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Outsiders: Stefan Bellof, aquele que poderia ter sido… e não foi

RIO DE JANEIRO – Enquanto o mundo do automobilismo relembra Ayrton Senna e os 20 anos da perda monumental do brasileiro, no próximo ano os alemães certamente terão motivos para recordar um piloto que tinha tudo para ser o primeiro daquele país a brilhar na Fórmula 1. Não é falácia: é fato. Stefan Bellof era […]

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Stefan Bellof, um talento precocemente desaparecido

RIO DE JANEIRO – Enquanto o mundo do automobilismo relembra Ayrton Senna e os 20 anos da perda monumental do brasileiro, no próximo ano os alemães certamente terão motivos para recordar um piloto que tinha tudo para ser o primeiro daquele país a brilhar na Fórmula 1. Não é falácia: é fato. Stefan Bellof era um talento nato e estava na mira de grandes equipes, antes do acidente que o levou com menos de 30 anos de idade.

A carreira começou nos karts, na década de 70

Nascido em 20 de novembro de 1957 em Giessen, na então Alemanha Ocidental, Bellof começou seguindo os passos do irmão mais velho, Geörg, logicamente nos karts, praticamente na mesma época que Ayrton Senna, que era pouco menos de três anos mais jovem, em 1973. Logo em seu primeiro ano, foi 4º colocado no Campeonato Alemão. Em 1976, Bellof levou o primeiro título internacional, com o troféu do International Karting Championship, no Grão-Ducado de Luxemburgo. O piloto disputou também o Mundial em Hägen, na Alemanha, e terminou na 13ª posição.

Em 1979, o piloto estreou na Fórmula Ford 1600

Geörg foi campeão alemão de Kart em 1978 e dois anos mais tarde, era Stefan quem repetia o feito do mano mais velho. Porém, sua carreira nos monopostos já estava a todo vapor, na Fórmula Ford. Bellof estreara nessa categoria em 1979 com um 2º lugar em Hockenheim e no ano seguinte, o mesmo do título de Campeão Alemão de Kart, ele se consagraria Campeão Alemão de FF1600, com um total de oito vitórias e nove pódios em 12 etapas. Avassalador.

Na Fórmula 3 alemã, Bellof perdeu o título de 1981 na última corrida

No ano seguinte, seguiu na FF1600 na defesa do seu título, mas não foi feliz. Fez algumas provas de FF2000 e ainda em 1981 já estava na Fórmula 3, pela equipe de Bertram Schäfer. Mesmo sem disputar as duas primeiras provas daquela temporada, chegou à última etapa com sete pontos de vantagem sobre Frank Jelinski e Franz Konrad, seus rivais na briga pelo título. Fracassou na prova decisiva em Nürburgring e ainda terminou o campeonato em 3º lugar, atrás do campeão Jelinski e do vice Konrad, derrotado por onze pontos.

Para fechar o ano, Stefan voltou à Fórmula Ford e fez uma aparição polêmica no Festival Mundial de Brands Hatch. Acabou excluído de uma das baterias de quartas-de-final, na qual terminara em 6º lugar por “excesso de arrojo”. O piloto fez uma promessa, logo após a desclassificação, ao chefe dos comissários.

“Acompanhe melhor a minha carreira. Estarei aqui de volta à Inglaterra, no ano que vem. E vou vencer minha primeira prova de Fórmula 2”.

Pela Maurer, o piloto fez duas temporadas no Europeu de Fórmula 2

Tanta confiança veio quando Eje Elgh, 3º colocado da Fórmula 2 Europeia em 1981, ficou impressionado com Stefan após o primeiro teste do piloto alemão com um carro da categoria. Em Paul Ricard, na França, Bellof tivera a chance de experimentar um modelo Maurer-BMW em confronto com Alain Ferté e Mike Thackwell. Willy Maurer gostou do que viu e ouviu. Tanto que fechou um contrato com Bellof para que o alemão integrasse sua equipe na Fórmula 2 e também mais um compromisso: Maurer seria, também, o empresário do piloto por um período de oito anos.

No lendário Karrussel de Nürburging, a bordo do Maurer-BMW de 1983

A abertura do Europeu de F-2 em 1982 foi mesmo na Inglaterra, no circuito de Silverstone. Mesmo largando da 9ª posição do grid, Stefan cumpriu a promessa ao comissário de Brands e venceu com 21 segundos de margem para Satoru Nakajima, este a bordo de um March-Honda da equipe de Tetsu Ikuzawa. Não satisfeito, Bellof ganhou também a 2ª etapa, o Jim Clark Memorial Trophy, diante de uma legião de torcedores em Hockenheim, por apenas quatro segundos sobre o belga Thierry Boutsen, com um Spirit-Honda.

Em Thruxton, o piloto bateu logo na primeira volta, envolvido numa colisão com Thierry Tassin e Roberto Del Castello. Foi 5º colocado em Nürburgring, sétimo em Mugello, abandonou em Vallelunga, chegou em nono no circuito francês de Pau e bateu em Spa. Tudo isso antes de voltar ao pódio com um 3º lugar em Hockenheim, na 9ª etapa do campeonato.

Stefan Bellof conquistou o 4º lugar em seu ano de estreia no Europeu de F-2

O piloto ainda seria sexto em Donington, na Grã-Bretanha, abandonando em Mantorp Park. Com um 2º lugar em Enna-Pergusa e a quinta posição em Misano Adriático, Bellof somou um total de 33 pontos e acabou o campeonato em quarto lugar. Uma excelente temporada para um estreante como ele.

Em paralelo com a F-2, o jovem piloto, então com 24 anos, estreou no World Sportscar Championship, o Mundial de Carros Esporte. Com um Kremer CK5, o piloto disputou os 1000 km de Spa-Francorchamps. A dupla andou bem até abandonar na 51ª volta com problemas no motor de arranque do protótipo. Na semana anterior, o piloto disputara a Hessen Cup em Hockenheim pelo DRM, certame que tornou-se o embrião do DTM.

No meio das feras: Bellof barbarizou com os Porsches do Grupo C, a partir de 1983

Na temporada de 1983, Stefan seguiu com a Maurer para mais uma temporada de F-2, ao mesmo tempo em que se consolidava como uma das apostas da Porsche para o World Sportscar Championship. Em sua primeira corrida com um Rothmans Porsche 956C, venceu em dupla com Derek Bell os 1000 km de Silverstone – com mais de um minuto de vantagem para Stefan Johansson/Bob Wollek.

Cabe, aliás, uma curiosidade: o tempo da pole de Bellof – 1’13″15, teria classificado o piloto alemão no 12º lugar no grid do GP da Inglaterra de Fórmula 1 em 1981, lá mesmo em Silverstone. Logo depois, o piloto registraria outra marca histórica: no circuito de Nürburgring, em pleno Nordscheleife, Stefan detonou os cronômetros e registrou a volta mais rápida da história da pista – 6’11″13, sendo o primeiro a obter a média horária acima dos 200 km/h no desafiador circuito de 183 curvas e quase 23 km de extensão. Em ritmo de prova, o tempo de 6’25″91 é também o recorde absoluto do Ring. Mas na corrida, Bellof se estatelou na curva Pflanzgarten, abandonando a prova.

O piloto venceu também em Kyalami e em Fuji, no Japão, resultados que deixaram-no em 4º lugar ao fim do campeonato do WSC em 1983.

Em sua última temporada na Fórmula 2, foi apenas o 9º colocado do Europeu de 1983

Na Fórmula 2, os resultados de Bellof não foram tão brilhantes: chegou em 4º em Silverstone e em segundo no circuito de Jarama, na Espanha. Na prova de rua realizada em Pau, acabou em 3º lugar, mas foi desclassificado. Aliás, ele e seu companheiro de equipe Alain Ferté: os dois Maurer-BMW estavam fora do regulamento, abaixo do peso mínimo limite. Bellof acabou num modesto 9º lugar, com nove pontos.

Testando o McLaren MP4-1C no mesmo dia em que Ayrton Senna e Martin Brundle também andaram de F-1 pela primeira vez

O fim do ano de 1983 representou o primeiro contato do piloto com um Fórmula 1. Na verdade, a estreia dele vinha sendo ‘ensaiada’ com constantes boatos da aparição do nome de Bellof na lista de inscritos de várias provas. ATS e McLaren cogitaram oferecer cockpits ao jovem piloto e nesta última, pelas ligações de Stefan com a Porsche, teoricamente as chances eram melhores para o futuro.

Tanto ele quanto campeão e vice da Fórmula 3 inglesa – Ayrton Senna e Martin Brundle – foram agraciados com um teste a bordo de um McLaren MP4/1C-Cosworth. Senna fez seu papel e Bellof, que veio logo depois do brasileiro, quebrou o câmbio do carro, antes que Martin Brundle efetuasse suas primeiras voltas.

Ken Tyrrell, a velha raposa, colocou Bellof na Fórmula 1

No entanto, a equipe que oferecia a Bellof a chance de estrear na F-1 seria a Tyrrell. O time britânico experimentava um lento processo de decadência e em 1984, a equipe era uma das únicas que ainda apostava nos motores Cosworth V-8, que tinham cerca de 150 HP a menos em relação às unidades com turbocompressores.

Mesmo com um carro equipado com motor Ford Cosworth V8, Bellof fez corridas espetaculares em 1984

A temporada não começou bem para o piloto alemão, com abandonos nos GPs do Brasil e da África do Sul. Apesar da deficiência do equipamento e do chassi 012, defasadíssimo em relação aos adversários, Bellof conseguiu chegar em 5º lugar no GP da Bélgica, em Zolder. Após mais um abandono em Dijon, no GP da França, veio Mônaco.

Na chuva de Mônaco, o piloto da Tyrrell andou tanto ou mais que Ayrton Senna; de último, acabou em 3º

Último no grid, ele passou em décimo-primeiro ao fim da primeira volta. É bem verdade que as duas Renault de Patrick Tambay e Derek Warwick bateram e outros pilotos tiraram o pé. Mas nada exclui os méritos de Bellof, que fez uma corrida tão extraordinária quanto a de Ayrton Senna.

Por irregularidades técnicas verificadas no meio do campeonato, Bellof perdeu todos os pontos e a Tyrrell foi excluída do Mundial de 1984

Na fatídica 31ª volta em que a corrida foi encerrada, o piloto da Tyrrell estava a 21 segundos do líder Alain Prost e a 13.7 de Ayrton Senna. O 3º lugar deu a Bellof mais dois pontos, porque os mesmos foram computados pela metade, uma vez que a prova não chegou a 75% de sua distância para pontuação integral.

Após dois abandonos consecutivos na perna da América do Norte e o 2º lugar de Brundle em Detroit, Bellof acabou vítima de uma falcatrua da equipe Tyrrell: o uso de lastro no tanque de combustível, que fazia o carro ter, na verdade, 80 kg a menos que o permitido no regulamento. Com o tanque vazio, o modelo 012 ficava mais veloz e consequentemente mais estável. E já desde o GP do Brasil havia desconfianças acerca da legalidade dos carros do time, pois Brundle, em determinado momento da prova, parou para reabastecer o carro com… água.

A Tyrrell apelou da eliminação do campeonato e conseguiu dar sequência à temporada: participou normalmente nos GPs de Dallas, Inglaterra e Alemanha, no qual Bellof ausentou-se por um compromisso com a Porsche no World Sportscar Championship em Mosport, no Canadá. Na Áustria, Bellof não conseguiu a classificação e em Zandvoort, o piloto e a equipe disputaram sua última prova em 1984: no intervalo entre o GP da Holanda e a etapa da Itália, a Corte de Apelação da FIA anunciou a exclusão definitiva da Tyrrell do Mundial de Construtores, do restante do campeonato e a cassação dos 12 pontos somados por seus pilotos – oito por Brundle e quatro por Bellof.

Com o Porsche 956C, Bellof foi o melhor piloto do Grupo C em 1984

Se na F-1 Bellof acabou prejudicado, no WSC ele foi o melhor piloto do ano. Revezando-se a bordo dos carros da Rothmans Porsche e da Brun Motorsport, o alemão consagrou-se campeão mundial de pilotos do World Sportscar Championship. Venceu em Monza sob grande controvérsia (o carro dele e de Derek Bell estaria fora do peso na vistoria) e também em Nürburgring, Spa-Francorchamps, Mosport e Sandown Park. Levou o título por oito pontos sobre o compatriota Jochen Mass e ajudou na conquista da Porsche entre os construtores.

Não satisfeito, Bellof fechou o ano com mais um caneco: levou o título do DRM com três vitórias e duas pole positions. Também venceu em sua única aparição no Campeonato Japonês de Esporte-Protótipo. Ao todo, foram 16 corridas fora da Fórmula 1 e nada menos que nove vitórias no currículo.

De volta com a Tyrrell, mostrou de novo qualidades na chuva: 6º colocado no GP de Portugal em 1985

Bellof renovou com a Tyrrell para o Mundial de 1985 e manteve o vínculo com a Porsche para o WSC, através da Brun Motorsport. A despeito de não competir no GP do Brasil, em Jacarepaguá, fez uma grande corrida no Estoril, mais uma vez mostrando suas qualidades em condições adversas. No toró da prova portuguesa, o alemão largou de 21º e terminou em sexto, somando enfim o primeiro ponto dele para valer na Fórmula 1.

Àquela altura, seu nome começava a ganhar força como o novo piloto da Ferrari para a temporada de 1986. Nas provas seguintes, abandonou em San Marino, não correu em Mônaco e foi 11º colocado no Canadá. No GP dos EUA, em Detroit, mesmo com o carro danificado, Bellof deu um show e chegou em quarto. Nas últimas oportunidades em que competiu com o Tyrrell-Cosworth, ainda foi o 13º na França e 11º na Inglaterra.

A bordo do Tyrrell com motor Renault Turbo em suas últimas provas na F-1

A Tyrrell costurou um acordo com a Renault e na segunda metade do campeonato, seus carros teriam motores turbo. O modelo 012 foi reformulado, recebendo um reforço no chassi para suportar a potência monstruosa dos motores franceses, especialmente em classificação. No GP da Alemanha, Bellof estreou a Tyrrell-Renault em Nürburgring, chegando em oitavo. E foi sétimo no GP da Áustria, antes de abandonar no GP da Holanda, em Zandvoort.

O piloto não podia imaginar que aquela seria sua última corrida de Fórmula 1.

O Porsche 956C da Brun Racing com que Bellof corria no WSC em 1985

Nos finais de semana em que as provas não coincidiam, Bellof se juntava a Thierry Boutsen na condução do Brun Porsche 956C durante a temporada de 1985 do World Sportscar Championship. Os 1000 km de Spa-Francorchamps, em 1º de setembro de 1985, seriam a quarta aparição do piloto na competição.

A dupla largara da 3ª posição, oito décimos atrás do Lancia LC2 pole position e na altura da 78ª volta, Bellof, que assumira a pilotagem no lugar de Boutsen, lutava contra o ídolo local e lenda da Endurance Jacky Ickx pela liderança da corrida. Os dois seguiram da La Source em direção à reta que leva ao complexo Eau Rouge-Raidillon, com Ickx à frente de Bellof. O piloto tentou a ultrapassagem num dos pontos mais perigosos da pista e o belga não cedeu. O resultado…

http://youtu.be/2sP_F66NB6Q

Após o acidente, houve incêndio no Porsche de Bellof e os comissários e a equipe de resgate trataram de entrar em ação. Mas não havia nada que pudesse ser feito: aos 27 anos, em decorrência de inúmeras lesões internas, Stefan Bellof morrera. Em respeito ao ocorrido, a prova foi encerrada com 150 km por percorrer.

Assim ficou o carro após o acidente na curva Eau Rouge

A morte prematura de Bellof não foi a única daquele ano no WSC: Manfred Winkelhock fora vítima de um estouro de pneu a alta velocidade no circuito de Mosport, perdendo o controle do carro e também a vida, igualmente a bordo de um Porsche 956. Após estas tragédias, cada vez menos pilotos de Fórmula 1 continuaram se revezando entre os monopostos e os protótipos.

A história talvez fosse outra se Bellof tivesse ido longe no automobilismo…

Foi uma pena que uma carreira tão promissora tenha se encerrado de forma tão abrupta, tão trágica. E pensar que Bellof era o ídolo de infância de um certo Michael Schumacher que, talvez inspirado por seus feitos nas pistas, ficou então com o posto de maior promessa alemã – tornado realidade com sete títulos e anos de serviços prestados à Ferrari.

Podia ter sido diferente…