A Mil por Hora
Música

Porque Bruce Springsteen é o chefe

RIO DE JANEIRO – Este blog normalmente fala de automobilismo, mas quem o lê desde sua estreia em novembro do ano passado sabe que outro assunto que é citado frequentemente aqui é música – de que gosto muito, aliás, desde criança. Na minha casa sempre se ouviu e se respirou música. Algumas ótimas, outras nem […]

RIO DE JANEIRO – Este blog normalmente fala de automobilismo, mas quem o lê desde sua estreia em novembro do ano passado sabe que outro assunto que é citado frequentemente aqui é música – de que gosto muito, aliás, desde criança. Na minha casa sempre se ouviu e se respirou música. Algumas ótimas, outras nem tanto.

Muito bem: este post é movido pelo que vi ontem no Palco Mundo do Rock in Rio. Talvez um dos maiores shows da história já realizados neste país, uma verdadeira apoteose musical. Cortesia de um moço que nunca tinha vindo à outrora Cidade Maravilhosa e que, ao cabo de quase três horas, enlouqueceu a plateia que ficou até o fim numa noite calorenta e que saudou a presença de Bruce Springsteen, o bom e velho “The Boss”, entre nós como ele merecia.

Perto de completar 64 anos, o chefe surpreendeu pela vitalidade animal com que se apresentou ontem diante de um público que, em sua grande maioria, estava ali para ver e ouvir John Mayer, que tocou antes dele e foi, a exemplo de vários artistas – o xodó de uma plateia que não queria saber de Bruce Springsteen – porque o desconhecia completamente, sejamos francos –  e que, verdade verdadeira, debandou antes do melhor show da noite começar. 

Eu sou de uma geração que conheceu, felizmente, o trabalho do roqueiro estadunidense, graças ao ótimo disco Born in the USA, cujo o qual Springsteen, com o auxílio luxuosíssimo de sua competente E Street Band, tocou na íntegra, coisa que somente o Iron Maiden fizera em qualquer outra das edições anteriores do Rock in Rio. Claro, confesso que lá pelos idos de 1984/85 fui impactado pela voz rascante que é a marca registrada de “We are the world” e pedi de presente de aniversário – e ganhei – o Born in the USA. Ouvi incessantemente a faixa-título e as demais (ótimas) músicas feito “Cover me”, “Dancing in the dark” e “Glory days”. 

E não entendo sinceramente como há críticos refratários ao fato de “The Boss” ter tocado o álbum todo na íntegra. Qual o problema nisto? Ele nunca tinha se apresentado no Rio de Janeiro e entendeu que o público merecia ouvir suas canções. Acho que quem é ranheta o bastante para achar ruim tocar as 12 faixas de Born in the USA deve estar acostumado, no mínimo, aos sucessos descartáveis de Anitta, Bonde do Tigrão e Ivete Sangalo, entre outros.

O que vale é que Springsteen promoveu: um dos maiores congraçamentos entre o público e um artista que fomos capazes de presenciar. Sem estrelismo nenhum e com um carisma incrível, ele se aproximou da multidão, aceitou o carinho dos fãs, tocou para eles e por eles – e de quebra, ainda levou cinco espectadores para o palco durante “Dancing in the dark” e pôs um menininho com fone de ouvido para cantar uma de suas músicas. “The Boss” mostrou também que a juventude tem salvação na música, no rock and roll.

Tocando e cantando com alma e coração, Bruce foi arrasador na Cidade do Rock, do começo ao fim. Abriu com uma surpreendente homenagem a Raul Seixas, na cover de “Sociedade alternativa”, cantando melhor em português do que muito artista brasileiro. E acabou com o baile fechando sua lendária apresentação com “Twist and shout”. Sem firulas, sem excessos e sem efeitos especiais. E sem parar para quase nada. O chefe emendava uma música atrás da outra, num exemplo de respeito ao público e de total sinergia com os dezessete – isso mesmo, dezessete – integrantes de sua ótima banda.

A imagem mais emblemática da entrega de Bruce Springsteen, de corpo e alma, a uma plateia que gritava seu nome em uníssono, estava nele próprio. O corpo suado, colado à roupa encharcada; os pingos escorrendo por braços, mãos e rosto à guitarra impecavelmente tocada por ele. O banho de água gelada que um dos músicos da E Street Band deu em “The Boss” ao fim de uma das músicas foi como se a nossa alma fosse lavada e enxaguada, como diria Odorico Paraguaçu.

Eu fiquei de alma lavada, mesmo não estando lá na Cidade do Rock. E quem viu, viu. Bruce Springsteen, em matéria de carisma, igualou – alguns dizem até que superou – as performances extraordinárias, na área pop, de Freddie Mercury no primeiro Rock in Rio com o Queen, em 1985 e de Stevie Wonder, no ano retrasado.

Esperamos anos para ver o chefe tocar aqui. Valeu muito a pena essa espera, tornada possível graças a Roberto Medina, no que disseram que tratava-se de um “capricho” do todo-poderoso da Artplan, empresa que organiza o festival. E tomara que ele não demore a voltar. E quando voltar, lá estarei para me juntar a essa aula de show de rock and roll que Bruce Springsteen nos ofereceu na noite passada.

Deixo aqui registrado, então, o meu pedido:

Roberto Medina, traga Bruce Springsteen de novo em 2015. A gente agradece. A música agradece. O rock agradece.