A Mil por Hora
30 anos do bi

30 anos do bi, parte I – GP do Brasil de 1983

RIO DE JANEIRO – No próximo dia 15 de outubro, daqui a pouco mais de um mês, portanto, completam-se 30 anos exatos do bicampeonato mundial de Nelson Piquet –  a maior conquista do piloto brasileiro na Fórmula 1. Naquele ano de 1983, ele derrotou com argúcia tática, sorte, competência e uma pilotagem impecável no fim […]

Nelson Piquet - Boxes - 3-  Jacarepaguá - março de 1983

RIO DE JANEIRO – No próximo dia 15 de outubro, daqui a pouco mais de um mês, portanto, completam-se 30 anos exatos do bicampeonato mundial de Nelson Piquet –  a maior conquista do piloto brasileiro na Fórmula 1.

Naquele ano de 1983, ele derrotou com argúcia tática, sorte, competência e uma pilotagem impecável no fim do campeonato, o esquadrão francês formado pela Renault, por Alain Prost e os pilotos da Ferrari, Patrick Tambay e René Arnoux. E tornou-se o primeiro campeão mundial num carro de motor turbo.

A partir de hoje, o blog A Mil Por Hora homenageia a histórica conquista, apresentando um resumo de cada uma das 15 etapas que compuseram aquele campeonato de 1983.

O começo, claro, é com o Grande Prêmio do Brasil.

Na entressafra entre o Mundial de 1982 e o seguinte, a FISA mexeu nas regras do jogo e fez uma alteração radical nos carros: o perfil “asa” foi mudado para modelos de fundo plano, com peso mínimo de 540 kg e aerofólios dianteiros e traseiros reposicionados. Isto fez com que os projetistas tivessem que jogar fora muitos projetos já concebidos para 1983 e partir para outros conceitos, revivendo velhas fórmulas havia muito tempo abandonadas no automobilismo.

A lista de inscritos da temporada era encabeçada pela Williams, trazendo uma evolução do modelo FW08C com motor Ford Cosworth V-8 e o campeão mundial de 1982, Keke Rosberg, envergando o número #1 em seu carro. Jacques Laffite regressava à escuderia onde estreara na F-1 em 1974, num GP da Áustria, em Zeltweg.

A Tyrrell, com patrocínio da griffe Benetton, também modificou o 011 do ano anterior, competindo mais uma vez com o motor Ford Cosworth V-8. Revelação de 1982, Michele Alboreto foi mantido por Ken Tyrrell, recebendo como novo companheiro de equipe o estreante estadunidense Danny Sullivan, de 34 anos.

Na Brabham, o destaque absoluto era o novo carro: o lindo BT52 com motor BMW Turbo, projetado e desenvolvido em tempo recorde por Gordon Murray. Visto por todos os ângulos, parecia uma flecha em posição de ataque. Disposto a recuperar o cetro de campeão mundial, Nelson Piquet era o primeiro piloto, tendo como escudeiro o competente Riccardo Patrese.

A McLaren começou o ano com a evolução C do modelo MP4-1 concebido por John Barnard e que tornou-se o primeiro carro com estrutura de fibra de carbono a vencer uma corrida da categoria, e a mesma e experiente dupla de pilotos do ano anterior: o irlandês John Watson e o austríaco Niki Lauda, bicampeão mundial em 1975 e 1977.

Gustav Brunner desenhou e construiu o carro mais criativo do ano: o ATS D6, dotado de motor BMW Turbo, formava uma só estrutura de chassi e monocoque. Sem dúvida, uma solução inteligente que funcionaria com dinheiro – o que a pequena equipe alemã não tinha, a despeito do bom piloto: Manfred Winkelhock, de 31 anos.

A Lotus, ainda com Colin Chapman vivo, fechou um contrato de fornecimento de motores com a Renault. Mas deu um tiro no pé assinando com a Pirelli para ser a principal equipe da marca italiana de pneus. Depois disso, em dezembro de 1982, Colin morreu em circunstâncias até hoje estranhas, aos 54 anos.

Como o modelo 93T ainda não era competitivo, Peter Warr empacotou para o Brasil um chassi 91 de 1982 para Nigel Mansell e outro 92, para Elio de Angelis, ambos com motores Ford Cosworth V-8, se fosse necessário utilizá-los.

Na Renault, enquanto o carro construído totalmente dentro do novo regulamento não ficava pronto, a solução foi modificar o RE30, transformando-o no RE30C, usado no Brasil pela dupla formada por Alain Prost e o estadunidense Eddie Cheever, o novo contratado.

Em fim de linha, a March foi para Jacarepaguá com um solitário carro, o RAM March 01 guiado pelo chileno Eliseo Salazar, com motor Ford Cosworth V-8 e pneus Pirelli. Candidatíssimos ao posto de pior conjunto do ano.

A Alfa Romeo, que se apresentava com o suporte técnico da Euroracing, de Gianpaolo Pavanello, também investia num projeto turbo, pela primeira vez: construiu o 183T, desenhado por Gérard Ducarouge e Mario Tolentino, e entregue aos italianos Andrea de Cesaris e Mauro Baldi.

Na Ligier, a expectativa era que o novo modelo – o JS21, dotado do mesmo sistema de suspensão do Citröen DS19, motor Ford Cosworth V-8 montado em posição semi-central e radiadores traseiros, fosse eficaz. Tudo dependeria da performance do veterano Jean-Pierre Jarier e do brasileiro Raul Boesel, em seu segundo ano de Fórmula 1.

A Ferrari apostava suas fichas numa evolução do modelo 126C2, mexido enquanto o novo carro não saía do papel. Patrick Tambay seguiu na escuderia enquanto René Arnoux se juntava a ele, vindo da Renault.

Marc Surer, suíço de 31 anos, era o único piloto confirmado pela Arrows na temporada de 1983. O time britânico não tinha patrocínio fixo, chegou a assinar com Alan Jones, mas o australiano se encontrava em péssima forma física – e isto possibilitou a Chico Serra, com seus fiéis apoiadores, assinar um contrato-relâmpago para disputar a corrida inaugural pela equipe dirigida por Jackie Oliver. O carro era o A6, com motor Ford Cosworth V-8 e pneus Goodyear.

A pequena Osella apostava em dois pilotos – Corrrado Fabi e Pier Carlo Ghinzani, ambos italianos – para fazer evoluir o modelo FA1D com motor Ford Cosworth V-8 e pneus Michelin.

Já a Theodore unia-se à Ensign para formar uma única escuderia, reunindo Roberto Guerrero e o estreante venezuelano Johnny Cecotto, antigo campeão mundial de Motociclismo.

Por fim, a Toleman aparecia com o TG183B, ressuscitando a proposta do radiador dianteiro introduzida cinco anos antes por Gordon Murray, no Brabham Alfa BT46. O inventivo Rory Byrne concebia, sem dúvida, um dos carros mais interessantes do ano, com motor Hart turbo de 4 cilindros, entregue ao britânico Derek Warwick e ao italiano Bruno Giacomelli.

Treinos oficiais

Nos treinos, verificou-se que a mudança de regulamento fora altamente positiva: a pole de Alain Prost em 1982 esteve na casa de 1’28″ e Keke Rosberg, campeão mundial, fez o melhor tempo nos dois treinos oficiais, virando a pole position com 1’34″526, contra 1’34″672 de Alain Prost. Patrick Tambay fez o terceiro tempo e Nelson Piquet foi o quarto mais rápido. A surpresa foi o 5º tempo de Derek Warwick, com a Toleman Hart Turbo, deixando para trás René Arnoux, Riccardo Patrese e Eddie Cheever. Niki Lauda e Mauro Baldi fecharam os dez mais rápidos.

Raul Boesel conseguiu classificar o Ligier em 17º, enquanto Chico Serra classificava-se em 23º com a Arrows. Pier Carlo Ghinzani e Andrea de Cesaris, este eliminado por desrespeitar a vistoria técnica, foram os dois desclassificados no treino oficial que confirmou 26 pilotos para o primeiro grid do ano de 1983.

Corrida

Sob o fortíssimo calor do fim do verão carioca e com as arquibancadas tomadas por quase 50 mil torcedores, os 26 carros partiram em direção à curva 1 do antigo e saudoso traçado de Jacarepaguá. Rosberg largou bem e assumiu a ponta, fechando a primeira volta com Prost em segundo, Piquet já em terceiro e Patrese em quarto. Tambay e Arnoux completavam os seis primeiros, com Warwick caindo para oitavo. Boesel era o 18º e Serra o vigésimo.

Ainda na segunda volta, Piquet não teve trabalho com Prost e superou a Renault do francês, indo à caça de Keke Rosberg. Patrese também despachou Prost e subiu para terceiro. E na sétima volta, com a Brabham rendendo muito no início da corrida, Piquet fez a galera urrar nas arquibancadas, com uma categórica ultrapassagem sobre Keke no fim da reta oposta.

Com 10 voltas completadas, Piquet liderava, com Rosberg em segundo, Patrese em terceiro, Prost em quarto e Tambay em quinto. John Watson, saído de 16º, já era um impressionante sexto colocado. Boesel era o 17º e Serra, décimo-nono.

Na 16ª volta, o motor BMW do carro de Patrese quebrou. Nesta altura, Watson já se preparava para despachar Prost e assumir a terceira colocação, em corrida monumental. A Ferrari de Arnoux, com queda de rendimento, perdeu posições e Mauro Baldi – pasmem – aparecia entre os seis primeiros, até a 23ª passagem, quando foi superado por Niki Lauda. Chico Serra, melhor adaptado ao carro, ultrapassou Raul Boesel: os dois vinham em 12º e 13º, até que o brasileiro da Ligier saiu da prova em razão de uma falha mecânica.

A corrida seguia sem grandes incidentes até a 29ª volta, quando Keke Rosberg parou para reabastecer sua Williams. Seria a primeira experiência da equipe inglesa num pit stop do gênero, mas um incêndio tomou conta da parte traseira do carro. Assustado com as chamas, Rosberg abandonou o FW08C – mas como os prejuízos não foram grandes, ele voltou ao cockpit e à corrida, regressando em nono, atrás da Arrows de Marc Surer.

Na 35ª volta, John Watson, que já era um impressionante 2º colocado, sofreu uma quebra e teve que desistir. Prost herdou de novo a segunda posição, enquanto Lauda ascendia a terceiro, depois de ultrapassar Patrick Tambay. Rosberg, em feroz recuperação, já era o quinto, com Surer ameaçando o sexto lugar de Derek Warwick. Chico Serra era o décimo, brigando renhidamente com René Arnoux desde a 26ª volta.

A grande vantagem que construiu ao longo da prova possibilitou a Nelson Piquet efetuar o reabastecimento na 41ª volta, com tranqüilidade. O brasileiro seguiu em primeiro e Rosberg, sempre rápido, conseguiu passar Tambay, Prost e por fim Lauda, para regressar ao segundo lugar.

O fim da corrida reservava mais alterações: com queda de rendimento, Prost saiu da zona de pontos, superado por Tambay, Marc Surer e Jacques Laffite, que depois de uma corrida discreta, ainda atacou o suíço da Arrows e o compatriota da Ferrari, para chegar ao quarto lugar. Chico Serra, depois de 30 voltas de muita luta, passou René Arnoux e assumiu a 9ª posição.

Nas arquibancadas (eu estava lá naquele 13 de março), a torcida já festejava, ao mais puro estilo carioca, a vitória de Nelson Piquet Souto Maior, que enfim aconteceu após 1h48min27s731, com quase 21 segundos de vantagem para Keke Rosberg, que chegou em segundo – mas não levou os pontos, pois foi desclassificado por receber ajuda externa.

Curiosamente, os seis pontos não foram dados a Niki Lauda, que deveria ter ascendido à posição. O austríaco da McLaren ficou mesmo com o 3º lugar, com Laffite, Tambay e Surer fechando a zona de pontos. Neste GP do Brasil, executou-se pela primeira vez a música que ficou conhecida como o “Tema da Vitória”, ou por muitos, como o “Tema do Senna”.

Mas isto não importa. Piquet começava o ano de 1983 com o pé direito, em sua 8ª conquista na Fórmula 1. E outras emoções viriam nos 14 GPs seguintes.

O resultado final do GP do Brasil de 1983:

1. Nelson Piquet (Brabham BT52 BMW Turbo) – 63 voltas em 1h48min27s731, média de 175,335 km/h
2. Keke Rosberg (Williams FW08C Cosworth) – a 20s901 (*)
3. Niki Lauda (McLaren MP4/1C Cosworth) – a 51s883
4. Jacques Laffite (Williams FW08C Cosworth) – a 1min13s951
5. Patrick Tambay (Ferrari 126C2B Turbo) – a 1min18s117
6. Marc Surer (Arrows A6 Cosworth) – a 1min18s201
7. Alain Prost (Renault RE30C Turbo) – a 1 volta
8. Derek Warwick (Toleman TG183B Hart Turbo) – a 1 volta
9. Chico Serra (Arrows A6 Cosworth) – a 1 volta
10. René Arnoux (Ferrari 126C2B Turbo) – a 1 volta
11. Danny Sullivan (Tyrrell 011 Cosworth) – a 1 volta
12. Nigel Mansell (Lotus 91 Cosworth) – a 2 voltas
13. Elio de Angelis (Lotus 92 Cosworth) – a 3 voltas (**)
14. Johnny Cecotto (Theodore N183 Cosworth) – a 3 voltas
15. Eliseo Salazar (RAM March 01 Cosworth) – a 4 voltas
16. Manfred Winkelhock (ATS D6 BMW Turbo) – a 4 voltas
17. Roberto Guerrero (Theodore N183 Cosworth) – a 10 voltas (NC)
18. Eddie Cheever (Renault RE30C Turbo) – AB/41 voltas/quebra do turbo
19. John Watson (McLaren MP4/1C Cosworth) – AB/34 voltas/motor
20. Raul Boesel (Ligier JS21 Cosworth) – AB/25 voltas/pane elétrica
21. Mauro Baldi (Alfa Romeo 183T Turbo) – AB/23 voltas/suspensão
22. Jean-Pierre Jarier (Ligier JS21 Cosworth) – AB/22 voltas/suspensão
23. Riccardo Patrese (Brabham BT52 BMW Turbo) – AB/19 voltas/motor
24. Corrado Fabi (Osella FA1D Cosworth) – AB/17 voltas/motor
25. Bruno Giacomelli (Toleman TG183B Hart Turbo) – AB/16 voltas/rodada
26. Michele Alboreto (Tyrrell 011 Cosworth) – AB/7 voltas/queda de pressão de óleo

(*) desclassificado por receber ajuda externa
(**) desclassificado por trocar de carro: classificou-se com o Lotus 93T e correu com o 92
(NC) corria ao final, mas não foi classificado