Vic Elford (1935-2022)

“Quick” Vic Elford, que nos deixou ontem, 13 de março, vítima de câncer, aos 86 anos, na Flórida – da pista de Sebring onde venceu as 12h disputadas em 1971 e de Daytona, que faturou em 1968

RIO DE JANEIRO – Mais uma perda imensurável para a história do automobilismo. Provavelmente, nunca mais veremos um piloto tão versátil, talentoso e que, mesmo sem brilhar na Fórmula 1, onde correu esparsamente, deixou um legado indelével e não há nenhum exagero em afirmar que Vic Elford foi um dos mais completos nomes de sua geração.

E por que?

Simples: a capacidade deste britânico nascido em 1935 num 10 de junho em Peckham, próximo a Londres, era abismal – e olha que a trajetória dele no esporte começa aos 25 para 26 anos, em 1961. Vic Elford guiava de um tudo e tudo muito bem, em todas as condições de terreno.

Querem uma amostra?

Pois não: no ano de 1968, ele venceu nada mais, nada menos, que o Rally de Monte Carlo e as 24h de Daytona (junto a Jochen Neerpasch) num espaço compreendido de apenas uma semana entre as duas provas. Também protagonizou uma lendária recuperação na disputa da Targa Florio, na mesma época, no Circuito Piccolo delle Madonie – que de ‘piccolo’ não tinha nada, posto que a volta durava mais de meia hora e o traçado tinha 72 km de percurso.

Transformando 18 minutos de atraso num triunfo com 1min de vantagem na disputa da Targa Florio de 1968, com um Porsche 907 partilhado com Umberto Maglioli

Elford, que dividiu um Porsche 907 naquela disputa com Umberto Maglioli, transformou uma diferença de 18 minutos de atraso por conta de um furo de pneu numa vitória categórica, daquelas de almanaque, com vantagem de um minuto em relação ao 2º colocado. Não obstante, duas semanas após esse triunfo, venceria com o terceiro parceiro diferente – Jo Siffert – os 1000 km de Nürburgring.

Naquele mesmo ano de 1968, Elford fez sua estreia como piloto de Fórmula 1, no circuito francês de Rouen Les Essarts, na prova marcada pela morte trágica de Jo Schlesser, da Honda. Debutou logo com um 4º lugar, defendendo a Cooper Car Company a bordo de um Cooper BRM. Faria mais dois pontos com a quinta posição em Mosport Park, no Canadá, encerrando uma participação de meia temporada com cinco pontos e o 17º lugar no Mundial de Pilotos – empatado com um velho conhecido de provas longas, Lucien Bianchi.

Em 13 GPs disputados de Fórmula 1 entre 1968 e 1971, Elford pontuou em quatro corridas, inclusive o GP da Grã-Bretanha com este McLaren M7A da equipe de Colin Crabbe

Em 1969, fez um punhado de provas com um McLaren não oficial da equipe de Colin Crabbe e um solitário evento pela Cooper. Com o M7A, um projeto de Robin Herd antes que este fosse fundar a March Engineering, foi 5º colocado em Clermont-Ferrand no GP da França e sexto no GP da Grã-Bretanha em Silverstone.

Inclusive, durante sua participação naquela temporada de 1969, Vic sofreu um acidente brutal no GP da Alemanha, que poderia ter encerrado de vez suas atividades de piloto de competição. Mesmo com uma vértebra lesionada, ele seguiu em frente e ainda competiria com êxito até 1974 (cabe notar que ele guiou o fabuloso Chaparral 2G de Jim Hall na série Can-Am e ainda guiou para a Autodelta) – em 1971, fez sua última prova de F1 (GP da Alemanha, com um BRM) e venceu duas corridas do Mundial de Marcas – as 12h de Sebring com o Porsche 917K da Martini-International e os 1000 km de Nürburgring ao volante do 908/3, dividindo os triunfos com Gérard Larrousse.

Outra contribuição de Vic Elford é para o filme ’24h de Le Mans’ estrelado por Steve McQueen e ambientado em parte na prova de 1970: o britânico dividiu o lendário 917 Langheck alinhado pela Porsche KG Salzburg com Kurt Ahrens Jr. naquela oportunidade e tanto nas filmagens quanto na corrida de verdade, Elford imprimiu um ritmo infernal no início. E o desfecho foi o mesmo na ficção e na realidade – falha mecânica (na prova original, com 225 voltas).

A bordo do 908/3 da Martini International na Targa Florio de 1971 – com o mesmo modelo, ganharia os 1000 km de Nürburgring junto a Gérard Larrousse

Mesmo retirado das pistas, Vic Elford era visto com grande frequência em eventos de carros clássicos como Goodwood e Le Mans, por exemplo. Despede-se da vida aos 86 anos, levado por um câncer (sempre esta doença fatal!), mas deixando uma história maravilhosa que até hoje emociona os fãs mais antigos e menos empedernidos, aqueles que sabem reconhecer que o valor de um piloto não está somente na quantidade de vitórias – mas sim no que ele soube fazer em vida.

E Vic Elford era, acreditem, um craque.

Comentários

  • O Mundo amanheceu um pouco menos veloz…
    Vic Elford era um verdadeiro fora de serie, um daqueles pilotos ungidos pelos Deuses com o dom da velocidade ! Foi um grande piloto, que viveu a época de ouro do automobilismo, um dos que melhor domou e que mais levou ao limite os grandes e velozes Sport Protótipos, da estirpe do Porsche 917.
    Era um dos meus últimos heróis vivos….sobraram poucos, Bird Clemente e Jackie Ickx….e O Super Mario (Andretti).
    Espero que agora esteja reencontrando Nino Vaccarella (que nos deixou ano passado), como faziam todos os anos na Sicília, nas festas comemorativas da Targa Florio, Nino apontava Elford como um dos melhores com quem cruzou nas pistas.
    Belo texto Rodrigo, obrigado.

    • Não estou o desqualificando, meu caro, o colocando como ‘versátil’. Até porque sim, ele é mais completo que a grande maioria dos que hoje militam no automobilismo.

  • Que história fantástica. Muito fã desses pilotos-raiz dos anos 60 e 70. Não havia essa coisa de empilhar recordes, a glória estava mais na competição em si do que no resultado. Vencer era importante – e ele vencia -, mas a aventura era muito mais.