RIO DE JANEIRO – “Não seja o homem mais rico no cemitério”. Esta era a máxima de um homem desapegado dos bens materiais, considerado um dos pilotos mais éticos, íntegros e tranquilos – no jeito de ser – que o automobilismo brasileiro já teve. Maurício Gugelmin, catarinense de Joinville que adotou Curitiba como sua cidade, completa hoje 50 anos de idade, dedicando-se na última década às suas empresas, depois que se afastou completamente do esporte.
Acompanhei toda a sua carreira nas pistas, desde a finada e competitiva Fórmula Fiat. Em 1981, com apenas 18 anos, o garoto Gugelmin comprou o equipamento que pertencia a Oswaldo dos Santos na Fórmula Volkswagen 1300, bateu o favoritíssimo Victor Marrese, que ganhara todos os torneios regionais da categoria no primeiro semestre, e foi campeão brasileiro na primeira temporada da F-Fiat. Próxima parada: Europa.
Treze vitórias e onze poles fizeram do piloto, então apoiado pela indústria alimentícia Perdigão, o novo campeão britânico da Fórmula Ford 1600, sucedendo Ayrton Senna, vitorioso um ano antes. Três anos mais velho que Gugelmin, Senna tornou-se o maior amigo dele na Inglaterra e nas pistas. Enquanto Ayrton barbarizava na Fórmula 3 inglesa, Gugelmin (carro #54 na foto acima) fazia a Fórmula Ford 2000 com um Van Diemen oficial de fábrica. Foi vice-campeão.
Sempre um degrau abaixo do companheiro de casa em Esher, Gugelmin decidiu por continuar na Fórmula Ford 2000 enquanto Ayrton já estava na Fórmula 1 pela Toleman em 1984. Sábia decisão: foi campeão europeu da categoria, carimbando o passaporte para a Fórmula 3.
Em 1985, a F-3 mudava seu regulamento, trocando os carros-asa pelos modelos chamados flat bottom. O Ralt RT30 de Maurício tinha uma configuração muito interessante de aerodinâmica e ele, contratado por Dick Bennets, da mesma West Surrey Racing onde Ayrton ganhara a F-3 inglesa dois anos antes, repetiu o feito de Senna, Piquet, Pace e Fittipaldi. Sagrou-se campeão inglês. E, de quebra, venceu também o Grande Prêmio de Macau, considerada a Copa do Mundo da categoria.
Gugelmin e a WSR subiram para a Fórmula 3000 em 1986 e aí entra em cena uma história que não é fácil de entender. Senna, que já estava na Lotus, indicou Maurício para ser seu novo colega de equipe. Reza a lenda que, por pressão da British Imperial Tobacco, o lugar do carro #11 teria que ser ocupado por um britânico. Entrou o inofensivo John-Chrichton Stuart Dumfries, o VI Marquês de Bute: Johnny Dumfries, campeão inglês de Fórmula 3 um ano antes que o brasileiro.
Como ‘compensação’, a John Player Special expôs sua marca no Lola T86/50 de Maurício Gugelmin durante a temporada da competitiva Fórmula 3000, onde foi apenas 12º colocado com cinco pontos, depois de um 4º lugar em Vallelunga na segunda etapa e um quinto em Jarama, na corrida final.
Maurício não foi companheiro de Senna na Fórmula 1, mas continuou sendo seu grande amigo. E em 1987, ainda na F-3000, ganhou a companhia de Roberto Pupo Moreno, outro que batalhava – e muito – para chegar à categoria máxima. Ao volante dos Ralt RT21 com motor Honda, os dois tiveram um bom ano. Gugelmin fez duas pole positions, venceu na corrida de abertura do campeonato em Silverstone e conquistou cinco pódios. Mas faltou regularidade aos dois e Maurício chegou em 4º lugar com 29 pontos, um a menos que Pupo Moreno. Pelo menos, houve uma compensação: o contrato assinado com a March para estrear na Fórmula 1 em 1988.
A realização do antigo sonho de menino quase foi um pesadelo para Gugelmin. Ele e Ivan Capelli, seu companheiro de equipe, sofreram com as ideias criativas de Adrian Newey, que já naquela época revolucionava a aerodinâmica dos carros da categoria máxima. Seus projetos da March eram extremamente estreitos e Gugelmin, um homem de ombros largos, sofria para ter conforto no cockpit do seu carro.
E tanto o brasileiro quanto o italiano tinham toda a sorte de problemas, desde alavancas de câmbio na mão até rádio que caía na pedaleira, passando por extintores de incêndio que disparavam por engano, afora a pouca confiabilidade dos motores Judd que a equipe usou entre 1988 e 1990.
Apesar dos pesares, Gugelmin teve alguns bons momentos. No ano de estreia, deixou boa impressão com um brilhante 4º lugar em Silverstone, debaixo de chuva e uma quinta posição em Hungaroring. Em 1989, fez logo na corrida inaugural um pódio em Jacarepaguá, dando a impressão que o ano da Leyton House March seria excelente. Mas os problemas se sucediam e aqueles foram os únicos quatro pontos dele no campeonato daquele ano.
Ele voltaria a ser manchete no GP da França, quando foi protagonista de uma capotagem sensacional após a largada daquela corrida realizada em Paul Ricard. Apesar do susto e do capacete lacerado, Gugelmin sentou no carro-reserva, venceu o medo, uma série de problemas durante a disputa e fez a volta mais rápida da corrida.
No ano de 1990, a equipe vivia uma crise técnica sem precedentes e, quando Adrian Newey saiu para assinar com a Williams, foi instalado um novo assoalho nos carros do time. O resultado foi um assombroso domínio dos carros azul-piscina no GP da França, em Paul Ricard, onde Gugelmin foi segundo até o motor quebrar na 59ª volta, quando já tinha baixado para quarto. Líder desde a 33ª passagem, Capelli sustentou a ponta por inacreditáveis 44 voltas e Prost, na antepenúltima, passou o italiano, que chegou em segundo. Gugelmin fez outras boas corridas na segunda metade do ano e um 6º lugar na Bélgica foi seu único resultado nos pontos.
Em 1991, com a troca para os motores Ilmor, a situação não melhorou muito e Gugelmin, sem pontuar, deixou a Leyton House e foi para a Jordan, a equipe mais promissora da categoria após um excelente ano de estreia na Fórmula 1. Mas foi outra desilusão: os motores Yamaha V-12 não tinham potência e o câmbio com acionamento sequencial semelhante ao de motocicleta foi um desastre. Sem perspectivas para continuar na categoria no ano de 93, Gugelmin deixou a F-1 com um currículo de 74 GPs em 80 possíveis, um pódio, uma melhor volta e 10 pontos somados.
Maurício não ficaria muito tempo parado: no fim de 1993, conseguiu um contrato de patrocínio com a Souza Cruz (leia-se Hollywood) e arrumou um carro da equipe de Dick Simon para se ambientar à Fórmula Indy.
Gostou tanto que ficou por lá até 2001. Correu não só para Dick Simon, como também para Chip Ganassi e também Bruce McCaw, dono da PacWest Racing e seu patrão até o fim da carreira. Sua melhor temporada foi a de 1997, onde venceu em Vancouver, no Canadá e terminou em 4º no campeonato com 132 pontos. Naquele mesmo ano, fez a volta mais rápida da história do automobilismo em circuito fechado, com 387,759 km/h no circuito de Fontana, na Califórnia. Recorde que seria batido três anos depois por Gil de Ferran, no mesmo traçado.
Gugelmin viveu um drama pessoal em 2001: não bastasse um monstruoso acidente no circuito oval do Texas, onde bateu a um impacto de 66.2 G, um de seus filhos gêmeos, Giuliano, morreu em decorrência de complicações respiratórias. O garoto era tetraplégico e tinha paralisia cerebral devido a complicações pós-parto. Tudo isso, somado ao acidente de Alessandro Zanardi onde o italiano perdeu as pernas em Lausitz, na Alemanha, fez o brasileiro dar um ponto final em sua carreira de piloto após nove temporadas na Indy e 148 corridas disputadas.
“Definitivamente preciso ficar mais tempo com minha família. Após tudo o que aconteceu, chega. Está acabado”. E assim foi.
Maurício Gugelmin pode não ter sido dos mais brilhantes pilotos do país que vimos correr, mas deixou sua marca no esporte e merece ser lembrado nesta data.
Parabéns, “Big Mo”!