RIO DE JANEIRO – Pode parecer heresia colocar um carro construído em 2008 na lista dos Esporte-Protótipos inesquecíveis na história do automobilismo. Mas em se tratando deste projeto, talvez não seja algo tão desmedido assim. Trata-se do Epsilon Euskadi ee01, que disputou a Le Mans Series e as 24 Horas de Le Mans, graças à iniciativa de um homem com vasto conhecimento no esporte: Joan Villadelprat.
Tendo trabalhado na McLaren, Ferrari e Tyrrell como mecânico e mecânico-chefe, ele assumiu na Benetton o papel de diretor de operações e posteriormente de Team Manager, função que desempenhou até 1999, quando foi trabalhar para a Prost Grand Prix, até o fechamento do time do tetracampeão mundial.
Após sua saída da Fórmula 1, Villadelprat começou a montar uma estrutura em Azkoitia, no País Basco, para ter a sua própria equipe. Nasceu a Epsilon Euskadi, que logo em seu primeiro ano na World Series by Renault foi campeã com um certo Robert Kubica a bordo. O time também contou com Davide Valsecchi, Filipe Albuquerque, Dani Clos, Adrián Vallés, Chris Van der Drift e o brasileiro Mario Romancini, entre outros.
A Epsilon tinha um fabuloso centro tecnológico, com uma estrutura de dar inveja a muita equipe boa no automobilismo internacional. Oficinas largas, bancadas de trabalho limpíssimas, estufa de pintura, autoclave para o fabrico de peças e materiais compósitos e, também, um túnel de vento. Investimentos orçados em € 65 milhões na época.
Foi aí que em 2007 Villadelprat deu um de seus passos mais ambiciosos: a construção de um Esporte-Protótipo independente para competir contra Audi e Peugeot, os principais construtores da divisão LMP1, sem contar Courage, Lola, Creation, Zytek e Pescarolo, também independentes e há anos estabelecidos na modalidade. Nasceu o Epsilon Euskadi ee01.
O desenho foi cortesia de John Travis, antigo engenheiro da Lola e os motores, os Judd GV 5,5 litros S2 V10. As primeiras imagens do protótipo empolgaram e o ee01 ganhou fãs antes mesmo de ir para as pistas. Todo pintado de preto, lembrava um batmóvel. E era lindo, com linhas agradáveis e boas soluções de aerodinâmica.
O primeiro chassi do Epsilon Euskadi foi levado para os treinos coletivos de pré-temporada em Paul Ricard, na França. Sem ser testado, que fique bem claro. Angel Burgueno, o piloto escalado para o shakedown, saiu dos boxes do circuito sob intensos aplausos do paddock. Apesar do teste ter durado pouco, o desempenho do carro não foi ruim: 13º na geral, mesmo com alguns problemas naturais de juventude, que a escuderia esperava sanar a tempo da corrida de estreia do campeonato, os 1000 km da Catalunha, em Barcelona.
Com pouco mais de 30 dias de intervalo entre os treinos e a primeira etapa, a equipe não conseguiu dar confiabilidade ao protótipo, mas mesmo assim o primeiro carro foi inscrito e apareceu na pista espanhola com o número #20, para Angel Burgueno e seu compatriota Miguel Angel de Castro se revezarem na pilotagem.
A dupla largou da 17ª posição com o tempo de 1’36″922, mais de cinco segundos mais lenta que a pole e em 12º nos protótipos da classe LMP1 – o que não era de todo mau. Na corrida, o ee01 perdeu várias voltas parado nos boxes em razão de diversos problemas técnicos e pelo menos o carro recebeu a quadriculada, mesmo que em 32º lugar na geral.
Na segunda etapa, os 1000 km de Monza, disputados em 27 de abril, progressos: Burgueno/Castro largaram da décima posição, superados pelos dois Audi e Peugeot oficiais de fábrica, pelo Lola-Aston Martin da Charouz, os dois Courage da Oreca, um dos Pescarolo do time do velho Henri e por um Porsche LMP2. O carro teve bom desempenho enquanto durou: chegou a andar em 3º na geral durante um período de reabastecimentos, mas após 2h13min de prova, foi obrigado a desistir, com 73 voltas completadas.
Nesse intermezzo, a Epsilon Euskadi já tinha sido pré-selecionada para disputar as 24 Horas de Le Mans, em junho, com pelo menos um carro – o segundo chassi estava em construção na fábrica de Azkoitia, com o objetivo de disputar pelo menos as etapas finais da Le Mans Series e, assim, conseguir o combustível financeiro para uma temporada completa em 2009. Como preparação para Sarthe, vieram os 1000 km de Spa, terceira prova do certame europeu.
De novo, o ee01 mostrou qualidades e progressos. E desta vez, foi uma corrida sem muitos problemas. Para a corrida de 11 de maio, o #20 largou em décimo-quarto e chegou em décimo-primeiro, após completar 133 voltas, dez atrás dos vencedores. E, melhor ainda: acabaram em sétimo na LMP1, somando os dois primeiros pontos no campeonato da subdivisão.
No Journée Test das 24 Horas de Le Mans, os treinos realizados em Sarthe serviram para a equipe e os pilotos se familiarizarem melhor com a pista. Adrián Vallés, recruta da Epsilon Euskadi em monopostos, juntou-se a Burgueno e Castro nos treinos e o protótipo ficou com o 35º tempo, décimo-nono na LMP1, com um modestíssimo 4’01″508.
A equipe estava preocupada. E mais preocupada ficou quando veio a notícia de que os italianos da Racing Box, com problemas na vistoria de seu protótipo Lucchini-Judd LMP2 foram excluídos do grid de 55 carros. A Epsilon Euskadi, que tinha o #21 como reserva, acabou escolhida pelo ACO para ocupar a vaga – até porque todos os outros suplentes inscritos já tinham desistido. Detalhe: isso aconteceu dias antes da corrida e o segundo chassi do ee01 não estava pronto. Tampouco havia pilotos para guiá-lo e houve mais um detalhe: as verificações técnicas e administrativas já tinham sido efetuadas – mas um precedente seria aberto para a equipe espanhola.
Em tempo recorde, a equipe trabalhou febrilmente para a montagem do protótipo e, horas antes do primeiro treino livre, o carro #21 já estava pronto para a guerra. O outro problema, com os pilotos, já estava resolvido: Villadelprat contratou, a toque de caixa, o experiente sueco Stefan Johansson, o francês Jean-Marc Gounon, que tinha vasto conhecimento da pista e o japonês Shinji Nakano.
O primeiro treino oficial seria o grande teste de fogo do novo bólido e o #21 passou no teste, mais pela experiência da trinca do que por sua competitividade. O carro virou 3’41″526 e o #20 foi um pouco melhor – 3’39″158, 22º mais rápido. Com sugestões de Gounon e Johansson, o carro evoluiu a olhos vistos e o protótipo que quase não tinha quilometragem baixou para 3’32″939 – décimo-quinto tempo. O #20 também baixou seu tempo e ficou com a décima-sétima posição. Um resultado admirável para uma equipe com menos de três meses de trabalho na Endurance.
Apesar dos grandes esforços de Villadelprat, dos pilotos e principalmente dos mecânicos, o começo promissor dos dois ee01 nas 24 Horas não resistiu à pouca confiabilidade da transmissão Ricardo de 6 marchas: os dois carros foram oficialmente retirados da disputa na 18ª hora, com falhas na caixa de marchas. O carro #21 deu 158 voltas. O #20 completou 189 giros em Sarthe.
A partir da 4ª etapa do LMS, a Epsilon Euskadi passou a contar com dois protótipos na pista e o #21 ficou com Adrián Vallés e Shinji Nakano, cabendo a Burgueno e Castro a pilotagem do carro mais antigo. Nos 1000 km de Nürburgring, Vallés/Nakano largaram em décimo, mas tiveram que abandonar após completarem 163 voltas. O carro #20 recebeu a bandeirada tendo percorrido três voltas a menos que o outro protótipo, em 33º na geral e 12º na LMP1.
Na última etapa, os 1000 km de Silverstone, Vallés e Nakano conseguiram o melhor grid de um ee01 naquele ano: 7º tempo, a pouco mais de quatro segundos de um protótipo turbodiesel, muito mais rápido que o carro do time basco movido a gasolina e com motor aspirado. O #20 teve problemas no treino oficial e não marcou tempo de classificação. Na corrida, Burgueno/Castro completaram só 59 voltas e Nakano/Vallés, mesmo com problemas, levaram o protótipo até a bandeirada, em 25º na geral e 12º na LMP1. Saldo de uma primeira temporada atribulada: dois pontos e o 12º lugar entre os protótipos da principal categoria da Le Mans Series.
Quando já se discutia o potencial do carro para a temporada de 2009, ainda mais com as ausências já sabidas de Peugeot e Audi, concentradas basicamente nas 24 Horas de Le Mans, a crise econômica mundial bateu fundo na porta da Epsilon Euskadi. Sem financiamento para manter um projeto ambicioso – e também dispendioso – Joan Villadelprat foi obrigado a encerrar seu programa de Endurance antes do que se imaginava.
Com sua invejável estrutura, o dono da Epsilon Euskadi se sentiu tentado a voltar à Fórmula 1, mesmo com o fim de seu projeto na LMS. Em 3 de junho de 2009, foi anunciada uma lista de candidatos às vagas que a FIA, na época presidida por Max Mosley, tinha aberto para disputar a temporada seguinte, em 2010. A lista tinha também, entre outras equipes, a Prodrive, que competia na Endurance com um belíssimo protótipo Lola-Aston Martin e que igualmente tinha boa estrutura técnica.
E ninguém entendeu porque nem a Epsilon Euskadi e nem a Prodrive foram selecionadas. A FIA preferiu dar as vagas para a Manor de John Booth, para a Lotus (da Malásia), para Adrián Campos e também para a obscura USF1. A equipe de Joan Villadelprat ficou como primeira opção em caso de desistência e realmente a USF1 não reunia condições de ter uma equipe de Fórmula 1. Mas já era tarde demais para Villadelprat construir um carro e disputar o Mundial de 2010.
Em março daquele ano, o dirigente foi à luta e pediu para a FIA uma inscrição para o campeonato de 2011. Ninguém entendeu de novo quando a entidade, agora presidida por Jean Todt, negou a Villadelprat o seu direito.
Mas a bomba explodiu logo: um rastro de corrupção se abateu sobre a Epsilon Euskadi, quando descobriu-se que o governo de Juan Jose Ibarratxe destinava verbas públicas para a escuderia. A malversação do dinheiro público levou Villadelprat e também Mark Phillip Payne aos tribunais da cidade de Vitoria.
Em 2011, a razão social do time foi mudada: saiu de cena a Epsilon Euskadi e entrou a Epic Racing, que só disputou a World Series by Renault naquela temporada. A aventura durou pouco: no ano seguinte, a escuderia, dedicada à Fórmula Renault 2.0, chegou a ter entre seus pilotos o russo Daniil Kvyat, hoje na fórmula 1. Mas a Epic Racing acabou por encerrar suas atividades.