Carta aberta a Reginaldo Leme

RIO DE JANEIRO – Amigo Reginaldo Leme,

Em primeiro lugar, queria dizer que pra mim é motivo de orgulho começar essa carta aberta assim.

Na verdade, somos amigos desde 1978, há quarenta e um anos, quando no GP de Mônaco daquela temporada, você estreava numa transmissão ao lado de Luciano do Valle, vindo do Estado de S. Paulo, onde trabalhara como setorista de futebol – tendo cobrido inclusive o jogo do Gol 1000 do Pelé – e de 1972 em diante, Fórmula 1.

Afinal, é uma relação de amizade a que se estreita entre comunicador e telespectador. E aquele menino fascinado pelos carros, pelo colorido e pelo barulho, decidiu cedo ser jornalista.

Talvez não tenha sido a decisão mais acertada da vida. Mas existiu um caminho e quem abriu esse caminho foi você, amigo.

Quarenta e um anos são tempo à beça. Uma longa estrada. Na sua trajetória dentro do jornalismo, com certeza há um tempo a mais nessa conta. Mas em televisão, na telinha e nas telonas dos aparelhos de alta definição, mais de quatro décadas desfilando competência e carisma.

Creia, Regi – e te falei isso ao telefone hoje, quando quis te ouvir, saber se você estava bem depois da notícia do dia – o assunto mais impactante da quarta-feira neste país que vai de mal a pior: você é único.

Cara, teu estilo é inconfundível.

Cada um tem seu estilo. Eu tenho o meu, tanto da escrita quanto ao falar, o Lito tem o estilo dele, o Edgard, o Flavinho, o Seixas, o Castilho, o Celso Itiberê, o Carsughi e tantos outros…

Não haverá outro Reginaldo Leme.

Nem no texto, na precisão e emissão das palavras, nos comentários, nas análises e nos vivos. Você sempre foi bom em tudo.

Por isso é um exemplo. Uma referência. Um ídolo. Pelo menos pra mim você é tudo isso.

E acabou que o então fã das transmissões dos anos 1980 e 1990 virou, quem diria, colega de trabalho.

Na Globo, no Jardim Botânico, foram menos anos do que gostaria – 1998 a 2002. De 2003 até 2012, fincamos território no SporTV. Tivemos lá o formidável Linha de Chegada – programa do qual nós participamos junto a vários colegas – da gestação à concepção e crescimento de uma atração que, infelizmente, um “jênio” qualquer achou que não prestava mais e tirou do ar.

Daí há sete anos fui ‘saído’ do Grupo Globo, segui meu caminho, vim para o Fox Sports e aqui ainda estou – além do blog que migrou em maio de 2014 para o Grande Prêmio e esteve também nas plataformas de mídias digitais da minha antiga emissora.

Nesse ano, tive o prazer e a surpresa de um encontro fortuito e muito agradável com o amigo, lá em Interlagos. A gente riu, tomou uma gelada, se divertiu, durante a etapa do Brasileiro de Endurance.

São esses acontecimentos que dão a certeza de que valeu a pena.

Se pra mim, já foi legal, imagine pra você, Regi, que conheceu o mundo, viveu os tempos dourados do nosso automobilismo, teve o privilégio de presenciar diante de seus olhos o desfile de alguns dos maiores gênios que o esporte a motor já viu.

Um cara como você, que lidou com Emerson, Lauda, Piquet, Senna, Prost, Schumacher, Stewart, Vettel, Hamilton, Alonso – só para citar estes, porque são dezenas de pilotos ótimos – é um privilegiado.

E que nos trouxe, também, o furo jornalístico mais bombástico dos últimos anos: a revelação do escândalo Singapuragate, em 2009, durante a disputa do GP da Bélgica. Tenho certeza que esse episódio jamais será esquecido.

Nós também não esqueceremos dos inúmeros “Bom dia, amigo da Globo” que ouvimos desde 1978 – com um hiato em 1980, quando a Bandeirantes pegou as transmissões e fez a temporada com seu velho parceiro Galvão Bueno e com Giu Ferreira – que também tinha o estilo dele nos comentários. Cada um é cada um, bicho.

O GP de Monza que você cobriu pelo Estadão em 1972 foi o 218º da história. No domingo retrasado, o GP do Brasil foi o de número 1017. Meu velho, foram quase 900 corridas que se passaram contigo atuando, fosse como repórter de jornal ou comentarista de transmissões da Globo – até porque o número redondo é um pouco menor que este.

Mesmo assim, é muita coisa. Você tem noção disso?

Aí, somos surpreendidos ao saber que domingo que vem, no GP de Abu Dhabi, o último do ano, você não estará mais.

Não haverá mais “bom dia, amigo da Globo”. Aliás, você merecia bem mais do que um comunicado curto e grosso da emissora – bom… nós trabalhamos lá, sabemos como as coisas são.

Mas existe vida pra viver e aproveitar de sobra, Regi. E você saberá desfrutar dela ao lado de quem te gosta. Você tem a Carmen Sylvia. Tem suas filhas. E os netos. Tô sabendo que o próximo chega em dezembro. Netos são um presente e tanto. Aproveite!

Relaxe. Curta. Seja feliz. E isso é o que importa agora.

Nós aqui ficamos tristes. As transmissões da Fórmula 1 pela televisão não serão mais as mesmas (perdoem o clichê mais do que batido…), sentiremos saudades.

Amigo, idolo e referência. Esse é Reginaldo Leme.

Muito obrigado por tudo!

Comentários

  • Adorava aquele programa Sinal Verde que o Reginaldo Leme apresentava lá pelos anos 80, aos sábados véspera das corridas. Era sempre antes da novela das 19:00 horas na Globo. A primeira parte era dedicada a apresentar o local. Ele mostrou os velhinhos do asilo em Longe Beach que eram transferidos no final de semana da corrida. A vida subterrânea de Montreal. Foi num desses Sinal Verde que soube do acidente e morte do Gilles Villeneuve, em 1982. A segunda parte do programa era um resumo dos treinos classificatórios e o grid de largada.

  • Rodrigo, como sempre um belo texto.

    Reginaldo é uma figura impar, um cara imprescindível. A presença dele nas transmissões se confundem com a historia do automobilismo e da F1 no Brasil.
    Difícil imaginar, e aceitar, que não teremos mais os comentários do Regi nas transmissões de F1.
    Eu que acompanho automobilismo a mais de 55 anos, e conheci muita gente ao longo desse tempo, só fui conhecer o Regi pessoalmente num evento em VItoria – ES, a cerca de 1 mes e pouco atras. Conversamos um pouco, e eu não me surpreendi de encontrar uma pessoa espetacular. Nada diferente do cara que entrava em nossas casas todos os domingos de corridas. Simples, tranquilo, simpático, agradabilíssimo no tratar. Excepcional.

    Nesse momentos em que conversamos, ele me contou que está escrevendo um livro sobre sua vida e suas experiencias. Ficaria pronto em 2 anos. Agora, pra nossa sorte, esse livro poderá chegar antes.

    Boa sorte, Regi, vida longa. Divirta-se.
    E, se puder, não nos deixe órfãos de suas noticias e comentários.

    Antonio

  • Olha, não ter o Galvão na F1 eu entendo, mesmo pq divide a narração com outros eventos esportivos.
    Mas sem Reginaldo Leme não faz o menor sentido. É como se os carros entrassem com três rodas na pista.

    Que venham os novos projetos.

  • Grande Regi, o melhor comentarista da f1 sem dúvida, com análise impecável, sou da geração nova, anos 90,tudo que conheço de corrida foi com comentários de Reginaldo Leme.Lembro das manhãs que assistia com meu pai, os gps.

  • Rapaz, você já disse tudo não existem mais palavras que possam definir o quanto o Reginaldo leme é competente e um grande ser humano, sentiremos sua falta nas corridas daqui para frente, você que seu grande amigo incentive-o a não parar de comentar.

  • Salve Rodrigo. Não tenho muito mais a acrescentar ao seu comentário em relação ao Reginaldo Leme e seu legado, não só na F1, mas também na Stock Car e outras categorias do “motorismo”, como dizem os italianos. É um dos caras que, como você, o Lito, o Edgar, Carsughi, Itiberê, Fausto Macieira e muitos outros, ajudaram o esporte a motor a fincar uma bandeira forte e sólida em um cenário dominado pelo futebol. Forte abraço.

  • A Globo deveria rever essa demissão do Reginaldo Leme e do Lito Cavalcanti que são jornalistas especializados de esportes a motor e a Globo deveria olhar com carinho para o público que desde 1972 acompanhando as vitórias de Emerson Fittipaldi, José Carlos Pace,Nelson Piquet, Ayrton Senna, Felipe Massa, Rubens Barrichello e que todos os finais de semanas de corrida curtem e poderia mostrar o pré e pós corrida na Tv aberta e na internet simultâneamente. A Globo vem tendo perdas irreparáveis e fora a criminosa perseguição do caudilho Bolsonaro que advoga para Edir Macedo e Sílvio Santos que querem destruir a Globo que se opõe a esse ogro presidente

    • A Globo tem atitudes mesquinhas com seus profissionais. Mostrou isso quando dispensou ambos.

      Quanto ao meu caso, não vou botar mais lenha na fogueira. Até porque foi por outro motivo. Que muitos podem achar injustificável e outros merecido, faz parte.

  • Rodrigo,
    Você é um privilegiado em ter o Reginaldo Leme como amigo. Dois mestres do jornalismo automobilístico.
    As transmissões não serão jamais como antes. Verdade, que cada um tem o seu estílo mas, o estilo do Reginaldo é inconfundível; incomparável e insubstituível.
    Uma grande perda para amantes do automobilismo.
    Belíssimo texto, Mattar.

  • Sem duvida ele fara falta…
    Lembro uma vez que ele falou sobre um livro escrito por Joe Ramirez, por causa dessa indicacao indireta, eu comprei o livro que foi sem duvida, um dos melhores que ja li sobre F1. Bem que ele poderia escrever um livro tambem, tenho certeza de que seria tao bom, ou ainda melhor…