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IMSA

24h de Daytona: vitória redentora da AX Racing em edição cheia de recordes

RIO DE JANEIRO (Que fim de semana, amigos!) – Quem acompanhou as 24 Horas de Daytona do último ano se lembra bem de como a corrida terminou. Edgard Mello Filho, com toda sua sapiência, disse que Filipe Albuquerque “abriu a porta da sacristia” e Ricky Taylor meteu os pés nessa porta, batendo no adversário, tirando […]

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Nada atrapalhou desta vez: nem uma suspeita de superaquecimento tirou da conexão luso-brasileira de João Barbosa, Filipe Albuquerque e Christian Fittipaldi a primazia de triunfar nas 24h de Daytona, enterrando o dissabor do ano passado (Foto: Jake Galstad/IMSA)

RIO DE JANEIRO (Que fim de semana, amigos!) – Quem acompanhou as 24 Horas de Daytona do último ano se lembra bem de como a corrida terminou. Edgard Mello Filho, com toda sua sapiência, disse que Filipe Albuquerque “abriu a porta da sacristia” e Ricky Taylor meteu os pés nessa porta, batendo no adversário, tirando o português de esquadro e vencendo a corrida.

Acho até que Albuquerque passou o ano inteiro se penitenciando por isso, tendo em mente que, dessa vez, nem ele e nem ninguém iria impedir a vitória da AX Racing e do carro #5 da Mustang Sampling.

Pois nem mesmo uma suspeita de superaquecimento, que deixou todos da equipe tensos nos boxes, foi capaz de impedir que a conexão luso-brasileira formada por ele, Filipe, por João Barbosa e por Christian Fittipaldi perdesse as 24 Horas de Daytona, numa edição cheia de recordes.

A começar pelo número de períodos de FCY (Full Course Yellow): apenas quatro, um registro mínimo em se tratando de uma corrida de tamanha magnitude, muito em parte creditado à ausência dos Prototype Challenge, divisão extinta – graças a Deus! – ao fim de 2017.

Natural que fossem trucidados também o recorde de voltas percorridas e também de quilômetros alcançados ao fim de um dia inteiro de corrida pelo circuito de 5,728 km de extensão. A Nissan ganhou a prova em 1992 completando 762 voltas e ninguém chegara tão longe. A trinca do #5 percorreu 808 voltas e estabeleceu a nova marca histórica.

A quilometragem mais alta também foi superada: na prova de 1982, a trinca vencedora percorrera pouco mais de 4,4 mil km. Hoje, os vencedores fizeram exatos 4.628,224 km. São marcas expressivas e que atestam a competência de uma trinca entrosada, coesa e vitoriosa. Afinal, João e Christian levam para casa pela terceira vez um relógio de pulso Rolex Cosmograph, oferecido aos vencedores de todas as classes da IMSA em Daytona.

Cabe lembrar que a conquista esteve longe de ser tranquila não só pela preocupação com o excesso de temperatura no motor 5,5 litros V8 no Cadillac DPi-V.R, como também pela chuva que caiu em determinado momento à noite e principalmente pelos duelos com o Acura ARX-05 DPi da Penske que teve em Hélio Castroneves o seu maior destaque, bem como o #31 do quarteto Felipe Nasr/Mike Conway/Eric Curran/Stuart Middleton.

“Nosso carro começou a aquecer e, se a corrida tivesse mais voltas, não sei se conseguiríamos vencer. Nas últimas cinco horas da prova, fomos administrando a vantagem que tínhamos, controlando os tempos de volta, forçando só o necessário para nos mantermos na frente. Tanto que a vantagem que chegou a ser de três voltas ficou em pouco mais de um minuto no final”, contou Fittipaldi.

“Estou sem palavras para definir o que estou sentindo. Estou extremamente feliz. Vencer pela terceira vez em Daytona, a prova mais difícil do ano é muito gratificante. Gostaria de parabenizar toda a equipe Action Express, todos da Cadillac, porque eles souberam contornar todas as dificuldades que tivemos da melhor forma possível”, finaliza o tricampeão da prova.

Esses carros todos e mais alguns adversários de peso feito os Caddies da Wayne Taylor Racing e Spirit of Daytona, mais os Nissan Onroak DPi e os LMP2 de United Autosports e Jackie Chan DCR Jota, animaram grande parte da disputa até a primeira metade. Aí, começaram a ‘cair’ alguns fora, feito moscas. O #90 de Tristan Vautier/Eddie Cheever III/Matt McMurry foi o primeiro. Depois, abandonaram os dois Nissan da Tequila Patrón ESM. O #2 guiado por Ryan Dalziel teve o câmbio quebrado. O #22, com Pipo Derani, uma insolúvel falha mecânica.

 “Estou realmente chateado com os dois abandonos da equipe no final de semana”, declarou Pipo. “Foi uma corrida difícil, mas estivemos competitivos e lutamos para estar na frente. Depois de um duro classificatório, quase chegamos a liderar a corrida, então foi uma grande conquista”, lembrou o piloto de 24 anos.

“Tivemos três furos no pneu traseiro direto, o que foi muito difícil, mas nunca deixamos de lutar. O ritmo e o espírito de luta que mostramos nos dá forças para seguir em frente na próxima corrida”, completou.

Fernando Alonso foi uma das grandes vedetes na pista e chegou até a liderar. Mesmo diante de insolúveis problemas em seu Ligier JS P217, o bicampeão era só sorrisos em Daytona (Foto: Scott LePage/IMSA)

Não obstante, o Ligier #23 do bicampeão mundial de Fórmula 1 Fernando Alonso também enfrentou percalços principalmente com o desgaste dos freios e com uma falha no acelerador do protótipo LMP2, que deixou o espanhol e seus jovens parceiros Lando Norris e Phil Hanson totalmente fora de esquadro – a trinca terminaria muito atrasada, mas Alonso, após a corrida, já se declara “pronto” para disputar as 24 Horas de Le Mans (aguardamos ansiosamente por isso…). A Penske viu o Acura #6 se atrasar devido a uma falha de alternador e no início da manhã, quando ainda não havia raiado o sol na Flórida, Castroneves e Nasr se “acharam” e o #7 levou a pior, perdendo várias voltas.

Os problemas abriram caminho para um improvável 3º lugar do #32 da United Autosports, perdido num pit stop quando a embreagem do carro teimou em não funcionar. Ainda assim, a equipe voltou à pista e recuperou pelo menos uma colocação para terminar a disputa com honra e perto do pódio – que acabou ficando, de forma até certo ponto surpreendente, com o Oreca 07 LMP2 da CORE Autosports muito bem conduzido por Colin Braun/Jonathan Bennett/Romain Dumas/Loïc Duval.

Mas a corrida estava longe de terminar e num período de FCY – se não me engano no último – o #5 guiado por Christian Fittipaldi embicou para a garagem. O brasileiro reportava alta temperatura do motor, indício de superaquecimento. A orientação foi andar rápido sem forçar o equipamento e nisso o #31, que estava em defasagem, recuperou voltas e Mike Conway pôs intensa pressão no carro do companheiro de equipe.

O #31 da AX Racing/Whelen Engineering completou a dobradinha nas 24h de Daytona, também às voltas com problemas de superaquecimento. No fim, um excelente resultado na estreia de Felipe Nasr como piloto titular em 2018 (Foto: Jake Galstad/IMSA)

Até que foi a vez do protótipo da AX Racing/Whelen Engineering também se entregar por uma falha mais grave de superaquecimento que o outro Cadillac, que seguiu na ponta até o final. Mesmo com a tensão dominando os boxes, tudo correu bem e nem as voltas recuperadas pelo #31 e pelo carro da CORE foram capazes de manchar a histórica vitória de Filipe, Christian e João.

Numa corrida exigente como sempre são as 24h de Daytona, chamou também a atenção do altíssimo índice de furos de pneus, em especial do lado traseiro direito, atingindo indiscriminadamente os bólidos de Protótipos e Grã-Turismo. Quem tentou manter os compostos por três stints consecutivos se deu mal e a Wayne Taylor Racing, a atual campeã, foi a mais prejudicada. Foram quatro estouros de pneu – há quem diga que foram cinco e o velho Wayne Taylor deu uma exagerada, dizendo que foram “oito ou nove” –  no último, com danos irreparáveis na traseira, a equipe jogou a toalha e abandonou a corrida, em prol da segurança dos pilotos. Cabe lembrar que o carro já havia perdido oito voltas num acontecimento semelhante, horas antes.

“Temos equipes que fizeram a opção de dobrar os stints com os pneus e sabemos que isso não vai parar”, comentou Kevin Fantozzi, da fabricante Continental. “E não tivemos o menor problema com as escuderias que seguiram as nossas recomendações”, explicou. “Exceto pela Action Express, que optou por um stint triplo.”

O resultado final da classe Prototype também mostrou uma supremacia dos LMP2 entre os 10 primeiros, embora o melhor dos Global Cars tenha sido 3º colocado. Foram cinco Oreca e o Ligier da United Autosports na linha de frente, com destaque para o pódio da CORE já citado, o quinto posto do #78 da Jackie Chan DCR Jota, o bom resultado dos dois carros da JDC-Miller Motorsports e a interessante estreia da Performance Tech na turma de cima. Os quatro DPi que terminaram mais bem classificados foram dois Cadillac DPi-V.R e os dois Acura do Team Penske.

Dobradinha categórica da Ford na 200ª vitória da história da Chip Ganassi Racing no automobilismo (Foto: Vision Sport Agency)

Na GTLM, a Ford nadou de braçada numa divisão normalmente muito equilibrada e dominou sem nenhum atenuante às rivais durante toda a disputa. Assim, a equipe de Chip Ganassi comemorou a 200ª vitória de sua história: fundada em 1990, a escuderia que dá suporte ao programa da Ford na IMSA e no WEC deitou e rolou na Flórida e ganhou – no que pode ser interpretado como uma grande homenagem a Dan Gurney – numa sonora dobradinha.

Talvez não estivesse previsto, mas foi o #67 que riu por último, com Ryan Briscoe/Richard Westbrook/Scott Dixon fechando a disputa num bom 11º lugar geral e com 783 voltas percorridas. Os dois carros andaram próximos quase o tempo todo e se revezando na dianteira – por isso não deixou de ser surpreendente que o #66 de Joey Hand/Dirk Müller/Sébastien Bourdais foi superado em pouco mais de onze segundos.

Pole position na qualificação, o Corvette C7-R #3 de Antonio Garcia/Jan Magnussen/Mike Rockenfeller, embora eventualmente estivesse no ciclo dos líderes, jamais foi páreo. Perdeu duas voltas inteiras na reta final e chegou em 3º na frente do outro “trovão” guiado por Oliver Gavin/Tommy Milner/Marcel Fässler.

Numa categoria sempre equilibrada e disputada, além da falta de emoção, a decepção ficou por conta da Porsche – que teve um carro muito atrasado por conta de um acidente na madrugada – e da Ferrari da Risi Competizione, prejudicada também por diversos furos de pneu (alguém falou em traseio direito?). Os italianos ficaram em quinto, muito atrás da concorrência, com a turma de Stuttgart alcançando apenas o sexto posto com o 911 RSR GTE que tão bem desempenhara um papel bacana em sua prova de estreia, há exatamente um ano.

Da BMW e de seu modelo M8 GTE não se esperava muito mesmo – só que chegasse ao final, o que as duas tripulações conseguiram. O #24 de Augusto Farfus/Jesse Krohn/John Edwards/Nick Catsburg completou em 18º na geral e sétimo na categoria, percorrendo 773 voltas – dez a menos que o Ford vencedor.

Para um bólido que teve problemas em seu desenvolvimento, sem muitos testes, e que mostrou certa evolução do ROAR para este fim de semana, o trabalho foi bom e a corrida serviu bem mais como treino. Principalmente para o pessoal do #25, que apanhou um baita susto quando Bill Auberlen teve um pneu explodido de madrugada e o carro quase sofreu um grave acidente. Por pura competência, “Bill Power” evitou o pior e o carro seguiu na prova, mesmo que muito atrasado.

“A BMW fez um trabalho excepcional na estreia da M8 GTE. O objetivo era chegarmos ao fim da prova, e fizemos isso com os dois carros. No #24, não tivemos nenhum problema, e no #25, foi só o pneu que estourou, mas isso não é uma questão técnica. Infelizmente, o BoP não nos ajudou, então não tivemos um carro tão rápido, e, como a prova foi muito intensa, com poucas bandeiras amarelas, dificultou nosso ritmo de corrida e a chance de brigarmos pelas primeiras posições. Mas saímos daqui orgulhosos e felizes, o carro tem uma base boa para crescer. Agora, vou direto para a Austrália, onde corro as 12 Horas de Bathurst com a equipe Team Schnitzer, minha equipe em Macau e também nas 24 Horas de Nürburgring. Temos um time realmente forte e vamos tentar brigar pela vitória lá”, afirmou Farfus.

Finalmente a Lamborghini quebra um tabu e vence uma prova de 24h de duração com seu modelo Huracán GT3: a responsável foi a Grässer, que saiu de último no grid

A GTD teve disputa até o final e o drama da falta de gasolina assombrou quem brigava pela vitória. E fazendo valer o velho ditado de que “os últimos serão os primeiros”, riu por último o carro que veio do 50º lugar no grid: o Lamborghini Huracán da GRT Grässer Racing Team faturou a disputa num belíssimo trabalho de Franck Perera/Mirko Bortolotti/Rolf Ineichen/Rik Breukers. A trinca finalizou a prova com 752 voltas, em 21º lugar na classificação geral.

Uma volta atrás dos ganhadores, chegou o Acura NSX GT3 em mais uma ótima prova da Michael Shank Racing em Daytona. O segundo lugar para Trent Hindman/Álvaro Parente/AJ Allmendinger/Katherine Legge foi um resultado e tanto para um carro que a princípio só será visto nas provas longas da IMSA. A Paul Miller Racing salvou o pódio com mais uma Lamborghini Huracán, num esforço incrível da equipe: insatisfeitos com a falta de performance, os engenheiros e alguns mecânicos – e mais o piloto Bryan Sellers – levaram o carro para um shakedown num oval minúsculo da Flórida, depois de trocarem diversos componentes do carro após o treino classificatório. Pelo visto, o treino extra surtiu efeito…

A Riley Motorsports-AMG teve boa performance mesmo com um carro visivelmente prejudicado pelo BoP: a Mercedes-AMG guiada por Jeroen Bleekemolen/Luca Stolz/Ben Keating/Adam Christodoulou liderou em vários momentos da corrida e só não foi ao pódio porque o carro precisou repor combustível a meia hora do final. Terminaram em 4º lugar, na frente da Ferrari #64 da Scuderia Corsa.

Ah! Por falar em Ferrari, adivinhem o que aconteceu com a #51 da Spirit of Race? Pois é… o bom e velho Paul Dalla Lana foi o bom e velho Paul Dalla Lana de sempre. Bateu na Bus Stop e o carro deu bye bye à disputa após 571 voltas e aproximadamente 18h30min percorridos. Já o Lexus RC-F da equipe 3GT Racing do brasileiro Bruno Junqueira teve muitos problemas durante a disputa, conseguindo apesar de tudo se recuperar para fechar a corrida em 15º na categoria e em 36º lugar na geral, completando 719 voltas. O carro ainda foi conduzido por Dominik Baumann, Phillip Frommenwiler e Kyle Marcelli.

O ano do Endurance está só começando… sábado tem Bathurst e dia 9 sai a lista oficial dos inscritos do WEC, ELMS e das 24h de Le Mans.

Preparem as coronárias! A primeira emoção já veio e foi toda nossa, com os brasileiros mais uma vez brilhando em Daytona e mostrando que, apesar do nosso automobilismo interno ser uma lástima, o talento ainda está lá, intacto.