complexo do circuito ou todas elas ficam “do portão para fora”? Ah, e se for possível, poste as fotos das miniaturas que trouxe pra gente ver hehe. Abraço!

  • Acho que os franceses mais velhos ainda nutrem algum tipo de rivalidade com os ingleses, por isso não recebem bem quem fala inglês, por pensar que o francês deveria continuar sendo a língua mundial. E além disso, tem os mau educados, para dizer o mínimo. Um senhor ao meu lado na arquibancada mostrou o dedo médio a todos quando começou a tocar o hino britânico. Se quiser te envio a foto!

  • Franceses são uma espécie de argentinos da Europa. Se fossem tão bons quanto pensam pelo menos os carros que fabricam seriam aceitos nos EUA.