A Mil por Hora
Música

Miele, um camarada que soube viver

RIO DE JANEIRO – “Conheci” Miele através da televisão. Escrevo conheci entre aspas, porque nunca tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente. Com o passar do tempo, eu e muita gente da minha geração descobriu muito mais coisas sobre aquele sujeito barbudo, de humor refinado, um gentleman com todo mundo, que as pessoas tanto gostavam e […]

Miele

RIO DE JANEIRO – “Conheci” Miele através da televisão. Escrevo conheci entre aspas, porque nunca tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente. Com o passar do tempo, eu e muita gente da minha geração descobriu muito mais coisas sobre aquele sujeito barbudo, de humor refinado, um gentleman com todo mundo, que as pessoas tanto gostavam e admiravam.

Luiz Carlos d’Ugo Miele deixou São Paulo com uma mão na frente e outra atrás para se aventurar no Rio de Janeiro, trabalhando na TV Continental – onde hoje funciona uma concessionária Volkswagen, em Laranjeiras, na Zona Sul. Foi nesse tempo de TV Continental, emissora de parcos recursos, onde as lâmpadas explodiam ao vivo, que ele conheceu Ronaldo Bôscoli. Juntos, os dois fariam história. E teriam muitas outras para contar.

Da “Noite do Amor, do Sorriso e da Flor”, que marcou o pontapé inicial da Bossa Nova como movimento de proa da MPB até a morte do Ronga em 1994, foram mais de três décadas de ligação quase umbilical entre eles. Miele & Bôscoli eram quase uma coisa só e assim foi, no tempo do Beco das Garrafas, dos shows de Wilson Simonal, do Gemini V e Elis Regina, dos especiais na Excelsior, Record e Globo e, principalmente, a alavancada na carreira de Roberto Carlos, imprimindo aos espetáculos do Rei um quê de Broadway.

Talentoso, criativo, inventivo e divertido, Miele era o autêntico showman. Se tivesse acesso a uns uísques, com certeza ficava mais engraçado ainda. Fez shows de sucesso com Tuca e a inesquecível Sandra Bréa. Trabalhou em humorísticos como “Satiricom” e “Planeta dos Homens”. Sentou no banco da “Praça da Alegria”. E virou ídolo instantâneo de toda uma geração quando comandou o lendário “Cocktail”, no SBT.

Quem há de esquecer o desfile de peitinhos que povoava nossas telinhas?

Miele foi um homem avant la lettre, além do seu tempo. Nunca achei que fosse morrer da forma que se despediu da vida, aos 77 anos, em casa, vítima de um mal súbito. Imaginei que seria após um porre monumental, depois de um papo informal entre amigos num bar, varando a madrugada.

Iguais a ele, existem e existiram poucos na música e na cultura do país. Não à toa, João Marcello Bôscoli, filho mais velho de Elis Regina (com Ronaldo Bôscoli) disse – com toda razão – que Miele era uma esquina de fatos e pessoas.

“Em algum momento, alguém passaria por ele”.

Sorte de quem passou. Eu não tive essa sorte. Mas aqui reverencio Luiz Carlos Miele, um camarada que soube viver.

Ah, Barba… quando você encontrar com o Veneno aí em cima, tome uns tragos pela gente.

O céu vai ficar bem mais divertido. “Tutti-Frutti! Tutti-Frutti!”