Direto do túnel do tempo (461)

Com o Ensign N180B da foto, Marc Surer foi o piloto que mais impressionou o escriba aqui, então com apenas nove para dez anos, no primeiro GP do Brasil que assisti ao vivo, em 1981

RIO DE JANEIRO – Fim de semana de GP do Brasil de Fórmula 1. E como esquecer do primeiro que vi ao vivo, in loco?

Dia 29 de março, 1981. Autódromo de Jacarepaguá. Saímos de lá eu, meu pai e um casal de amigos nossos encharcados até os ossos e putos da vida com o que a Brabham (a.k.a. Alastair Caldwell) fizera com Nelson Piquet.

O cara era pole position e o chefe de mecânicos acha, com todo o seu ‘conhecimento’ de Rio de Janeiro que a chuva pararia. Se Caldwell fosse um habitué da Baixada de Jacarepaguá, saberia que o acúmulo de nuvens nos morros próximos ao autódromo dificilmente deixariam o mau tempo ir embora.

Certo é que, ao optar por andar de pneus slicks, Piquet fez uma corrida para ser esquecida. Rodou duas vezes – até andou rápido quando diminuiu a água, mas chegou em 12º lugar.

Para piorar, na arquibancada descoberta em que estava, no setor F, ainda fomos obrigados a ouvir a cantoria “Y dale Lole”, por conta de mais uma vitória – a quarta, considerando a prova não-oficial de 1972 – de Carlos Reutemann em nosso país. Isso me deixou mais puto ainda.

Bem… descontando os problemas que a Williams começaria a viver naquele fim de semana, o fiasco de Piquet e Carlos triunfante praticamente de ponta a ponta, o grande destaque daquele domingo foi o suíço Marc Surer.

Mas… como isso aconteceu?

Eu explico.

Surer em princípio não seria piloto titular em 1981. Campeão europeu de Fórmula 2 em 1979, o piloto então com 29 anos ainda perseguia um assento fixo na categoria máxima. No ano anterior, foi vítima de um grave acidente com um ATS em Kyalami, na África do Sul.

Ficou sem freio, quebrou os dois tornozelos e perdeu grande parte daquele campeonato. Quando voltou, no lugar de Jan Lammers, andou bem, mas não marcou pontos. A ATS decidiu chamar o holandês de volta e Surer ficou sem carro.

Em parte: Morris Nunn o chamou para fazer o GP da África do Sul, com o mesmo Ensign N180 que fora projetado por Ralph Bellamy e usado por Clay Regazzoni, Tiff Needell, Geoff Lees e… Jan Lammers.

Surer largou naquela disputa em 14º e abandonou por pane elétrica. A corrida não valeu pontos para o campeonato, posto que fazia parte da guerra política entre a FOCA de Bernie Ecclestone e a FISA de Jean-Marie Balestre.

Mas para a temporada de 1981, as minissaias e o efeito solo foram abolidos e o carro precisou passar por mudanças a tempo de disputar o GP dos EUA-Oeste em Long Beach, primeira prova marcada para aquele ano. Surer largou em 19º e era 7º colocado quando abandonou por falha no sistema de combustível do Ensign.

Duas semanas depois, aconteceria o GP do Brasil e o nome do helvético não constava da primeira relação de inscritos. Nunn optara por trazer para Jacarepaguá, que voltava a receber a corrida após três anos, o colombiano Ricardo Londoño-Bridge, que tinha “la plata” necessária para a sobrevivência da esforçada e pequena equipe inglesa – muito embora se descobrisse, tempos depois, que essa “plata” vinha do Cartel de Medellín, de um certo Pablo Escobar.

Londoño podia ter dinheiro. Mas não tinha talento.

Surer assistiu o sul-americano se matando no treino extra de aclimatação realizado na quarta-feira para mostrar que era capaz de guiar um Fórmula 1.

Até andou melhor que Nelson Piquet e Gilles Villeneuve. Mas a FIA não se convenceu disso.

E Ricardo foi vetado.

A entidade disse “não” à participação do piloto. É que naquele ano, como condição para impor o regulamento sem efeito-solo, Balestre propôs a Superlicença, uma espécie de carteira que credenciava o piloto a competir na categoria máxima. A entidade tinha poder de veto e o colombiano ficou sem carro.

Que fez Morris Nunn? Foi ao Hotel Intercontinental, quartel-general da Fórmula 1 no Rio de Janeiro, localizado em São Conrado. E acertou “de boca” com Marc Surer. O suíço seria sua tábua de salvação ao menos para classificar o carro com o dorsal #14 em Jacarepaguá.

No primeiro dia, os ‘apoiadores’ de Londoño-Bridge ainda estavam no Ensign mas, sem a Superlicença, o colombiano levou todos os patrocínios embora e o carro de Surer ficou ‘pelado’ de adesivos.

O que havia era discretos stickers da Champion, da Michelin (fornecedora única de pneus no início do campeonato) e olhe lá…

Surer classificou o carro sem muitos problemas na 18ª posição. Seu tempo no segundo treino foi 1’38″570, melhorando em sete décimos a marca da véspera – se não melhorasse, teria sido o 22º de um grid de 24 carros.

Como já citei anteriormente, choveu em toda a corrida. E ninguém, nem mesmo o próprio Surer, imaginaria que aquele seria o dia da maior apresentação de sua carreira de piloto de Fórmula 1.

Ele teve sorte e competência: passou em 9º lugar na primeira volta e foi logo ganhando mais posições, com os problemas da Alfa Romeo de Bruno Giacomelli e as barbaridades do lendário Gilles Villeneuve, que lhe custaram a sétima posição antes das dez primeiras voltas.

A rigor, o único piloto que ultrapassou o suíço da Ensign em pista foi outro que guiava bem em condições extremas – o francês Jean-Pierre Jarier, que vinha da última fila com o Talbot-Ligier.

Antes de dar o troco no “Jumper”, Surer passou o Fittipaldi guiado por Keke Rosberg, que após um início fulminante encontrava queda de performance. Jarier foi ultrapassado na 29ª volta e o suíço foi à caça de John Watson.

O veterano irlandês não pode com o carro azul, branco e vermelho. O piloto da McLaren não resistiu à pressão e saiu da pista na Curva Sul, na altura da 34ª volta. Guiando como nunca, Surer fez a melhor volta da disputa em 1’54″302, um par de voltas depois.

A próxima vítima seria Elio De Angelis, instalado no quarto lugar desde a quarta volta. O piloto da Lotus também nada pôde fazer para segurar o inspirado suíço, que numa manobra magistral de ultrapassagem superou o “Príncipe Negro”.

O ritmo forte de Surer não foi suficiente para alcançar a Arrows de Riccardo Patrese – mas há um detalhe: se a Ensign e Morris Nunn tivessem ideia que um pneu do carro do italiano esvaziava progressivamente nas voltas finais, talvez a história fosse outra.

Mesmo assim, a equipe explodiu em festa. Surer cruzou a linha de chegada a pouco menos de 14 segundos de Patrese, com um inimaginável 4º lugar, uma performance épica na chuva – com volta mais rápida – que lhe deu os primeiros pontos da carreira e o melhor resultado da história do time de Morris Nunn (1938-2018).

Há 38 anos, direto do túnel do tempo.

Comentários

  • Meu irmão foi nesse GP… eu, com 7 anos vi pela TV….
    E pensar que uma semente de discórdia nasceu na Williams naquele dia… e indiretamente ajudou Piquet e Laffite…

  • Foi de fato uma das melhores exibições de Surer,junto com o GP da Europa de 85 onde um vistoso incêndio em sua Brabham o privou de um justo e merecido pódio, na F1.

  • Bem lembrado. Surer veio lá da 7a posição, e tinha passado a dupla da Lotus no mesmo ponto(a descida da Pilgrims Drop em direção a Hawthorn Hill) pra alcançar o segundo posto.

  • Como curiosidade, perguntei na época para minha mãe se eu não poderia mudar meu nome para Marc Surer ou Brian Henton! Nomes que soam, ao meu ver, velocidade, tal qual Nigel Mansell. Torci pro Surer e pro Alan Jones, motivos óbvios… Bem diferente de Ralph Firmann… Hehehe…

  • Mas seus bolidos não chamavam Firman F1/2/3, né… Ou chamavam? Hehehe… Aliás, já teve um post dele(s)? Fiquei curioso, nao me lembrava disso! Agora Henton-Porsche, Mansell-Ford ou Surer-BMW ficariam demais… ????????????????????????

  • Claro, não havia ligado o nome a pessoa… De qq modo, o carro não era “Firman”, o pai do Ralph preferiu outra coisa (Van Diemen também é estranho) … Mas eu também não usaria Guimarães como nome de carro…