Ricardo Divila, um gênio

Os traços da genialidade de Ricardo Divila como designer apareceram logo no primeiro carro de Fórmula 1 que concebeu: o Copersucar-Fittipaldi FD01. Quase meio século atrás, o brasileiro antecipou tendências que até hoje são usadas no esporte a motor

RIO DE JANEIRO – Que ano de 2020 é esse…

Pandemia, mais de 2 milhões de atingidos, vítimas fatais passando de 100 mil, sem automobilismo, sem esporte, sem nada.

Amanhece 25 de abril… e perdemos Ricardo Divila.

Devastador.

Tinha 74 anos, passara pelo susto de um AVC em sua casa onde residia em Magny-Cours, na França, com a esposa Cristina. Mas após o acidente vascular cerebral, a situação infelizmente se agravou. Ricardo tinha um câncer no pâncreas e não resistiu.

A notícia de sua morte chegou via David Luff, antigo chefe de mecânicos da Copersucar-Fittipaldi. Logo se espalhou como rastilho de pólvora. Foi pegando os amigos de surpresa. E deixando todos nós entristecidos.

“Toda vez que ele vinha aqui saíamos para comer uma pizza e o encontro durava horas. Sempre tinha, em seu inseparável laptop, um projeto novo para mostrar. Era um papo saborosíssimo. Discorria sobre tudo, música clássica, outro tema que nos unia, filosofia, literatura, política, economia, ecologia. Era um homem do Renascimento, uma mente privilegiada. Fica uma dor”, registra o colega de profissão e amigo Lito Cavalcanti.

Com os colegas de Fox Sports Flavio Gomes, Edgard Mello Filho e Thiago Alves. Divila gravou um programa Fox Nitro que foi ao ar em 14 de novembro de 2016

Ricardo era um sujeito formidável. Avant la lettre, como dizem os franceses. Um ótimo papo. E não se furtava em compartilhar conhecimento. Acho que é por isso mesmo que era tão querido por todos nós.

Do currículo, o que mais pode ser dito? Que com menos de 30 anos de idade fez o Copersucar-Fittipaldi FD01, um dos mais belos carros da história? Que trabalhou em outras equipes como Ligier, Minardi e Fondmetal? Que foi até sócio de time na Fórmula 3000?

Tem mais: esteve por muitos anos nas 24h de Le Mans – e esse assunto, inclusive, nos aproximou ainda mais. Ricardo vinha na área de comentários do blog e não era só pra falar de corridas, não: quando resenhei aqui o disco “Eric Clapton: live at The Rainbow Theatre”, de 1973, ele comentou e disse: “Eu e Wilsinho (Fittipaldi) fomos e vimos o show. Maravilhoso.”

No Japão, Ricardo foi um dos pilares do envolvimento recente da Nissan no motorsport – além de trabalhar por muito tempo na Fórmula Nippon – e por isso mesmo o piloto brasileiro João Paulo de Oliveira foi um dos que mais lamentou a perda do amigo e referência.

“Meu caro amigo, não sei se tenho palavras. Apenas sei que vou sentir uma saudade enorme de nossas ligações de horas e horas por Skype onde eu largava tudo que estava fazendo pra ouvir você. Você é foda e viverá comigo sempre. Vai com Deus meu irmão, um dia nos vemos”, escreveu JP em sua conta no microblog Twitter.

Privilégio: entrevistar Divila e produzir com ele material para o SporTV, onde trabalhei até novembro de 2012, nas 6h de São Paulo daquele ano. Ricardo não era estrela e compartilhava conhecimento. Um gênio absoluto

Esse era o Divila, que amou intensamente o esporte e o viveu, desde o momento em que se formou engenheiro na FEI, até os úlitmos dias de sua vida.

Você nunca será esquecido.

#RIP Godspeed.

Comentários

  • Triste, muito triste.
    A gente sabe que assim é a vida, que um dia todos nós vamos encontrar esse momento.
    Mas quando chega a hora de pessoas iluminadas irem embora, a gente sempre fica triste e pensa: tão cedo, com tanto ainda pra nos oferecer !!! Quando a gente fica mais velho, então, a gente talvez fica ainda mais sensível a isso…
    Não conheci o Ricardo pessoalmente, mas acompanhei seu caminhar no automobilismo mundial, e aprendi a respeitar, e muito seu conhecimento e sua experiencia. No sites e nos blogs, como esse aqui, lia com atenção suas entrevistas e os seus não muito raros comentários, sempre eivados de bom senso e inteligencia. Apreciava ler historias que vivenciou, sempre contadas de uma forma leve e despretensiosa.. Passei admira-lo ainda mais.
    Não o conheci, mas formatei a ideia de uma cara legal, e quando lia algo dele ou quando pensava nele, sempre me vinha a ideia: taí um cara com quem eu gostaria de conversado, convivido.
    Quando semana passada li que ele foi internado, fiquei preocupado. Todos os dias, ao entrar na internet, a primeira coisa era uma busca pra ver se encontrava alguma noticia positiva sobre a saúde dele.
    Hoje veio a noticia, que era aquela que eu não queira ler.
    Vai em paz Ricardo e que o teu caminho seja de muita luz. Aqui você deixou uma marca muito positiva, você faz parte do lado bom da historia.
    Antonio

  • Um cavalheiro, gentil e humanista (minha visão), preocupado com a natureza, atencioso… Fará falta neste plano material, mas seu legado, aos que ficam e viveram o automobilismo a partir dos anos 70 até 90, não será esquecido.

  • Eu estava conversando com meu pai sobre a genialidade do Divila, e como não se falava dele. Era uma figura tão espetacular que merecia ser reverenciada todos os dias.
    Hoje acabei recebendo a notícia da sua morte, e fiquei muito triste. Só tenho a agradecer o seu legado.
    Descanse em paz gênio.

  • Perda irreparável.
    E apesar de concordar com o pensamento do Antonio Seabra, de que todos estamos aqui de passagem, fica sempre aquela pergunta:
    Por que ele já foi embora, enquanto inúmeros trastes ainda continuam por aqui, nos infelicitando com a sua presença?
    Fé em Deus e pé na tábua, Ricardo!
    Nos encontramos em outro plano, outra vida.

  • Grande, enorme, Divila! Patrimônio agora imaterial de todo brasileiro apaixonado pelo lado mais técnico do esporte, gigantesco mestre.

    Lembro da primeira vez que li um comentário dele aqui e pensei “Pô, que bacana, alguém lembrando do Divila, usando o nome”, só depois me toquei que ele era ele mesmo. Uma honra dividir, concordar e discordar dele aqui, principalmente na época do Nissan LMP1 fwd.

    Um ídolo dos meus ídolos, como o JP.

  • A morte de Divila me impõe um desafio: escrever a história dele.

    Explico: Divila é único em aspectos importantes, que não devem ficar perdidos nas memórias espalhadas dos velhinhos e do comentários dr blog.

    Divila é único, como engenheiro brasileiro, no automobilismo mundial. Andou com Emerson e Wilson pela F3 e F2, passou pela equipe Fittipaldi (é o D de FD), mas seguiu uma carreira de sucesso por várias outras equipes de F1, protótipos etc.

    Divila é único: escreveu uma deliciosa ckluna técnuca em revista especializada estrangeira.

    Divila é único a transitar pelas tecnologias: começou com chassis tubulares, acabou com honey ckmbs, começou ckm carburadores, terminou na eletrónica, começou com mototizaćões, terminou na era da aerodinâmica, começou na combustão, acabou no motor elétrico, enfim, foi longevo na competição automotiva.

    Divila é único na placidez, cultura e cuidado com seus fãs.

    Um cara com tamanha expressão, tanta importância para a história da engenharia brasileira, ainda por cima homem tão bacana, tem que ser contado e recontado.

    Peço licença para falar de livro, Matar, porque você está trabalhando em um. Livros (vários) sobreo Divila seriam uma homenagem e também um investimento na inteligência do futuro.

    Que falta faz um Rucardo Divila.

  • Para alguém que respirava corridas, este período sem elas seria mesmo o momento de recolher pro box.
    Infelizmente, não da maneira que ele queria. Em uma entrevista disse que desejava morrer como Harvey Postlethwaite, trabalhando nos carros e “apagar ao lado da pista”. Não deu, mas fica o seu legado. Gigante. RIP