Um sopro de esperança

A imagem da alegria pela primeira vitória e da incredulidade de estar no topo do pódio: nem Pierre Gasly poderia prever, nos mais delirantes sonhos de sua vida, que venceria pela primeira vez de um modo muito parecido com o de Sebastian Vettel pela ex-Minardi, agora ex-Toro Rosso, e na mesma pista de Monza que o alemão

RIO DE JANEIRO – A Fórmula 1 precisa de fatos novos para ser manchete e deixar os fãs do automobilismo entusiasmados. E que bom que eles vieram no domingo, dia do tradicional GP da Itália. Foi preciso um Safety Car para salvar a pátria e uma bandeira vermelha. E punições, especialmente a Lewis Hamilton, que levaria de vencida a corrida e tinha tudo para alcançar o nonagésimo triunfo da carreira.

Só que a Mercedes e o inglês fizeram tudo errado. Com o carro de Kevin Magnussen, da Haas, sendo conduzido na pista de rolamento dos boxes pelos fiscais e pelo próprio piloto, aconteceu que a entrada do pitlane foi fechada pela direção de prova – aliás, Safety Car maroto esse hein? Não sei se Charlie Whiting, em seus tempos de direção de prova faria isso… no mínimo – e concordo com o Cacá Bueno, que participou conosco ontem no Fox Nitro – poderia ter rolado um Virtual Safety Car sem menores problemas.

Ocorre que isso não aconteceu e, se foi anunciada a punição a Antonio Giovinazzi, que cometeu a mesmíssima infração, Hamilton também teria de ser penalizado com stop & go de 10 segundos. Bingo!

Mas, antes disso, veio a panca de Charles Leclerc na Parabólica, só para pôr mais lenha na fogueira da corrida e fechar com chave de lata mais um fim de semana terrível da Ferrari.

Os italianos têm sua pior temporada na F1 em 30 anos. Conseguem ficar – pasmem – atrás de Renault e Racing Point no Mundial de Construtores. Vettel – que abandonou pela primeira vez um GP da Itália, acreditem – e Leclerc, juntos, completaram 235 voltas a menos em 2020 que os dois pilotos da Mercedes – que percorreram todos os quilômetros possíveis nas corridas disputadas na temporada.

É aterrador. E triste, ao mesmo tempo.

Enfim… corrida paralisada por meia hora e a liberalidade do regulamento de bandeira vermelha da F1 criou uma situação parecida com a que se viveu no passado, quando num GP da França, lá por 1981, a Renault mexeu em tudo o que pôde fazer no carro de Alain Prost. Deu pressão no turbo, consertou o câmbio do carro e montou pneus de classificação. Nelson Piquet, que fez uma das melhores corridas da carreira e liderava, perdeu a disputa por causa daquilo.

No domingo, Lance Stroll, da Racing Point, não tinha parado nos boxes como os outros adversários. E teve, como segundo colocado antes da interrupção, a benesse de escolher com seu engenheiro um jogo zero de pneus – só que largou do lado sem aderência e deu adeus às chances de ganhar de forma inédita.

Com a punição a Hamilton, Bottas num dia pavoroso e Verstappen apagado, quem emergiu foi… a Alpha Tauri!

Pois é… a ex-Toro Rosso, a ex-Minardi, com Pierre Gasly. E o francês foi soberbo na administração da liderança, conservando a ponta apesar da pressão incessante de Carlos Sainz nas voltas finais. É volta por cima que chama? Deve ser…

A narração acima, cortesia de Julien Fébreau, do Canal + da França, dá uma medida do quão emocionante foi, para os gauleses, esperar tanto por um triunfo desta magnitude.

Vinte e quatro anos, desde a surpreendente conquista de Olivier Panis em Mônaco. E a citação a todos os outros franceses vencedores, desde o pioneiro Maurice Trintignant, lá nos anos 1950, foi demais! Foi lindo!

E um pódio diferente também foi algo bonito de se ver. Carlos Sainz Jr. desapontado com o 2º lugar e Lance Stroll em terceiro compuseram com Gasly o 1-2-3 mais jovem da história em 70 anos de Fórmula 1. É algo de que a categoria precisa, de vez em quando. De um sopro de esperança.

É um campeonato já encaminhado para Hamilton, que ainda salvou pontos e foi o 7º colocado. Mas vocês hão de convir que precisamos de mais corridas assim. E espero que o campeonato ainda nos proporcione momentos tão genuínos e tão bonitos quanto a primeira vitória de um piloto que, há um ano e meio, descia de patamar na carreira e perdia, também, um de seus maiores amigos dentro do esporte.

Comentários

  • Bom, se formos levar em conta a política de admissão e demissão da Red Bull a sério, não seria já a hora de mandar Helmut Marko pra casa? De acordo com a metodologia implacável do austríaco, ele colocou o “futuro multi campeão” Verstappen em um carro fadado a ser segunda força e trocou alguém claramente talentoso por um piloto rápido, mas sem nada demais. Tomando-se o próprio veneno, já deveria estar na rua desde o início da temporada.

    Quanto ao fato de Max realmente vir a se tornar um multi campeão, duvido e muito!

    • Se o Verstappen dar uma de chorão como o Leclerc, periga virar um Alesi.
      O Alesi, quando chegou, fez, respeitando as devidas proporções, o mesmo barulho que o Verstappen. Ninguém imaginava, em 1990/91, que ele só ganharia UMA corrida na carreira, e que jamais estaria em condições de disputar um título mundial. Se achava que ele, por baixo, ia ganhar dois títulos e umas 30 corridas.
      Claro que ele já ganhou mais de uma. Já enfileira umas oito, se não me engano. Mas ele tem que entender que ele não vai andar rápido em todo o momento, em todas as pistas, e nem sempre terá o carro na mão pra ele e não vai brigar por vitória em toda corrida. Pelo menos não enquanto a Mercedes estiver sempre um passo à frente dos Deuses da F-1. e dois passos à frente da concorrência. A briga dele é pra chegar à frente do Bottas, o que não é pouca coisa.

  • O Gasly mereceu e mereceu muito. Já vinha fazendo excelentes classificações e boas corridas desde o incio desse ano. Vinha batendo o Kvyat regularmente – e olha que o russo não é lento – e na Belgica fez uma corrida de encher os olhos, especialmente na fase inicial, de pneus brancos. Não fosse sua estrategia ter sido prejudicada pela bandeira amarela, poderia ter chegado melhor classificado.
    Na Italia, saindo de decimo, vinha fazendo uma corrida muito boa outra vez, até que a bandeira amarela jogou a seu favor. Tendo ficado em primeiro após a relargada, ainda deu a sorte do muito favorecido Stroll errar 2 vezes, na largada e na saida de pista, e do Kimi prender um pouco o Sainz, e abriu um diferença que certamente, facilitou sua vitoria. Curioso que o Sainz, a partir de ter passado o Kimi, veio tirando a diferença sempre, mas a um ritmo muito baixo, de 1 a 2 decimos por volta, apenas. Sainz era mais rapdio nas retas, mas Gasly recuperava parte da diferença nas curvas. Andando num ritmo muito forte para o carro que tinha, Gasly nao cometeu erros, e não deixou Sainz, em momento nenhum, ficar em posição de tentar a ultrapassagem. Diria que mesmo que o GP tivesse uma volta mais, Sainz não o ultrapassaria.
    Em condições normais, Pierre teria chegado em sexto ou setimo. Mas com a punição de Hamilton, e os desempenhos decepcionantes de Bottas, Verstappen, Albon, Ricciardo e Perez, ele soube aproveitar a oportunidade. Sorte ??? Sim, mas ajudada por uma tocada competente, de um piloto muito bom.
    É cedo pra vaticinar o que Gasly poderá alcançar em sua carreira, mas se tiver um pouco mais de ajuda da sorte, deverá exibir o talento que o levou ao campeonato de F2 de 2016.

    Espetacular a narração empolgada do narrador frances !!!!
    Antonio
    No mais, grande corrida do Hamilton, que, com um carro com 15 km/h menos de velocidade nas retas para a maioria dos outros competidores, ultrapassou onde dava e onde não dava, e tirou cerca de 13 segundos dos lideres, numa recuperação fantástica.

  • Muito feliz por esse sopro de esperança.
    Estamos comemorando vitória de francês? Sim!!!
    Depois do professor Prost… Umazinha (só!) do Alesi e uma vitória louca do Panis. E c´est finit. Mereceram muito.
    E esse garoto passou por um inferno astral. Quando viu a grande chance da carreira, não se acertou com o carro, viu o chefe mala e impaciente fungando no cangote, até que foi defenestrado da equipe, e logo em seguida perde um compatriota e amigo de maneira trágica e impactante para todos. Sendo que foi a segunda promessa francesa perdida em pouco tempo. Imagine a cabeça dos torcedores franceses, e, principalmente, dos pilotos. Grosjean já tá na descendente, mas Ocon e Gasly, carregavam a esperança distante nas costas.
    Aí o garoto, que tinha tudo pra chorar na cama e se afundar na carreira, se acha de novo na equipe, começa a entubar o companheiro de equipe de tudo quanto é jeito, arruma um pódio épico e termina o ano de alma lavada.
    E começa 2020, uma temporada atípica, mas em que, na prática, todos disputam o quarto lugar, porque os dois primeiros são da Mercedes e o terceiro é do Verstappen (único ser encarnado que consegue pilotar essa prima-dona que é a Red Bull desse ano). Só tem pódio pra outro quando algum deles tem alguma zica, corre mal ou acontece algo fora do padrão. Foi o caso.
    Eu, na verdade, torcia pra qualquer um dos três vencer. Gasly mereceu, Sainz mostrou que é o maior come-quieto do momento (no bom sentido), e mostrou porque a Ferrari escolheu ele, e não o Norris Zoeira quebrador de garrafa. Se bem que o Stroll não merecia muito não. Ficou sem aderência, e tal, mas mostrou que ainda é muito inconstante. Mas, com toda a sua inconstância, faz a temporada da vida com a mercedinha 2019. Torço que a equipe se torne grande, sempre é bom termos mais possibilidades. Ainda que seja uma Aston Martin meio zumbi, meio frankenstein, meio andróide, algo meio fabricado a troco de compra de participação societária. Mas tá bom. Aston Martin é um milhão de vezes melhor que Racing Point.
    E uma Minardi venceu de novo. Sim, Minardi! Até a sede dos caras ainda é a mesma. Como comentei em outro local, se raspar a lateral do carro bem raspadinho, tirar aquele branco-azul (ou é preto, sei lá!) da Benetton Rubro-Taurina, vai aparecer um amarelo gema e um “SIMOD” escrito em preto. E se bobear acha um capacete velho do Pierluigi Martini perdido dentro do motor.

  • A quebra do carro do Magnussen definiu o pódio da corrida muito mais do que a batida do Leclerc, pois provocou a punição do Hamilton ao entrar no box. A Haas poderia ficar tranquilamente estacionada onde ele parou, mas precisamos relembrar do acidente do Jules Bianchi. Após a morte do Bianchi, a FIA não quer correr mais nenhum risco, e por isso o carro foi levado para o box, mas com um exagero: a remoção da Haas poderia ser feita com um Virtual Safety Car tranquilamente.

    Wolff e Hamilton nunca esquecerão essa corrida, e tenho certeza que ano que vem eles pedirão uma alteração: o local onde a Haas quebrada foi estacionada deve ser alargado para que possa passar um carro.

    Outra coisa que deveria ser mudada em todos os circuitos é que se crie uma luz vermelha – bem visível – informando que o box está fechado. A sinalização, digamos, obscura, foi feita com um X na cor laranja. Todos sabem, mas vale lembrar: nos treinos livres, para sair do box, o piloto precisa esperar a luz mudar de vermelho para verde.

    Para que ano que vem tenhamos mais uma corrida tão emocionante como essa, Ross Brawn voltou a falar seriamente em pelo menos duas corridas com sprint race e grid invertido. Eu acho a ideia excelente, só que o Ross Brawn só diz isso agora porque faz tempo que ele saiu da Ferrari e a Brawn GP já é um passado distante. Queria ver se ele teria coragem de propor isso na época em que o Schumi ganhava tudo e o Button despontava como futuro campeão mundial.

    • Jeferson,

      A questão da luz par a”boxes fechados” pode ser resolvida de forma muito simples: uma luz no volante dos carros, acionada pelo controle da corrida. Me parece que a Indy ja usa algo assim.

      Antonio

      • Antonio, essa ideia da luz no volante é excelente, e não admite reclamação: o piloto não terá como alegar que não viu a luz acesa.