A Mil por Hora
24 Horas de Le Mans

Por que Ken Miles?

RIO DE JANEIRO (Contém spoiler!) – Nesta quinta-feira, chega finalmente ao circuito o tão esperado filme que contará a história das 24 Horas de Le Mans de 1966. Dirigido por James Mangold, Ford vs Ferrari é estrelado por Matt Damon, que fará o papel de Carroll Shelby e Christian Bale, que será Ken Miles. E […]

Muito do sucesso do Ford GT40 em quatro anos seguidos nas 24h de Le Mans se deve ao trabalho, dedicação, empenho e principalmente competência do moço da foto: Ken Miles mostrará no filme de James Mangold porque foi ‘o cara’ na batalha Ford vs Ferrari

RIO DE JANEIRO (Contém spoiler!) – Nesta quinta-feira, chega finalmente ao circuito o tão esperado filme que contará a história das 24 Horas de Le Mans de 1966.

Dirigido por James Mangold, Ford vs Ferrari é estrelado por Matt Damon, que fará o papel de Carroll Shelby e Christian Bale, que será Ken Miles.

E por que o destaque a Ken Miles, se a vitória naquela prova, a primeira da marca do oval azul de Detroit, foi de Chris Amon e Bruce McLaren?

Por que, se houve pelo menos outros 29 nomes importantes na conquista – e na contagem incluo o Comendador Enzo Ferrari, porque o “Drake di Maranello” quase vendeu a Ferrari para os ianques, história que já contei no blog noutra oportunidade.

Foi o que bastou para Henry Ford II ordenar ‘passar o carro’ no construtor italiano, que ganhara seis vezes seguidas de 1960 a 1965 e estrearia o modelo 330 em La Sarthe.

Recém-falecido, Lee Iaccoca foi um dos pilares do projeto, que contaria ainda ao longo do período compreendido até 1969 com Don Frey, John Wyer, Leo Beebe, Len Bailey, Chuck Mountain, Eric Broadley e, claro, Carroll Shelby – já que seus AC Cobra representavam a Ford nas 24 Horas de Le Mans.

A presença de Eric Broadley entre as pessoas-chave do projeto não surpreende. Muitos creem que o Ford GT40 guarda semelhanças com o projeto da Lola T70 em versão Coupé. O perfil dos dois carros faz crer que a semelhança seja possível.

E o principal artífice do desenvolvimento do projeto dentro da pista é Ken Miles, de quem vamos falar agora.

Nascido em 1918 em Birmingham, na Inglaterra, serviu na II Guerra Mundial e antes disso já pilotava motos. Passou aos carros depois que deu baixa e o conflito militar se encerrou – isso já em 1953, quando se mudou de seu país de origem para os EUA, fixando residência em Los Angeles, na Califórnia.

Revelou-se principalmente um exímio acertador de carros, além de habilidoso com mecânica. Tanto que o texano Carroll Shelby (1923-2012) não hesitou em convidá-lo para trabalhar com ele no desenvolvimento de seus carros de competição a partir do ano de 1963.

Dono de um senso de humor bastante cáustico, Miles não tardou em ganhar apelidos. “Teddy Teabag”, por ser de origem inglesa, foi um deles. “Sidebite”, por falar meio de lado, o outro. O melhor deles, contudo foi “Stirling Moss of the West Coast” – nem precisa descrição.

Por todas as suas credenciais, não surpreendeu que Miles fosse, de saída, o homem que deu a competitividade possível ao Ford GT Mk II, que inclusive já estreara em Le Mans no ano de 1965, quando Jochen Rindt e Masten Gregory venceram pela sexta vez seguida para a Ferrari – com o modelo 275.

E Ken Miles, sendo o homem que conhecia mais do que ninguém os segredos daquele carro, não surpreendeu ao vencer as 24 Horas de Daytona e as 12 Horas de Sebring, ambas em dupla com Lloyd Ruby. Shelby, mais do que qualquer outro, sabia que aquele sujeito – por mais difícil que fosse – era excepcional.

Veio a disputa das 24 Horas de Le Mans que será retratada no filme (este post contém spoiler, desculpem): e deu Bruce McLaren/Chris Amon, numa chegada bastante polêmica em que Miles, na dupla com o neozelandês Denny Hulme a bordo do carro #1, perdeu a vitória para o #2, o que lhe deixou muito contrariado.

A história que norteia essa chegada é controversa. Uns dizem que houve uma exigência da Ford para que os três carros fizessem a clássica chegada juntos na fotografia, instruindo Carroll Shelby para que o ritmo fosse reduzido.

Há quem diga, contudo, que os pilotos do #2, em especial Bruce McLaren, teriam desobedecido tais ordens e por isso chegaram à frente de Miles/Hulme. Fato é que a tal chegada de 20 metros de distância não passa de uma grande lenda. E que Miles ficou, sim, muito contrariado.

Afinal de contas, lhe foi roubada a chance de entrar para a história do Endurance: nenhum piloto – até hoje – venceu no mesmo ano as 24h de Daytona, as 12h de Sebring e as 24h de Le Mans, consideradas a ‘Santíssima Trindade’ das corridas de longa duração.

Mesmo com a vitória que lhe tiraram das mãos, Miles foi fiel até o fim aos projetos da Ford – tanto que morreu, ainda no ano de 1966, testando o que seria o sucessor do GT40 – o Ford J, com o qual sofreu um acidente fatal no hoje extinto circuito californiano de Riverside, em 17 de agosto.

Ken tinha 47 anos. Seus feitos são eternos. E sua história, ainda não conhecida, chegará aos ouvidos dos fãs de velocidade e também dos iniciados que vão sentar nas poltronas das salas de cinema e saber quem foi aquele britânico de jeitão rústico – aliás, dizem que Christian Bale incorporou os maneirismos de Ken Miles – que podia ter seu nome inscrito na galeria dos maiores pilotos de provas de Endurance em todos os tempos.

PS.: o roteiro do filme de James Mangold fatalmente será romanceado como foi “Rush” de Ron Howard. Para muitos fãs do Endurance e para os da velha guarda, Ford vs Ferrari soará como heresia. Deem o desconto. Assistam. Vale a pena. É uma grande história e Ken Miles merece todo o nosso reconhecimento.