RIO DE JANEIRO – Sucesso no blog, a série Saudosas Pequenas não podia deixar de lembrar de uma escuderia que ficou na memória pelos mais variados motivos. Principalmente por ser guerreira e pertencer à turma do fundão. Começa a saga da Automobiles Gonfaronaises Sportives, a AGS.
A equipe nasce no fim da década de 60, numa pequena cidade chamada Gonfaron (no último censo em 2008, tinha menos de 4 mil habitantes), a 686 km da capital Paris, no norte da França. Henri Julien, um ex-piloto apaixonado por mecânica, concebe naquele pequenino vilarejo os primeiros carros da sua equipe, construídos praticamente de forma artesanal.
Após construir bólidos para categorias menores, a AGS se arrisca a disputar a concorrida Fórmula 2 europeia. Em 1978, num ano onde a March reina absoluta com o motor BMW empurrando seus carros, Julien estreia o JH15, com Richard Dallest a bordo.
Dois anos depois, glória suprema: num ano dominado quase que inteiramente pelos Toleman-Hart, a AGS consegue uma façanha. Com Dallest novamente, o pequenino construtor francês ganha duas corridas: o Grande Prêmio de Pau, na região dos Pireneus e a corrida de Zandvoort, na Holanda. Dallest ainda faz um 4º lugar numa das etapas realizadas em Hockenheim e um quinto em Enna-Pergusa, fechando o ano com 23 pontos e em 6º lugar entre os pilotos. Nada mal.
A AGS se esmera na construção de seus carros e, mesmo sem muito dinheiro, faz os mais bonitos Fórmula 2 na época em que a categoria já agonizava. Em 1982, quem passa a guiar para Henri Julien é Philippe Streiff, que entra para a história como o vencedor da última corrida da história da categoria, em Brands Hatch, a bordo do AGS JH19C, no dia 23 de setembro de 1984.
No ano seguinte, Julien arrisca fazer um Fórmula 3000. Alinha um único carro, o JH20, para seu protegido Streiff. Os resultados não são tão bons quanto na época da F-2. A concorrência agora é grande: a Lola regressa às competições europeias de monoposto e a March, por sua vez, domina o campeonato com Christian Danner batendo o Ralt de Mike Thackwell. A categoria teve até carros antigos de Fórmula 1, como Williams, Tyrrell (uma delas guiada por Roberto Pupo Moreno) e Arrows compondo o grid.
Streiff fez 12 pontos no campeonato, terminou em oitavo e só fez um pódio em Zandvoort, na preliminar do GP da Holanda de Fórmula 1. Mesmo assim, o piloto francês foi recrutado pela Ligier para o lugar do desastrado Andrea De Cesaris e ainda fez uma aparição-relâmpago pela Tyrrell na África do Sul, haja visto que, atendendo a um pedido de François Mitterrand, a Ligier não viajou para Kyalami: era a triste época do apartheid.
Aí deu o estalo no guerreiro construtor de Gonfaron. A diferença de custo entre fazer um Fórmula 3000 e um Fórmula 1 não era, aparentemente, tão grande. E enquanto um JH20B ainda corria na categoria de acesso, Henri Julien já estava pondo a mão na massa para lançar sua equipe na categoria máxima ainda no ano de 1986.
A estrutura da AGS, todavia, era minúscula. Contando com Henri Julien, eram nove pessoas. E só. O jeito foi tentar arregimentar pessoal onde dava. A equipe Jolly Club, que fazia o running de um time semi-oficial da Lancia no Mundial de Rali, cedeu pessoal e estrutura para Julien e a francesada trabalhar com mais conforto. Mas foi o exército de Brancaleone quem fez o primeiro carro de F-1 do time.
O modelo JH21C foi concebido pelos engenheiros Christian Vanderpleyn e Michel Costa. E era um verdadeiro Frankenstein sobre rodas: a suspensão traseira e a caixa de câmbio eram herança do Renault RE60 de 1985; o motor, alugado, era um velho Motori Moderni V6 turbo e havia, ainda, peças do último Fórmula 3000 da própria AGS. Não tinha mesmo como dar certo.
Pelo menos a trapizonga andou. Ivan Capelli, que seria campeão da Fórmula 3000 em 1986, “se virou nos 30” com o AGS JH21C. Na estreia, conseguiu qualificar o carro para o GP da Itália à frente das lentíssimas e pesadas Osella. Abandonou na 31ª volta com um pneu furado. Em Portugal, outro 25º lugar no grid, deixando para trás a Zakspeed de Huub Rothengatter e o Osella de Allen Berg. Foi o câmbio que pediu arrego na sexta volta e deixou Capelli a pé.
A equipe decidiu não correr as provas finais de 1986 e, entrementes, chamou Didier Pironi, que estava havia quatro anos fora dos cockpits, para fazer uns testes com o JH21C em Paul Ricard e dar seu veredito sobre o carro – do qual, educadamente, escusou-se a fazer grandes críticas. Incentivou Julien a seguir com sua empreitada e se certificou, após o teste, que automobilismo não era mais a dele. Pironi migrou para as provas de offshore com velozes lanchas andando a 200 km/h em mar aberto e morreu disputando o título mundial de 1987, na Ilha de Wight, na Inglaterra.
Amanhã, no próximo post, as incríveis peripécias da AGS nas suas primeiras temporadas completas de Fórmula 1. Não percam!