Sir Stirling Moss (1929-2020)

Stirling Moss (1929-2020): lenda britânica da Fórmula 1, recordista de vitórias entre os pilotos ingleses até 1991. Seu azar foi pegar pela proa um tal de Juan Manuel Fangio

RIO DE JANEIRO – O domingo de uma Páscoa que deveria ser de reflexão mas, infelizmente, por conta de pessoas que acham que sabem tudo – e não sabem nada –  diante de tudo que vivemos por conta da pandemia do Covid-19, amanheceu mais triste para os fãs de automobilismo.

Às 7h da manhã, pelo horário de Brasília, chegou a notícia da morte do maior piloto da história a jamais ter se consagrado campeão mundial de Fórmula 1: Stirling Moss, autêntica lenda viva do esporte, morreu neste 12 de abril, aos 90 anos.

Moss foi o piloto mais completo dentre todos os britânicos que se aventuraram nas pistas nos anos 1950. Correu de um tudo, passando pela Fórmula 3 até as provas de Rally, Endurance e, claro, Fórmula 1, onde disputou 66 GPs oficiais e uma dezena de corridas extracampeonato.

Com os monopostos, fez sua estreia oficial em Berna-Bremgarten no ano de 1951, conquistando o 8º lugar no GP da Suíça com um HWM de motor Alta de 2 litros. Até a temporada de 1954, ninguém dava nada por Moss. Ele correra sem muito sucesso com outros modelos como o Connaught e o Cooper, até o primeiro pódio em 1954 no GP da Bélgica. Foi 3º colocado com um Maserati alinhado por ele mesmo.

Após meia temporada na Oficina Alfieri Maserati, Alfred Neubauer o levou para a Daimler Benz AG, que alinhava desde o ano de 1954 o lendário modelo W196 “Flecha de Prata”. A bordo dos carros que ora corriam com as rodas de fora – nas pistas de baixa – e com carroceria aerodinâmica nos circuitos de alta, Moss venceu sua primeira corrida da carreira no GP da Inglaterra e foi vice para Juan Manuel Fangio.

Aliás, esta foi a grande sina, a grande marca na carreira de um monstro das pistas. Moss era excepcional, celebrado e elogiado pelo mundo do automobilismo. Mas deu o azar de ter nascido na época errada. Fangio, mesmo uma década e meia mais velho que o britânico, era simplesmente o maior de sua geração.

Tanto que, ao acabar a equipe Mercedes no fim de 1955, Moss volta para a Oficina Alfieri Maserati, vence duas etapas em Mônaco e Monza e acaba vice de Fangio, então na Ferrari, pela segunda vez. Na temporada seguinte, o britânico fecha com Tony Vanderwell e se muda para a Vanwall. Ganha em Pescara e Monza, mas não impede o penta do argentino, que defendia a Maserati.

Sem Fangio, mas com Mike Hawthorn no caminho: foram quatro vice-campeonatos consecutivos entre as temporadas de 1955 e 1958

Juan Manuel encerrou sua carreira em 1958 e naquele ano muitos tinham certeza de que Moss seria o campeão. Mas Mike Hawthorn, igualmente britânico e então na Ferrari, impediu a façanha do compatriota. Foi o melhor ano em termos de vitórias para a carreira de Moss, que triunfou quatro vezes: Argentina (com um Cooper), Holanda, Portugal e Marrocos.

Em 1959, Moss revezou-se entre os Cooper-Climax e BRM, ganhando mais duas vezes e fechando o ano em 3º lugar, posição que repetiria em 1960 (ficando fora de três provas, é bom lembrar) e 1961. Sua última equipe foi a Rob Walker e ele venceu mais quatro provas com os modelos 18 e 21 da Lotus: Mônaco, duas vezes, EUA (Riverside) e Nürburgring, naquela que foi sua última conquista. A carreira do piloto foi encerrada em 1962, quando Moss tinha 32 anos, após um grave acidente que o deixou em coma e com parte do corpo paralisado.

Com Dennis Jenkinson e esta Mercedes esporte, Moss ganhou a Mille Miglia de 1955

Ao todo, Moss venceu 16 GPs oficiais, com 24 pódios, 16 pole positions e 19 recordes de volta em prova. Números superlativos, sem dúvida. E seu total de triunfos seria o maior de um piloto inglês na Fórmula 1 até 1991, quando Nigel Mansell finalmente o superou. Notem que descarto nesta estatística os escoceses Jackie Stewart e Jim Clark, que por 14 anos foram os dois que lideraram o ranking de triunfos. O primeiro com 27, o segundo com 25.

Entre 1951 e 1961, Moss disputou também uma dezena de edições das 24h de Le Mans, outro tanto das 12h de Sebring e seis Mille Miglia. Nesta, venceu a edição de 1955 com um Mercedes-Benz 300 SLR, tendo como copiloto o jornalista Dennis Jenkinson. Ganhou também na Flórida – em sua primeira participação, aliás – com um modelo Osca MT4 de apenas 1,5 litro de capacidade cúbica, dividindo a condução com Bill Lloyd.

Em La Sarthe, Moss foi vice-campeão da prova duas vezes: a primeira foi em 1953, com Peter Walker na parceria e a bordo de um Jaguar C-Type, derrotado pela dupla Tony Rolt/Duncan Hamilton. Em 1956, correu com um Aston Martin DB3S em dupla com o compatriota Tony Brooks, perdendo para o Jaguar D-Type de Ron Flockhart/Ninian Sanderson, por uma volta de diferença.

Moss deixou as pistas, mas a Fórmula 1 não o deixaria até o fim da vida. Durante 18 anos, foi repórter da ABC Sports. Alistair Petrie o interpretou em “Rush – No limite da emoção”. O repórter que entrevistava James Hunt (Chris Hemsworth) era ele, então com 46 anos

Finda a carreira de piloto de competição, Moss, que era muito bem articulado e especialmente benquisto e respeitado no meio do motorsport, foi contratado da emissora estadunidense ABC por 18 anos. Inclusive, no filme “Rush – No limite da emoção” (2013), dirigido por Ron Howard, embora não-citado oficialmente, Moss é o repórter daquela temporada épica da luta entre James Hunt e Niki Lauda. O ator Alistair Petrie o interpretou na película.

Toda honra e toda glória para Stirling Moss, ontem hoje e sempre. Sei que as gerações de fãs do esporte que vieram depois celebram nomes como os de Ronnie Peterson, José Carlos Pace e Gilles Villeneuve como seus prediletos. Peterson e “Moco”, tenho certeza, muitos acharam que seriam campeões do mundo.

Mas ninguém merecia mais o galardão, na história de 70 anos da Fórmula 1, do que Sir Stirling Moss.

Comentários

  • No Brasil, ser vice-campeão, não só de Fórmula 1, mas de qualquer esporte, grosso modo, não vale nada.Rubinho (02 vezes) e Massa (01) foram vice, mas poucas pessoas levam isso a sério.

    Eu discordo dessa “quase unanimidade” sobre a desimportância de ser vice, pois valorizo bastante os pilotos de F-1 que foram vice-campeões e, nesse quesito, Stirling Moss foi o maior de todos.

    • Vice do Massa em 2008 vale muito mais que alguns campeonatos conquistados por pilotos que depois trocaram de carro e provaram que não ser lá essas coisas.

      • O que o Massa fez além disso? Perdeu 1 vez pro Heidfelf, 1 pro Fisichela, 1 pro Schumy, 1 pro Haikkonen, 4 vezes pro Alonso, 3 Bottas. Foi o piloto que mais perdeu pro companheiro de equipe na história da F-1. Basta ver ele na F-E apanhando do Mortara.

  • OFF-TOPIC – Supondo que você aceite uma colaboração para o seu blog, gostaria de saber se posso enviar uma foto que tem tudo a ver com a seção Direto do Túnel do Tempo.

    Trata-se de um “objeto” estranho e surrealista de uma corrida de Fórmula 1 nos anos 70. Capturei essa foto diretamente de um DVD sobre corridas nos 70’s, e nunca vi esse “objeto” em blogs e/ou sites sobre F-1. Fiz uma “varredura exaustiva” no Google e também não encontrei. Pode até ter sido publicado em revistas, mas aí é complicado para checar.Nos anos 70, colecionei a Quatro Rodas, mas a partir de 1975, e eu não tinha ace$$o às revistas estrangeiras. O “objeto” esquisito é de um GP de 1973.

    Se jornalisticamente falando esse “objeto” não for interessante para ser publicado no seu blog, gostaria apenas que você me informasse do que se trata. Você tem um conhecimento enciclopédico sobre corridas, e certamente terá a resposta (isso aqui não é puxa-saquismo, é apenas a verdade).

    Eu sou muito idoso e uso um meio de comunicação eletrônico extremamente rudimentar: e-mail. Pelo que eu vi no seu blog, parece que você agora é usuário apenas do Twitter. Eu preferiria enviar a foto por e-mail, mas se não for possível, você autoriza que eu envie a foto através do Twitter do meu irmão?

  • Que texto legal de se ler!
    Um belo relato da carreira de Sir Stirling Moss!
    Vi diversas entrevistas dele, o homem era demais como pessoa.
    Muito bom Mattar!

  • Perfeito Rodrigo.
    Peterson, Moco e Gilles são 3 grandes pilotos que mereciam ter sido campeões mundiais, e seriam, tivesssem vivido mais. Mas ninguém mais mereceu tanto esse titulo em falta do que Moss.

    Antonio

  • Tem uma edição da MotorSport – a revista – que celebra grandes pilotos coletando matérias antigas. A de Moss é um relato delicioso do GP de Mônaco de 1961, sensacional.

    Um dos grandes, com certeza.

  • Rodrigo , vale lembrar que ele não foi campeão por força de certos regulamentos, se não falha a memoria, nas duas vezes vices, ele fez mais pontos que o campeão.

  • Rodrigo, relembrando:

    Formula Ford
    Year: 1969;
    Team: S.M.A.R.T. Stirling Moss Automotive Racing Team;
    Drivers: Luiz Pereira Bueno & Ricardo Achcar

    Barba

    • Essa equipe SMART tinha que ser esmiuçada.

      Para mim ela é como os Vikings que vieram à América antes de Colombo: a Smart foi à Inglaterra antes de Emerson Pace e Wilson tomarem conta.

      De qualquer forma, saudações ao unânime Stirling Moss, padrinho dos títulos brasileiros dos anos 1970 e 1980.