Cassiano (1943-2021)

RIO DE JANEIRO – O ano era 1977. Chega em casa o disco da trilha sonora nacional da novela global “Loco Motivas”. De repente, aquela voz invade o aparelho de som da minha casa em Ramos, dizendo assim…

Sei que você gosta de brincar de amores
Mas ó, comigo não
Sei também que você eu não sei mais nada
Um dia, você vai ouvir de alguém
O que eu ouvi, de ti
Então irá pensar, como eu sonhei em vão
Não vá ou vá
Você é quem quer saber que eu amo
Quer saber que eu amo, quer saber que eu amo você
Aquela poesia me ganhou ainda criança. Descobri que era de um cara chamado Cassiano. O tempo passou, Cassiano sumiu, eu fiquei adolescente, cresci, fui para a faculdade e descobri nos contatos com os colegas de Escola de Comunicação que aquele Cassiano de “Coleção” era o mesmo de “Primavera”, “Eu amo você” e “A lua e eu” – outro tema de novela global, no caso “O Grito”, de 1975.
As descobertas não se resumiram a isso apenas e tão somente. Soube que ele tinha apenas três álbuns autorais – Imagem e Som (1971), Apresentamos Nosso Cassiano (1973) e Cuban Soul – 18 Kilates (1976). Que ele não se resumia às grandes canções que fizera com Paulo Zdanowski e Silvio Rochael. Que sua obra era repleta de belezas. Que seus discos eram belíssimos, obras-primas escondidas no recôndito e no obscurantismo de uma MPB que foi cruel com um de seus grandes poetas. E com um dos Papas da Soul Music no Brasil, igual ou tão bom quanto Tim Maia, Tony Bizarro, Carlos Dafé e outros.
Ed Motta, mesmo com todos os defeitos que muitos conhecem, tentou o resgate da obra de Cassiano. Coordenou a coletânea “Coleção” lançada em 2000 e participou do disco “Cedo ou Tarde”, possivelmente uma das últimas vezes que aquele paraibano nascido em 16 de setembro de 1943, pisou num estúdio de gravação.
Outro dia, Ancelmo Góis deu nota em seu blog – inclusive intitulando de forma errônea uma das obras-primas do artista – informando que Cassiano tinha problemas de saúde e não tinha leito para poder seguir o tratamento. Foi internado no Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes, subúrbio da Central. Infelizmente, neste dia 7 de maio, Cassiano morreu – por complicações do Covid-19.
Mais um na estatística de um Brasil que normatiza mortes. Que dá de ombros para sua história, seu passado, para as artes, a cultura em geral, a leitura, a música, a poesia. Talvez tenha sido melhor assim: Cassiano não viu sua obra vilipendiada por generais de dez estrelas que ficam atrás na mesa com o cu na mão.
Gênio. Incompreendido. Esquecido.
A quem só será dado valor agora, depois de sua partida.
Obrigado pelas canções, Cassiano.

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