Direto do túnel do tempo (474)

RIO DE JANEIRO – O ano de 1981 começou assistindo uma das mais infames batalhas políticas do automobilismo em todos os tempos. De um lado do cabo-de-guerra, o bufão Jean-Marie Balestre e sua Féderation International du Sport Automobile (FISA). E do outro, Bernie Ecclestone, o dínamo da Formula One Constructors Association (FOCA).

No ano anterior, a batalha de poder eclodiu num GP da Espanha boicotado por Renault, Alfa Romeo e Ferrari e a briga pós-temporada de 1980 e pré-1981 foi para valer. O que se falava na imprensa da época é que haveria duas Fórmula 1: a de Ecclestone com os carros dotados de minissaias e efeito-solo, que provocava um downforce absurdo nos monopostos e uma velocidade brutal em contorno de curva – e a de Balestre, que era contra tais artefatos.

Especulou-se até que pela falta de competidores no bloco da FISA, construtores tivessem a chance de inscrever três carros e eu li (isso não é mentira) que Jan Lammers chegou a ser cogitado para dividir a Ferrari com Gilles Villeneuve e Didier Pironi.

O ponto alto – ou baixo – dependendo do modo como se vê essa disputa ridícula de poder entre Ecclestone e Balestre tendo a F1 como pano de fundo, foi o GP da África do Sul de 1981.

A FISA fincou pé que a corrida deveria acontecer em 11 de abril daquele ano e não em fevereiro, no dia 7, um sábado. Os sul-africanos sabiam dos (péssimos) efeitos da mudança de data, que incluiriam tempestades que prejudicariam o evento. Havia patrocinadores assinados e a promoção da corrida estava em curso. No comunicado à federação daquele país, foi imposto que a corrida não deveria – em hipótese nenhuma – contar pontos para qualquer campeonato (donde está errado afirmar que com o resultado válido, os rumos do campeonato de 1981 seriam mudados), sob pena da África do Sul ser limada do calendário futuramente.

E assim foi disputada a última corrida do que se chamou na época de “Fórmula Livre”, com os 19 carros e onze equipes do bloco da FOCA – incluindo o retorno da March às pistas, a alemã ATS e a Theodore Racing, de Hong Kong, todos com efeito-solo e minissaias.

Entre os pilotos que disputaram a corrida, uma mulher: Desiré Wilson, então com 27 anos, tentara se classificar sem êxito para o GP da Inglaterra de 1980 com uma Williams FW07 em Brands Hatch, inscrita pela RAM Automotive de John McDonald.

Na Aurora AFX Series, ela entrou para a história como a primeira representante feminina a ganhar uma prova daquela categoria, também em Brands. Por conta desse feito, uma das arquibancadas do circuito tem o nome dela. E para a corrida de Kyalami, Ken Tyrrell deu a ela a chance de andar no modelo 010 junto ao seu novo contratado para 1981, o ítalo-estadunidense Eddie Cheever.

Em meio aos pilotos mais experientes, Desiré até que se saiu bem: classificou em 16º entre os 19 participantes e conseguiu, mesmo com a pista molhada, levar o carro até a sexta posição em determinado momento da disputa ganha pelo argentino Carlos Reutemann. Mas um acidente a tirou de esquadro na 52ª volta.

“Tio” Ken gostou muito da performance de Desiré e efetivamente teve interesse em lhe dar o posto de titular na temporada de 1981. Mas a situação do Apartheid e também a falta de fundos impediram que ela fosse a terceira mulher após Maria Teresa de Fillipis e Lella Lombardi a guiar de fato numa corrida de Fórmula 1.

A Tyrrell entregaria o cockpit do carro #4 a três pilotos diferentes naquele ano: Kevin Cogan (Long Beach), Ricardo Zunino (na perna sul-americana Brasil-Argentina) e, a partir do GP de San Marino, a Michele Alboreto, que levou patrocínios e tirou a Tyrrell do zero absoluto em termos de investimento.

Há 40 anos, direto do túnel do tempo.

Comentários

  • Foi um ‘turning point’ da Fórmula Um esse tempo turbulento.

    Foi também muito revelador do caráter dos ‘cartolas’ da F1: ou Eclestone, o stalinista, ou Balestre (‘best decicion is my decision’).

    Mas o ‘post’ revela a graça e a atratividade das corridas: carros diferentes, equipes de garagem e equipes de montadoras, variação nos pilotos e ‘grids’ lotados.

    Acho que foi nesse Gp da África do Sul que Keke Rosberg andou perto dos líderes, com seu Fittipaldi.