A Mil por Hora
Fórmula 1

Demolidor, destruidor, incontestável

RIO DE JANEIRO – Faltam adjetivos para definir Lewis Hamilton. Do que mais podemos qualificá-lo se ele não cansa de reescrever a história? Que o título de 2020 viria, com o domínio atual da Mercedes, era talvez um fato consumado. A dúvida seria: quando e como? The emotions spill out, as @LewisHamilton conquers the world […]

RIO DE JANEIRO – Faltam adjetivos para definir Lewis Hamilton.

Do que mais podemos qualificá-lo se ele não cansa de reescrever a história?

Que o título de 2020 viria, com o domínio atual da Mercedes, era talvez um fato consumado. A dúvida seria: quando e como?

E veio numa corrida monumental. Destruidora. Demolidora.

As condições pareciam as piores possiveis. Desde os treinos, Lewis soltava o verbo quanto ao recapeamento do circuito de Istambul, na Turquia. Falava que não tinha aderência, que guiava no gelo.

E choveu na qualificação. E a Mercedes, desde 2013, ficou fora das primeiras cinco posições do grid.

Quando o domingo amanheceu para a disputa da 14ª etapa da temporada, chovia. Pista molhada, um sabão.

O começo foi um massacre da Racing Point. O surpreendente pole Lance Stroll liderou e disparou, com Sergio Pérez em segundo. Valtteri Bottas, que largou em nono, começou seu show de horrores. Rodou na primeira curva e rodaria ainda na primeira volta junto a Estebán Ocon, da Renault. Depois, o finlandês viraria pião da casa própria emulando a pavorosa corrida de Felipe Massa em Silverstone. Rodou mais quatro vezes.

Mas as condições extremas do circuito começaram a melhorar um pouco. Todo mundo (ou quase, pois George Russell largou dos boxes com pneus intermediários e Latifi, que fez corrida pavorosa, também) trocou para intermediários e até a 12ª volta, Racing Point e Red Bull pareciam rumar para brigar entre si pela vitória, enquanto Hamilton não ultrapassava a Ferrari de… Sebastian Vettel, numa de suas melhores atuações em 2020.

Mas o castelo de cartas dos rosados e rubrotaurinos aos poucos ruiu: Verstappen arriscou uma manobra otimista demais para cima de Pérez, rodou e detonou seus pneus. Albon foi para cima de Pérez, com Stroll ainda dominante. Mas o tailandês sofreu com o desgaste acentuado dos intermediários, que acabaram rápido demais em relação aos adversários.

Só que também líder e vice-líder foram perdendo terreno. Na 36ª volta, Stroll foi chamado para montar um novo jogo de intermediários e daí em diante a corrida do pole position iria para o vinagre. Pérez ficou na pista para liderar e, quem sabe?, repetir Pedro Rodríguez e se tornar em 50 anos o primeiro mexicano a triunfar na Fórmula 1.

O problema é que o 2º colocado já era Lewis Hamilton. E não houve como “Checo” segurar o virtual heptacampeão, que certamente sabia das dificuldades enfrentadas por Bottas, num dia para ser riscado da folhinha. Na 37ª volta, a Mercedes despontava na frente. Parecia inacreditável. Mas era verdade.

E não foi só isso. A humilhação se completou com Bottas levando uma volta do colega de equipe, do líder do campeonato, do quase heptacampeão. Um cala-boca para quem só acha que Hamilton chegou onde chegou por causa do carro? A resposta é com vocês…

O inglês passou, abriu e sumiu. Atrás dele, outros se destacavam. Leclerc, Carlos Sainz Jr. e Lando Norris pelo lado positivo. Stroll, Albon e Verstappen, perdidinhos, por sua vez.

Para não deixar dúvidas, Hamilton abriu incríveis 31″633 sobre Pérez, para chegar à 94ª vitória da carreira e nos emocionar com o sétimo título mundial de pilotos. E o mexicano por pouco não perde o 2º lugar: um erro numa das curvas permitiu a aproximação de Leclerc, Vettel e Sainz Jr., que vinham rápidos e babando.

Aí Leclerc babou mais que todo mundo, embarrigou uma trajetória de curva, Pérez se impôs e Vettel, que – justiça seja feita – guiou muito bem neste domingo, conquistou um pódio para lavar a alma depois de tudo o que lhe fizeram na Ferrari em 2020. Um lindo desfecho de uma corrida incrível.

Aliás, essa foi a primeira corrida em que Egon Speng… ops! Mattia Binotto não estava no pit wall. Melhor desempenho conjunto dos vermelhos sem ele: bom augúrio? Binotto seria a asa negra de Maranello?

Pois é: e no parque fechado, a cena do dia. O primeiro a se ajoelhar e cumprimentar um compreensível e visivelmente emocionado Hamilton, que hoje tem o mesmo total de títulos de seu ídolo Ayrton Senna e de Alain Prost, somados, foi exatamente Vettel, mostrando o quão gigantesco como esportista é o alemão.

E o título de Hamilton num 2020 louco, de Pandemia, de governantes insanos, de Black Lives Matter, de cidanania, caráter, virtude e atitude mostra o quão gigante também é o inglês que não se sente inglês. Vitorioso, sem precisar provar mais nada pra ninguém, Lewis é vítima do odioso establishment do racismo.

Subverte a Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre e se coloca como o maior esportista negro de sua geração. E seu ativismo incomoda tanto que haverá quem insista – e não duvido que isso aconteça na caixa de comentários deste post – que é “lacração” e que ‘esporte e política não se misturam’.

A Fórmula 1 pode dar de ombros para governos odiosos, tanto que correu em países com regimes ditatoriais e segregacionistas – Argentina, Brasil, África do Sul, et cetera. Vai atrás do dinheiro dos barenitas e sauditas, que não são igualmente exemplos de democracia. Muito menos a Turquia do detestável Recep Erdogan e a Rússia de Vladimir Putin. O que interessa é o business, o ‘cacau’, a grana.

https://twitter.com/F1/status/1327944508277919744

No fundo, mas bem lá no fundo, o que conta – ainda – é o esportista e o seu caráter, sua retidão e o que ele representa. E nos dias de hoje, Lewis Hamilton sobrepujou a figura do piloto e mostrou que é um gigante como homem e cidadão.

E um imenso heptacampeão do mundo.