RIO DE JANEIRO – Este blog nunca levantou a bandeira do machismo. Muito pelo contrário: sempre respeitou a opinião feminina e ressalto que, embora tenha feito algumas brincadeiras acerca das performances da Danica Patrick na Nascar – mais pra entrar na pilha do Sergio Lago e sacanear (muito) o Thiago Alves – respeito muito o que ela alcançou e conseguiu na carreira que se encerra neste ano.
Danica é uma das mulheres que batalhou espaço no automobilismo e fez muito bem o seu papel. Não foi a única. Lá fora, Christina Nielsen tem títulos na IMSA. Michele Mouton e Jutta Kleinschmidt deram show no Rali. Sabine Schmitz, Claudia Hürtgen e Ellen Löhr foram – e ainda são – nomes de muito respeito na Alemanha. A jovem Jamie Chadwick andou muito bem de Grã-Turismo na Grã-Bretanha. Simona de Silvestro acelera no Supercars da Austrália. Lyn St. James e Janet Guthrie foram as pioneiras nas 500 Milhas de Indianápolis. A japonesinha Juju Noda, filha de Hideki Noda, começa a carreira de piloto na Fórmula 3 de seu país, aos 12 anos de idade. E por aí vai.
No Brasil tivemos Graziela Fernandes, Danusa Palhares, Regina Calderoni, Suzane Carvalho, Ana Lúcia Walker, Letícia Zanette, Vanessa Coelho Chaves, Débora Rodrigues, Bia Figueiredo – que também brilhou no exterior – e Cristina Rosito, como alguns exemplos de perseverança e luta em busca de reconhecimento de seus rivais. E uma menina, Bruna Tomaselli, buscava seu lugar ao sol no automobilismo dos EUA ano passado.
Desculpem se fui injusto ao não citar outros exemplos, é que esses foram nomes que vieram de memória.
Onde quero chegar citando todos esses exemplos do passado? Simples: nas infelizes declarações da espanhola Carmen Jordá.
Aos 29 anos de idade, a moça apresenta um currículo bastante modesto na carreira – iniciada em 2005. Somou apenas dois pódios em toda a sua trajetória, numa subcategoria da Fórmula 3 de seu país. Fez cinco corridas de Indy Lights e na GP3 Series tentou, sem muito sucesso, persistir na categoria. Fez nada menos que 44 aparições neste certame, com nenhum ponto somado. Isso mesmo: Carmen Jordá zerou em todas as temporadas (2012/14) e seu melhor resultado numa prova da categoria foi um esquálido 17º lugar.
Daí o espanto quando, em 2015, ela foi contratada como piloto de desenvolvimento da Lotus, depois absorvida pela Renault. Ficou no posto até 2016. Ano passado, fez o Renault Sport Trophy e foi “premiada” pela FIA com um cargo na Comissão de Mulheres da entidade.
E aí criou-se a grande polêmica do automobilismo mundial nos últimos dias.
Carmen abriu a boca para dizer o que não devia – aliás, ela se pronuncia normalmente de acordo com a visão estreita de Bernie Ecclestone, naquele papinho furado machista, misógino e babaca de que mulher não serve para automobilismo. De acordo com ela, existe “uma barreira física” para as mulheres guiarem na Fórmula 1, sugestionando assim que o caminho seria a Fórmula E – porque, segundo ela, os carros elétricos seriam mais “fáceis” de pilotar.
“Não sou eu quem deve decidir o que é bom ou não para as mulheres no esporte. Mas pela minha experiência posso dizer que na F1 e na F2, e não em nenhum dos outros campeonatos, como de kart, de F3, de GT, existe uma barreira que é a questão física”, comentou Jordá. “Acho que existe um grande problema para as mulheres e é por isso que não existe nenhuma nesses campeonatos”, seguiu.
As declarações soaram mal e a espanhola começou a levar porrada de tudo quanto é lado. Jenson Button, campeão mundial de Fórmula 1 em 2009, fez questão de contrariar a opinião de Jordá. “Danica (Patrick) é provavelmente tão forte fisicamente quanto qualquer piloto no grid da Fórmula 1 hoje”, afirmou o britânico. “Barreira física não é problema, Carmen”, concluiu o piloto do Super GT pela Honda.
Não obstante, outras mulheres envolvidas com o esporte fizeram severas críticas às suas palavras. A engenheira de pista Leena Gade, ex-Audi no WEC, hoje Bentley no Blancpain GT, saiu em defesa da presença do sexo feminino no esporte a motor. E a suíça Simona de Silvestro dedicou em postagem no Twitter algumas verdades bem diretas.
“Corri de Fórmula Indy e Fórmula E, corro de Supercars e já dirigi um Fórmula 1”, iniciou a piloto. “Todos são desafiantes e nunca senti desvantagem física em nenhum deles. É frustrante ouvir essa declaração de uma mulher que nunca guiou esses carros. Isso não é a melhor maneira de incentivar as jovens a seguir seus sonhos”, disse.
E hoje, como que uma resposta – em sentido inverso – às palavras de Carmen Jordá, a colombiana Tata Calderón anunciou que fará parte do programa da equipe Alfa Romeo Sauber, como piloto de testes. “Não ha barreira física para mulheres na Fórmula 1”, acredita.
Pelo menos a Milka Duno, que nunca primou pelo brilhantismo, jamais disse tantas bobagens quanto sua ex-colega de profissão.