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Automobilismo Nacional

Tchê

RIO DE JANEIRO – O domingo nos traz uma triste notícia para o tão combalido automobilismo brasileiro. Morreu o preparador de motores de kart Lucio Pascoal Gascon, sempre conhecido pelo apelido que agora o imortaliza. Ele era o Tchê, que trabalhou com Ayrton Senna no início da trajetória do tricampeão mundial de Fórmula 1, nos […]

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RIO DE JANEIRO – O domingo nos traz uma triste notícia para o tão combalido automobilismo brasileiro. Morreu o preparador de motores de kart Lucio Pascoal Gascon, sempre conhecido pelo apelido que agora o imortaliza. Ele era o Tchê, que trabalhou com Ayrton Senna no início da trajetória do tricampeão mundial de Fórmula 1, nos anos 70.

Espanhol da região de Segovia, próxima a Madri, o Tchê veio para o Brasil em 1960 como imigrante e foi à luta. Trabalhou com o visionário João Conrado do Amaral Gurgel numa empresa de luminárias plásticas e logo depois, com Silvano Pozzi – que também trabalhava para Gurgel. Silvano fundou a Silpo e com ele, Tchê seguiu até montar uma oficina de preparação de motores de kart – primeiro no bairro da Móoca e depois ao lado do Autódromo de Interlagos.

Embora saibamos que ele trabalhou com Ayrton Senna, este não foi o único piloto para quem Tchê fez motores na vida. Grandes nomes do kartismo nacional também tiveram motores com a griffe do espanhol, a quem Ayrton foi apresentado lá por 1973. Segue a história, extraída do blog Amigos Velozes.

A famosa bandeirada de Tchê a Ayrton Senna, no Kartódromo de Interlagos

E o Ayrton quando começou a andar de kart com você?  Era uma relação de professor e aluno?

De professor e aluno. Não tinha ninguém no meio. No primeiro dia que andou na pista, ninguém sabia quem era. O motor quebrou e o Aloísio Andrade Filho falou para ele: “Tem um homem bom na Moóca”. Naquela época o Ayrton tinha 13 anos. Ele foi lá com o pai e pediu para arrumar o motor para o domingo. Nós não demos muita atenção para ele. Essa vida é curiosa. Era a primeira vez. Perguntou quando ficava pronto e eu disse para buscar na sexta-feira.

Aí retificamos o motor. Quando dei a conta para ele, era uma conta pequena. O pai não gostou. Achou que era muito barato por um serviço bem feito. Naquela época eu já fazia motor há 15 anos. Eu respondi que se o menino andasse certo poderia até ganhar corrida com aquele motor. Mas ele não acreditou. Aí foi para a pista e eu queria ver o menino andando.

Ele era uma vaca brava. O Giaffone, Chico Serra e o Waltinho disseram que ele não tinha futuro. Saía da pista, rodava, era agressivo demais. O kart dominava ele. Ele queria pegar o kart e fazer o que ele queria. E não conseguia. Então eu fui lá e falei: “Menino, não é assim que se anda”.

Sabe o que ele respondeu? “Não é problema seu.” Não esqueço isso nunca. Eu disse que não interessava se não era problema meu, mas sim dele. “Não é assim que se anda, tem que andar mais redondo.” Aí o pai perguntou porque eu estava dando bronca no menino. Eu disse que não estava dando bronca e sim ensinando como se anda.

Eu torcia pelos meus motores e queria que ganhassem corridas. Aí o Ayrton ficou me olhando. Sabe quando você vê um bicho bravo? (rindo..) Ele estava assim. Treinou de novo, fez mais redondinho e pronto: fez a pole. Já era outro.

Quando estava na tomada de tempo eu falei: “E aí menino, melhorou?” Mas na boa, como se a gente se conhecesse a vida toda. E ele apenas disse “É!”. E foi assim. E na corrida com ele fazendo a pole, imagine. Andava mais que os outros. Ganhou a corrida. Foi em 1º de julho de 1973.

Aí, na bandeirada, tinham 8 pilotos meus: Sala, Bergamini, Ayrton, Jorge, tinha um monte de gente. Nós brigávamos contra a fábrica Riomar. Eu pedi para dar a bandeirada e não queriam deixar. Eu insisti e critiquei a rigidez. Aí me deixaram dar a bandeirada mas para todos. O Maurizio (Sandro Sala) estava em segundo. O ´Pé frio´ tirou uma foto e na semana seguinte apareceu com a foto para mim. Eu fiquei muito contente.

Quando acabou a corrida o Ayrton veio me cumprimentar “Muito obrigado, sr. Tchê”. Aí no outro dia ele foi na oficina e começou uma amizade.

O livro “Ayrton, o herói revelado”, do jornalista Ernesto Rodrigues, conta também esta passagem e outras, que mostravam que Tchê, apesar da forte personalidade, admirava muito aquele garoto para quem fez os primeiros motores e profetizou que, um dia, ele seria campeão mundial de Fórmula 1. Infelizmente, por vezes, faltou uma reciprocidade da parte de Ayrton, que o velho Lucio sempre sonhou ter.