24h de Le Mans: quadra da Toyota num final de cortar o coração

Chegada em formação dos Toyota, na quarta vitória seguida dos japoneses em Le Mans e o primeiro triunfo de um trio que já merecia estar no topo do pódio em La Sarthe, com Pechito López, Mike Conway e Kamui Kobayashi

SÃO PAULO – Favorita – mas não absoluta – por causa da introdução de um novo regulamento onde tudo poderia dar errado – e quase deu, a Toyota faturou pela quarta vez consecutiva as 24 Horas de Le Mans, na primeira edição da clássica prova francesa com o regulamento Hypercar. Os GR010 Hybrid foram dominantes e não tiveram problemas para emplacar a dobradinha.

E com o mérito total de um trio muitas vezes prejudicado e injustiçado: as performances de Mike Conway, Kamui Kobayashi e José María López eram e são tão melhores quanto os resultados pelo menos até o ano passado supunham que fossem. O trio ganhou o WEC entre os pilotos no biênio 2019/20 apesar de um regulamento esdrúxulo e fizeram por merecer ganhar a prova – López é o primeiro argentino a triunfar em quase 70 anos (desde Froilán González em 1954, aliás); Koba somente o quarto oriental da história e Conway, o primeiro britânico desde Nick Tandy a faturar em Le Mans.

A corrida começou com fortes doses cavalares de emoção incluindo uma chuva que foi capaz de trazer o caos nas primeiras duas horas e em pelo menos outros momentos alguns pilotos foram pegos pelo contrapé. Logo na largada, o #8 guiado por Sébastien Buemi por pouco não foi pro vinagre: o carro japonês foi atingido pelo Glickenhaus de Olivier Pla, rodou e despencou para 48º depois de um problema técnico.

Mas o suíço e seus parceiros Kazuki Nakajima e Brendon Hartley logo se recuperaram, chegaram até a liderar, mas uma falha técnica que fez o #8 ter de se governar por stints mais curtos no período do início da manhã deste domingo, levou o trio a perder uma volta inteira. A Toyota ‘resetou’ o GR010 com problemas e depois fez o mesmo com o #7: o problema foi resolvido, mas já era tarde demais para uma luta interna entre os pilotos do time oriental.

A Alpine fez o que pôde e André Negrão foi ao pódio geral em Le Mans pela primeira vez na carreira

A Alpine teve o mérito de conseguir estender ao máximo possível os stints do seu protótipo LMP1 travestido de Hypercar, mas o máximo que os franceses conseguiram foi o 3º lugar – e lutando por ele ferrenhamente com a Glickenhaus porque na madrugada Matthieu Vaxivière perdeu o carro numa das chicanes de Les Hunaudières e se acidentou. Chegou até a bater na barreira de pneus. O saldo, contudo, é positivo, pois André Negrão fez seu primeiro pódio geral em La Sarthe.

Os Hypercars da Glickenhaus tiveram desempenhos opostos. Se o #708 ofereceu luta à Alpine, o #709 teve problemas até com os LMP2. Com investimento, os carros do construtor estadunidense podem incomodar – mas nesse momento têm de buscar evoluir a performance – que pelo menos no caso do trio Pla/Derani/Mailleux foi muito positiva.

A segunda divisão de Esporte-Protótipos tinha alguns favoritos antes mesmo da corrida começar e um a um, esses favoritos foram ‘caindo’: os três carros da United Autosports tiveram problemas – dois, aliás, se ‘acharam’ num acidente muito estranho no período em que o dia se punha e dava lugar à noite, sem contar o #22, com um fim de semana atribulado desde os treinos, problemas de falta de aderência durante o período da chuva e depois uma falha de alternador que jogou Filipe Albuquerque/Fabio Scherer/Phil Hanson para o fim da fila.

Não era a 24h de Le Mans dos portugueses feito a de 2020, porque também o #38 de Antonio Félix da Costa/Anthony Davidson/Roberto González, após um período de predominância, se perdeu num acidente com um LMGTE-AM  e depois não tiveram condição de se recuperar.

Noutro incidente além do enrosco entre o #23, que ainda terminaria, afinal e o #32 de Nico Jamin/Jonathan Aberdein/Manuel Maldonado – o sobrenome aqui denuncia – acabou de forma bizarra a corrida do trio Sophia Flörsch/Beitske Visser/Tati Calderón, com o #1 da Richard Mille levado de roldão numa rodada do #26 da G-Drive Racing, sendo posteriormente colhido pelo único Ligier inscrito, o #74 da Racing Team India Eurasia.

Susto: Robin Frijns quase atropelou o homem da quadriculada ao sustentar a pressão final do carro da JOTA na insana última volta da LMP2, onde os líderes quebraram ao abrir o giro final em Le Mans

O predomínio a partir daí foi do Team WRT com os dois carros, com o trio do #28 da JOTA e a Panis Racing correndo por fora. Primeiro, a Panis despediu-se da disputa e até o #31 da competente, experiente – e também debutante em Le Mans – equipe belga teve problemas com o macaco hidráulico, tendo dificuldades num pit stop. E aí, quando já pintava uma dobradinha histórica do time de Yves Weerts, René Verbist e Vincent Vosse, veio a enorme decepção do #41 de Yifei Ye/Robert Kubica/Louis Déletraz, que liderava, quebrar NA ÚLTIMA VOLTA.

De doer o coração… por todo os pilotos e por Kubica, claro, em especial. Ele merecia essa glória.

Mas Le Mans escolhe os vencedores, às vezes de forma silente e muito cruel. E com estrondo e muito drama, o triunfo caiu no colo de Charles Milesi/Ferdinand Von Habsburg/Robin Frijns por menos de um segundo, num último giro dramático, contra Stoffel Vandoorne/Sean Gelael/Tom Blomqvist.

A Panis Racing, que lutou muito, acabaria recompensada com o pódio alcançado por James Allen/Julien Canal/Will Stevens, seguido pelo único ‘sobrevivente’ da United guiado por Alex Lynn/Paul Di Resta/Wayne Boyd. Com pontos de pódio, já que dois carros à frente não pontuam no WEC, a Inter Europol Competition alcançou a 5ª posição na classe e um meritório top 10 geral com Renger Van der Zande/Kuba Smiechowski/Alex Brundle, que ainda foram vítimas de um furo de pneu que os deixou atrás da equipe de Richard Dean e Zak Brown.

Já a Risi Competizione do brasileiro Felipe Nasr e os parceiros Ryan Cullen e Oliver Jarvis nunca esteve mesmo em muita conta. Ficaram no meio do pelotão no grid e no meio permaneceram até pintarem os primeiros problemas. Uma quebra de motor deixou o trio fora após a 19ª hora, com 275 voltas – na divulgação do resultado extra-oficial, figuraram como ‘não-classificados’, junto ao #41 da WRT.

Na LMP2 Pro-Am, após diversas alternâncias de liderança, que mostraram primeiro o predomínio inicial do Racing Team Nederland em condições extremas e a consistência dos pilotos da Realteam, venceu a DragonSpeed com o concurso de Juan Pablo Montoya, o veterano vencedor de GPs de Fórmula 1 e bicampeão de Indianápolis sem, contanto, ser o novo ‘tríplice coroado’, porque para isso ele tem de ganhar à geral. Em classe, não vale. JPM triunfou com Ben Hanley e Henrik Hedman, chegando em 15º na geral – 10º na divisão.

Festa em dobro da AF Corse e da Ferrari, que venceu nas classes LMGTE-PRO com o trio Pier Guidi/Calado/Ledogar e na LMGTE-AM com Perrodo/Rovera/Nielsen

Ferrari e Corvette deram as cartas na LMGTE-PRO e Maranello riu por último após sonhar com um dobradinha – que só não veio devido a um estouro de pneu e o colapso de suspensão no #52 de Daniel Serra/Miguel Molina/Sam Bird, que perderam muito tempo parados nos boxes. A trinca acabou 12 voltas atrás dos vencedores da categoria e em 37º na geral – quinto na LMGTE-PRO.

Mas a AF Corse com uma de suas Ferrari não foi a única com problemas e os Porsches, aliás, ficaram devendo. Um, mais que todos: a HubAuto jamais conseguiu competitividade ao longo da disputa e o #72 desistiu por falha mecânica. O #79 da Weathertech bateu de madrugada e não pôde ser recuperado. Os dois carros oficiais de fábrica tiveram falhas de freios e ‘maneiraram’ o ritmo no final.

A Corvette fez o que pôde para tentar desbancar a Ferrari, mas foi ao pódio no seu retorno a Le Mans e na estreia do modelo C8.R em La Sarthe

Antonio Garcia/Jordan Taylor/Nicky Catsburg foram bem na estreia do modelo C8.R da Corvette em Le Mans, mas não impediram o triunfo de Alessandro Pier Guidi/James Calado/Côme Ledogar, que completaram 345 voltas e findaram em 20º na geral, com quase 42 segundos de vantagem para o 2º colocado.

Na LMGTE-AM, sem o brilho de sempre dos Porsches, um número enorme de abandonos na primeira metade – com vários carros acidentados por conta do sabão que a pista se transformou por conta da chuva – deu a tônica de uma categoria que mostrou uma disputa totalmente em aberto no início, mas que ficaria dominada do meio para o fim pela AF Corse, triunfante com François Perrodo/Nicklas Nielsen/Alessio Rovera. O trio completou 340 voltas e foi o 25º na geral – uma volta inteira à frente de Felipe Fraga/Ben Keating/Dylan Pereira com o Aston Martin #33 da TF Sport e o #80 da Iron Lynx conduzido por Matteo Cressoni/Callum Ilott/Rino Mastronardi em 3º a duas voltas.

Apesar de um começo claudicante, a Dempsey-Proton ainda teve o #77 de Jaxon Evans/Christian Ried/Matt Campbell em 5º na divisão, logo atrás de outra Ferrari da Iron Lynx, esta conduzida por Claudio Schiavoni/Paolo Ruberti/Raffaele Giammaria. As “Iron Dames” foram ao top 10 de novo: chegaram em nono na categoria e 36º na geral – no WEC, marcaram os pontos correspondentes à sexta posição no grupo.

Infelizmente, o brasileiro Marcos Gomes foi vítima de um forte acidente ao ser tocado na aproximação de Indianápolis por um protótipo LMP2. O Aston Martin foi jogado para fora da pista e o piloto bateu numa pilha de pneus, sendo atendido pela equipe médica por conta da violência do impacto. A corrida do #98 durou pouco mais de 3h10min e somente 45 voltas.

Num exemplo que o automobilismo pode – e deve – ser inclusivo, o Innovative Car alinhado pela Association SRT41 em parceria com a Graff, que teve na trinca dois pilotos com mobilidade reduzida, terminou a disputa em 32º lugar na geral, completando 334 voltas. Takuma Aoki e Nigel Bailly, os cadeirantes do time de Fréderic Sausset, tiveram êxito em sua primeira aparição nas 24h de Le Mans, correndo junto a Matthieu Lahaye numa participação muito celebrada e aplaudida.

E quem merece o aplauso também são vocês, que foram em meu canal no YouTube, ajudaram o A Mil Por Hora a ter recordes de visualizações, a ganhar quase 200 novos inscritos em 48h e principalmente colaborar com Super Chats e prestigiar o esforço de uma cobertura alternativa e informativa sobre a maior prova de Endurance da galáxia. Por isso, mais uma vez, me emocionei. Também pela cena de partir o coração do #41 quebrando na última volta, mas igualmente pelo sentimento de que Le Mans é inigualável – e que em 2023, apesar de tudo, lá estarei novamente.

Comentários

  • Assisti cerca de 15 horas de prova pelo aplicativo oficial de LM. Paguei 10 Euros para assitir e valeu muiti a pena.
    Goste da corrida, embora não tenha havido muita disputa pela liderança, o alpine e o Glikenhaus 708 não deram descanso aos Toytoas. Mer surpreendeu o desempenho do Alpine, e principalmente do Glikenhaus, que apresentaram boa velocidade e resistência acima do que eu poderia supor.
    Na LMP2, lamentável o que aconteceu com o 42 na ultima volta: surpresas típicas de Le Mans. Mas o Kubica não merecia isso, fez uma corrida muito boa. O 26 da G Drive me decepcionou, esperava mais dele pela qualidade dos pilotos. Mas Colapinto, muito jovem, acabou babando na gravata e fez um acidente bobo, que atrasou o carro, e tirou o trio de damas da corrida. Depois Rusinov fez outra besteira, colocando Magnussen pra fora da pista. Entre erros e punições, apesar de terem ´perdido muito tempo, ainda fizeram um boa recuperação. O 22 o 23 da United Autosport se acharem na pista foi tragicômico, e prejudicou os 2 carros. A vitória do 31 da WRT afinal foi merecida, posto que foi o carro que liderou a categoria a maior parte da prova. Em certo momento da prova, no meio do pelotão, Nars colocou um ritmo infernal, marcando a melhor volta da categoria em 3 voltas seguidas. Mas depois disso o carro mergulhou no ostracismo de novo.
    Na GT Pro a Ferrari de Pier Guidi coi sempre o carro mais rapido, não dando chance nem mesmo ao carro de Serra. Esse, lamentavelmente, ficou pra tras na metade da prova, por problemas mecanicos. Bela corrida da Corvette 63, que nunca aliviou a pressão sobre a Ferrari lider. Jordan Taylor, como esperado, andou muito.
    Na GT Am, a Ferrari confirmou a superioridade mostrada na GT Pro e não deu chances ao Aston 33 de Fraga. Que aliás andou muito bem. Lamentavel o acidente de Marcos Gomes logo no inicio de seu primeiro stint de pilotagem, pois Nick Thim tinha trazido o carro até o segundo lugar, depois de uma má largada e estava dando calor no carro 33.
    Conclusão final, Le Mans sempre vale a pena !!!!

  • Acompanhei a transmissão do canal no Youtube, tá de parabéns Rodrigo! Deu pra se manter bem informado com os boletins, que foram feitos com muita qualidade. Foi um show mesmo, a altura dessa corridaça. Fiquei triste principalmente pelo Kubica, por tudo o que aconteceu com ele desde aquele acidente há 10 anos arás, merecia demais essa vitória em Le Mans… Mas foi um evento maravilhoso, já deixou saudade!

  • Rodrigo, parabéns pela cobertura!
    Notei que vc “varou” as 24 horas e no final comentou do cansaço e da fome! Me atrevo a deixar uma sugestão: arruma um ajudante! Um cara pra ficar de olho na tela em eventuais 30 min pra vc descansar, pra ligar pedindo uma pizza, pra esquentar o café… Garanto que dos teus leitores vai ter um monte afim de “dar um help”. Eu já me candidato! Um abraço

  • Mattar. Primeiramente, nós é que agradecemos pela cobertura que tivemos através de seu canal que, sozinho, fez mais, melhor, com muito mais amor e dedicação que aquele antigo canal onde você trabalhava e que não me canso de dizer que não existe mais apesar de manter o nome…aquilo ali é apenas ESPN, que nunca deu muita bola para automobilismo…mas vamos falar de coisa boa…
    Nunca escondi que preferia uma corrida mais imprevisível e disputada na classe principal, mas fiquei feliz que desta vez venceu o #7, que sempre sofria com algum coisa no final…Conway, Koba-San e Pechito, tantas vezes criticado e zoado por não ter ido muito bem na FE e ter feito algumas trapalhadas no seu inicio no WEC (assim como tantos outros), será que esse pessoal não se lembra que Pechito é campeão mundial de carros de turismo, o antigo WTCC? No placar sulamericano agora tomamos de 2 x 0 dos hermanos nas vitórias overall em Sarthe…
    A corrida do Alpine foi bem honesta, assim como dos Glickenhaus, que apesar de tantos problemas, os dois carros chegaram ao final…já é alguma coisa. Lembram do Bykolles? que não terminava nem as corridas de 6h? Os carros tem potencial.
    A LMP2 teve ótimas disputas ao mesmo tempo que vários favoritos ficavam pelo caminho…o final do #41 lembrou exatamente o carro da Toyota em 2016, nada deve ser pior que ver o carro parar na última volta…nada. Ao mesmo tempo o time vence a prova com o carro #31…imagine o mix de emoçoes no box da equipe.
    Nas classes LMGTE, os fuscões no geral decepcionaram e as Ferraris fizeram o que se esperava delas…melhores na corrida do que nos treinos. Na Am, achei que os Aston Martin fizeram bom papel e não agarraram firme a rabeira como os treinos apontavam…Fraga ao menos desta vez leva o prêmio que ganhou com os parceiros na pista, ao contrário de 2019…ainda que não fosse o posto mais alto da classe.
    Para terminar, mais uma vez agradeço e devo desculpas por não ter acompanhado vários dos boletins durante a madrugada e manhã do domingo…por alguma razão deixei de receber as notificações do início das lives…peguei o final da última, após o término da prova. Depois, fiz questão de ir á um mercado do bairro, comprar cerveja, para brindar em sua homenagem, que fez tudo isso sob um calor infernal aqui em São Paulo, com direito a chuva de cinzas (por conta de um incêndio em um parque) que virou até notícia.