A Mil por Hora
Especial

Um papo com Nelsinho

RIO DE JANEIRO – Nelsinho Piquet está entre nós: o piloto campeão da primeira temporada da Fórmula E veio de Santiago direto para o Brasil, onde fica uns dias, antes de ultimar os preparativos para a próxima etapa do ABB FIA Formula E Championship, na Cidade do México, no próximo dia 3 de março. Um […]

RIO DE JANEIRO – Nelsinho Piquet está entre nós: o piloto campeão da primeira temporada da Fórmula E veio de Santiago direto para o Brasil, onde fica uns dias, antes de ultimar os preparativos para a próxima etapa do ABB FIA Formula E Championship, na Cidade do México, no próximo dia 3 de março. Um mês que será “pegado” para o brasileiro de 32 anos, já que na semana seguinte ele estreia como piloto titular da Stock Car, na equipe Full Time.

A convite de sua assessoria, aceitei participar junto a alguns jornalistas em “petit comitê” de um almoço nesta quarta-feira em São Conrado, no Rio de Janeiro. A ocasião do encontro foi mais do que perfeita para colher algumas impressões do piloto sobre seu atual momento na Fórmula E, a estreia na Stock e – claro – não deu pra deixar de lado o WEC, as 24h de Le Mans e a Fórmula 1.

Como também foi inevitável citar Lucas Di Grassi que, no momento em que conversávamos, era anunciado como piloto da equipe Hero na Stock Car. Mais uma categoria em que os dois serão adversários.

Nelsinho gostou. “Muito bom saber”, disse.

O papo foi muito agradável e algumas das respostas sobre os diversos assuntos que conversamos foram bem ao estilo Piquet. E ele pareceu muito feliz durante a nossa conversa. “Eu adoro desafios como esse de vir para a Stock. Pra mim, o automobilismo é paixão. Estou fazendo uma coisa que eu amo. Vivo a vida que pedi a Deus, viajo pra caramba, moro no país onde eu quero, então não podia querer mais do que tenho hoje em dia”, filosofa.

O piloto avalia como “surpreendente” o início de campanha na temporada #4 da Fórmula E pela equipe Panasonic Jaguar Racing

Após duas temporadas repletas de problemas na equipe hoje batizada como NIO, que defendeu por três campeonatos na Fórmula E, Nelsinho fechou um acordo com a Panasonic Jaguar Racing, que aproveita parte da estrutura da Williams para desenvolver seu equipamento. A equipe deu um salto considerável do primeiro ano para este e o piloto não poderia estar mais contente com seu começo de trajetória na nova escuderia.

“Foi surpreendente. Entramos – eu e a equipe – com o objetivo de ter um campeonato melhor que o do ano passado e realmente os resultados têm sido bons. Em todas as corridas até agora brigamos entre os cinco, o que é bem satisfatório. A gente começa os finais de semana com outra cabeça, outra disposição, sabendo que vamos poder estar na frente, tendo um equipamento rápido. Então estou bem animado”, frisa.

“As pessoas que estão trabalhando na equipe são muito boas. Você vê que eles estão se esforçando para melhorar a cada etapa, então isso mostra que a equipe tem um grande futuro”, comentou Piquet, que inclusive levou dois engenheiros com quem já trabalhara na NIO para a nova escuderia.

Sobre brigar pelo campeonato (Piquet é o 5º colocado na classificação, a 38 pontos do atual líder, Jean-Éric Vergne, da Techeetah), o piloto adota um discurso realista. “O objetivo na verdade é ficar entre os três primeiros no campeonato. Conseguindo isso, vai ser muito bom”.

“Temos uma chance boa de andar na frente e ganhar corridas. Mas é uma questão de classificar bem, saber monitorar a temperatura da bateria, saber usar a energia. Tem vários fatores que precisamos acertar tudo bonitinho para a gente ganhar corrida, tem que acertar o final de semana inteiro. Isso depende bastante do piloto, de conseguir classificar melhor. Tenho classificado bem, mas sei que tenho condição de ir melhor ainda”.

Nas quatro primeiras provas, a categoria dos carros elétricos conheceu uma nova realidade. Nada de Renault e-Dams ou Audi na ponta e sim as boas performances de Mahindra, Techeetah e da Virgin, principalmente com Sam Bird.

“A Techeetah tem uma das melhores tecnologias, que é a mesma da Renault. É só uma questão de saber gerenciar e eles têm bons pilotos e engenheiros. O Bird mostrou sempre bastante velocidade, sempre teve carro bom e isso ajuda bastante. As equipes estão melhorando a cada ano”, acredita.

E a categoria também, como vem demonstrando nas últimas temporadas.

“Você até pode dizer que a Fórmula E é mais lenta, mas o nível de pilotos é muito forte. Tem uma diferença de escala, de tamanho, isso ou aquilo, mas a competitividade é igual, talvez até maior que a Fórmula 1. Estou numa categoria onde estão ótimos pilotos e engenheiros. O engenheiro principal do Stroll na Williams agora trabalha comigo como meu engenheiro de dados”, revela.

Sobre a má fase da Audi, que vem constantemente enfrentando problemas no inversor dos seus carros neste início de campeonato, Piquet acredita que é um problema de falta de confiabilidade e não de competência.

“Eles correram o risco ao desenvolver uma nova tecnologia muito rápido. Só que o equipamento não é confiável, tem quebrado. Ganharam o campeonato no ano passado e com certeza vão continuar evoluindo e vêm fortes para o ano que vem, de novo”.

Nelsinho também viu as imagens do novo carro que entra nas pistas ainda neste ano, no segundo semestre, na temporada #5. E fez uma observação. “Tem muita carenagem, né? Então vai quebrar bastante, vai dar dor de cabeça pra todo mundo. A Spark (construtora dos carros) é um negócio do Nicolas (Todt) e do (Fréderic) Vasseur. Vai ser bom pra eles, que vão ganhar bastante dinheiro”, ironiza.

Dividido entre a Fórmula E e o novo desafio da Stock Car, ele sabe o que vem pela frente em 2018. “É só uma questão de trabalhar e me dedicar. Tenho uma equipe que pode andar na ponta, mas não tem nenhum bobo ali”, disse Nelsinho (Foto: Duda Bairros/Vicar)

Às vésperas de estrear na Stock Car em sua primeira temporada completa após disputar algumas corridas da categoria em dupla com Átila Abreu e sempre mostrar velocidade, Nelsinho analisa a situação que vai encarar em 2018. É inegável que a categoria alcançou um nível de excelência muito alto e ele faz questão de bater nessa tecla, sem esconder que pode incomodar no pelotão da frente.

“Não tem nenhum bobo ali. As equipes são muito profissionais, os pilotos são ‘viciados’ com esse carro nessas pistas. Vai ter uma fase de adaptação. Tenho uma equipe que pode andar na ponta. É só uma questão de trabalhar bem com os engenheiros e me dedicar”, frisou, com a segurança de quem vai ter um velho aliado a seu lado – Felipe Vargas, que trabalhou com o piloto na Fórmula 3 e GP2 Series estará com Piquet na equipe de Maurício Ferreira.

E sobre o momento do automobilismo brasileiro, que sofre constantemente com a ameaça da privatização de Interlagos, o risco de perder Curitiba, a paralisação de Brasília e a extinção de Jacarepaguá, ele foi taxativo. “Uma pena que as coisas estejam assim. O esporte era muito forte por aqui nos anos 1990 e estamos nessa situação. Mas isso é o resultado de uma economia que está sofrendo muito e o esporte está sofrendo junto. Não só o automobilismo como também muitos outros”, ressalta. “O único que acaba sobrevivendo mesmo com essa crise toda é o futebol”, completa.

O pai do piloto, do alto de seus três títulos mundiais de Fórmula 1, chegou a criar a Liga Indpendente de Automobilismo (LIA). Nelsinho acha que pode, no futuro, tentar ajudar o esporte a sobreviver no país. “Ele (Nelson), ficou de saco cheio da CBA, tentou fazer a parte dele. Eu não tenho ainda esse tamanho pra fazer algo perto disso. Mas se tiver alguma coisa para fazer no futuro, com certeza vou tentar ajudar”, revela.

O velho Piquet, do alto dos seus 65 anos de idade continua com a metralhadora giratória afiada e há alguns dias, disparou alguns petardos contra o espanhol Fernando Alonso, que na opinião de Nelsão, “contamina as equipes em que trabalha”. Nelsinho não concorda e nem discorda da virulência paterna, mas faz observações muito interessantes sobre o piloto com quem trabalhou por cerca de uma temporada e meia na Renault, entre 2007 e 2008, até antes de ser demitido da equipe.

“Não sabe dividir equipe”, foi o que Piquet Júnior disse de Alonso. Mas ao mesmo tempo elogiou o espanhol: “Ele é muito inteligente e mesmo sem ganhar títulos na Fórmula 1 sabe aproveitar cada momento. Respeito nele tudo isso de querer correr em Indy, Daytona e Le Mans”

“Alonso tem um caráter forte. Ele é um piloto bom, rápido e quer as coisas todas para ele. Não sabe dividir. Mas às vezes o piloto tem que fazer isso” – e ainda cita um exemplo familiar para defender sua tese: “Igual meu pai com o Mansell. São situações em que é preciso jogar duro”.

Mas ao mesmo tempo, elogia a atitude do antigo companheiro de equipe em querer experimentar de tudo no automobilismo.

“Respeito nele essa atitude de correr em Indianápolis, Daytona e Le Mans. Ele gosta de correr. Não está lá por fama, isso ou aquilo. E é muito inteligente. Você vê pela troca de capacetes a cada corrida. Tudo isso é comercial, pra vender mais miniaturas. Eu acho que ele está se aproveitando disso e mesmo tendo sido campeão há mais de 10 anos atrás, o cara é uma das maiores estrelas da Fórmula 1. E vai ganhar Le Mans. A categoria vai fazer ele ganhar. Estão mudando até data de corrida por causa dele pra ele fazer Fuji, ele está aproveitando esse momento e eu faria o mesmo de olhos fechados.”, comenta.

Quando se fala de Fórmula 1 e Alonso, é inevitável a volta ao tempo. Em 2018, completa-se uma década do estouro do famoso episódio de Cingapura, em que o piloto brasileiro foi coagido por Flavio Briatore e Pat Symmonds, os homens fortes da equipe Renault, a rodar e bater de propósito para favorecer o companheiro de equipe. O episódio, todos sabemos, foi o fim de sua trajetória na categoria. Passado esse tempo todo, Nelsinho não demonstra nenhuma mágoa daquilo tudo e parece ter enterrado de vez essa história em seu currículo de piloto.

“Passei tão pouco tempo lá que eu nem me lembro de muita coisa”, disse. “Estive muito mais tempo na Nascar, no Rallycross e em qualquer outra categoria do que lá. Foi só uma passagem. Minha vida continuou e eu aprendi muito mais com tudo o que já corri depois daquilo. Conheci tantas pessoas, equipes… aprendi, amadureci… eu era muito novo, tinha 20 e poucos anos. Era uma criança, praticamente”, justifica.

Sem citar exemplos, Nelsinho faz uma crítica ao modus operandi da categoria máxima. “Muitas pessoas estão lá por interesse financeiro ou por ego. Não é por paixão. A categoria tem que ser mais viável para as equipes, para ter mais pilotos na categoria. Tem que dificultar os pilotos pagantes, que tiram o lugar dos pilotos bons. Tem que ter mais piloto pra dar espetáculo como o (Max) Verstappen, pra criar uma corrida melhor e atrair mais interesse do público”, crê.

E fez ainda uma análise sobre a opção da Williams por Lance Stroll e Sergey Sirotkin para a temporada 2018.

“Você pega um (Felix) Rosenqvist, por exemplo. Ele é melhor do que os dois que a equipe escolheu. Vários pilotos da Fórmula E são melhores que os dois juntos, mas isso é um reflexo da economia e até a Fórmula 1 está sofrendo com isso”.

Não haver brasileiros na Fórmula 1 deixou de ser propriamente uma surpresa para Piquet Júnior.

“Isso estava pra acontecer há muito tempo. Outros países como França e Itália ficaram sem pilotos e eles estão na Europa, com uma economia muito mais estável que a nossa. E a França tem hoje o maior número de pilotos na categoria. O Brasil não ter nenhum pela primeira vez em muitas décadas é mais do que normal. Os EUA não têm piloto na Fórmula 1 e lá o esporte funciona melhor que aqui. É muito mais surpreendente a gente ter tido brasileiro durante todos esses anos do que não ter hoje em dia”, comenta.

Nelsinho fez a opção pela Stock em detrimento do WEC, mas não descarta voltar a Le Mans. “Estamos negociando” (Foto: José Mário Dias)

Mesmo com a opção pela Stock Car, Nelsinho mantém as portas abertas para as 24h de Le Mans.

“Com um bom carro é possível a gente fazer a corrida. Estamos negociando. No início, queriam que eu fizesse também Spa e o Journée Test em Paul Ricard. Mas não vai dar. A prioridade é estar na Stock, o que limita minha participação no Endurance. Mas poderemos fechar para competir de novo na LMP2”, falou.

Piquet tem três participações em Sarthe, com um 9º lugar na estreia e o pódio no ano passado, que depois resultou em desclassificação técnica por um erro da equipe Rebellion, que abriu uma fenda no capô do seu protótipo para que os mecãnicos tivessem acesso ao motor de arranque do carro. Como peças homologadas não podem ser modificadas, ele e seus companheiros de equipe foram excluídos e perderam o 3º posto na geral – segundo na classe LMP2. Mas ele revelou que enfrentou mais problemas do que aquele de Sarthe.

“Foi um puta saco. O (Mathias) Beche não abria a boca pra falar nada porque dependia do emprego. Não falava nada, não reclamava. Eu mandava todo mundo tomar no cu mesmo. Saí da equipe por causa disso. Em várias vezes tinha que tirar o pé pra não gastar pneu, andava pouco. Por isso a opção de trocar o WEC pela Stock Car, porque eu vou aprender muito mais e financeiramente é muito melhor”, comenta.

“Na Rebellion, eles privilegiaram o outro carro com três engenheiros e o nosso tinha um e mais outro part-time. Fizeram de tudo para investir no outro carro quando começaram a ter vantagem no campeonato em detrimento do nosso”.

Piquet abriu o jogo sobre os motivos que o fizeram não ficar no WEC e trocar o Mundial de Endurance pela Stock Car. “Vou aprender mais e ganhar mais dinheiro”, explicou

E foi mais além: “O David (Heinemeier-Hänsson) é bom piloto, mas tinha seus altos e baixos. O outro carro deu uma sorte gigantesca de pegar um motor muito bom a partir da segunda metade da temporada e o nosso era abaixo da média. Isso fez uma diferença muito grande. Desse ponto em diante, a equipe quis que a gente ajudasse eles e aí começaram as confusões, o mal-estar dentro da equipe, que se agravou em Fuji. O David poderia processar a equipe se eles fizessem isso e então passaram a nos prejudicar. Erravam a calibragem do nosso carro ‘sem querer’, o carro ficava lento. No Japão, o Bruno me tirou na primeira curva”, revela, sem no entanto ter uma linha a mais para criticar o sobrinho de Ayrton Senna.

“Se eu estivesse no lugar dele, na situação de buscar um título, faria a mesma coisa. O Bruno é um cara muito gente boa, muito do bem. A gente não é mais próximo porque agora tomamos caminhos diferentes, estaremos em categorias diferentes e nos vemos muito pouco. Ele fica meio na defensiva, acredito, por conta de todos os ataques do meu pai contra o (Ayrton) Senna no passado. Mas gosto dele. Ele tem muito mais a oferecer do que outros pilotos”, diz.

O mesmo não pode ser falado de Lucas Di Grassi – e no exato instante em que conversávamos, era confirmada a participação do piloto da Audi na Fórmula E, da qual é inclusive o atual campeão, pela equipe Hero. Não deu pra fugir do assunto, porque a carreira dos dois está meio que em paralelo desde o momento em que os dois se encontraram na Renault – Nelsinho como piloto titular e Lucas como integrante do programa Renault Driver Development (RDD).

Se para Bruno houve elogios, para o rival não faltaram críticas.

Uma foto de Lucas e Nelsinho nos tempos de Renault: os pilotos seguiram carreiras quase em paralelo e Di Grassi não é dos mais elogiados pelo rival. “Fez questão de atrapalhar a minha carreira. E estou até surpreso de ele vir para a Stock”, comentou Piquet

“Acho que o Lucas sempre fez questão de atrapalhar a minha carreira”, diz Piquet. “Tomei a vaga dele na Renault, ganhei o primeiro campeonato da Fórmula E na primeira temporada. Ele tentou durante muito tempo vetar minha presença na categoria. São tapas com luva na cara dele. Eu não sei o que teria motivado essa rivalidade toda. São dois brasileiros que estão indo bem na Europa e o Lucas adora chamar a atenção (Nelsinho citou a declaração do rival, que disse querer ser presidente da FIA), que as coisas estejam ao redor dele. Ou então estar na frente da fila.”

“Estou até surpreso da parte dele em vir para a Stock. Deve ser por uma questão financeira, não sei, porque ele é tão preocupado com o próprio ego. De uma certa forma ele se ‘rebaixar’ para fazer Stock Car é surpreendente. Mas vou achar ótimo poder bater roda com ele mais vezes, por mais corridas. É mais disputa, mais rivalidade. É o que estimula a gente a correr. É o fogo que está dentro da gente, querer estar na frente um do outro”.

A Stock e a eterna rivalidade com Di Grassi serão um desafio para agora. E as 500 Milhas de Indianápolis, onde Pietro Fittipaldi surpreendentemente estreará em 2018? Será que é uma prova que Nelsinho pensa em competir no futuro?

“Na condição certa, com treinos, como fez o Alonso ano passado, eu faria. Mas agora estou tão bem situado onde estou que eu não tenho por que fazer isso. Mas tenho vontade de fazer um dia, sim”.

Eis aí Nelsinho Piquet, um piloto que soube se reinventar e que, com um futuro ainda cheio de desafios pela frente, não faz planos para o que pode vir a acontecer quando pendurar as luvas e o capacete – o que por enquanto está fora de questão.

“O que estou fazendo é como ‘férias’, nas palavras do meu pai. Talvez eu fique nisso até os 40 anos. Depois, vou ter que trabalhar de verdade, noutra coisa. Não sei ainda o que vou fazer da vida”, confessa.