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Fórmula 1

GP do Brasil: histórias que vivi

RIO DE JANEIRO – Fim de semana de Grande Prêmio do Brasil de F1 e, por menos emocionante que esteja a categoria máxima do automobilismo, afloram as lembranças de corridas passadas, acontecidas em Jacarepaguá e Interlagos. São 43 anos de história e esse é o 44º evento realizado aqui, incluindo a prova extracampeonato de 1972 […]

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O templo: Interlagos recebe neste fim de semana a 44ª edição do GP do Brasil de Fórmula 1

RIO DE JANEIRO – Fim de semana de Grande Prêmio do Brasil de F1 e, por menos emocionante que esteja a categoria máxima do automobilismo, afloram as lembranças de corridas passadas, acontecidas em Jacarepaguá e Interlagos. São 43 anos de história e esse é o 44º evento realizado aqui, incluindo a prova extracampeonato de 1972 – e se não fosse por ela e pelo título de Emerson Fittipaldi naquele mesmo ano, talvez eu não estivesse aqui falando de GP do Brasil. Rendo também minhas homenagens a Antônio Carlos Scavone, personagem importante em todo esse processo.

Minha primeira memória de GP do Brasil é ainda criança. 1978, calor infernal no Rio de Janeiro e em Jacarepaguá. Eu não estava lá in loco, mas assisti à corrida ao vivo pela TV, ainda sem entender direito o que era aquilo tudo. Também pudera: eu era um guri que ia fazer sete anos, apenas. Só soube que uma multidão comemorou o histórico 2º lugar do Copersucar, o único F1 sul-americano e brasileiro da história, com o bicampeão mundial Emerson Fittipaldi a bordo. Momento inesquecível.

Tão inesquecível quanto a primeira vez que se assiste uma corrida ao vivo. E logo a primeira foi o GP do Brasil de 1981, marcado para 29 de março no Autódromo de Jacarepaguá. Desde as primeiras horas da manhã daquele domingo, chuva. Muita chuva. Ainda eram tempos em que se podia ir de carro – fui com meu pai, mais uns amigos vizinhos da gente em Ramos, subúrbio do Rio, de Chevette – e o que não faltava perto do autódromo era terreno baldio. Bem diferente do que se vê hoje e do que não se vê. A pista sucumbiu à sanha da especulação imobiliária, como todo mundo sabe, tendo os Jogos Olímpicos de 2016 como desculpa.

“Arrentina! Arrentina!” Carlos “Lole” Reutemann levou os hermanos da arquibancada “F” ao delírio, enquanto o escriba, então com 9 para 10 anos, ficava triste com o fiasco de Nelson Piquet

Nossa arquibancada era a “F”, descoberta, no meio do retão, com boa visibilidade do miolo norte e do ponto de frenagem para a curva 1. Assistimos à emocionada despedida de Emerson Fittipaldi, que se empolgou tanto na volta a bordo do F8 que quebrou o câmbio do carro. O bicampeão acabou acenando ao público a bordo de um prosaico bugre. E na corrida, tristeza: Nelson Piquet, pole position, largou com pneus slicks, numa sugestão tola do chefe de mecânicos Alastair Caldwell – que por conta do episódio acabou demitido da Brabham por Bernie Ecclestone. Carlos Reutemann venceu com sobras e, para piorar, havia centenas de argentinos assistindo à corrida e não foram poucos os que, empunhando bandeiras, gritavam “Arrentina! Arrentina!” a plenos pulmões.

Menos mal que o resto do campeonato redimiu Piquet e o pequeno torcedor (eu, no caso), que tinha 9 para 10 anos na época do GP do Brasil. O brasileiro acabou com o título, um ponto à frente de Reutemann. E foi por conta dessa empolgação toda que voltamos para assistir à corrida de 1982, desta vez no fim do retão, arquibancada “A”, uma das mais caras. Eu, meu pai, um primo e um amigo de trabalho do meu pai. Novamente de carro. Novamente de Chevette, coincidentemente.

Aquela corrida foi sensacional. As primeiras 30 voltas são inesquecíveis pelo início fulminante de Piquet, vindo de 7º no grid com o velho Brabham Cosworth BT49C e pela performance de Gilles Villeneuve e Keke Rosberg. Dois alucinados que deram show naquele domingo, 21 de março, com Piquet no meio deles todos e lutando de igual para igual. Quando Gilles foi mais Gilles do que nunca e rodou na entrada da Norte, aí Piquet pôs Keke no bolso e venceu. Delírio em Jacarepaguá.

Ganhar e não levar: Piquet fez grande corrida em 1982, venceu e foi desclassificado. Uma polêmica que maculou aquela temporada, marcada por duas mortes, acidentes graves e onze vencedores diferentes

Venceu, mas não levou: tanto a Brabham do brasileiro quanto a Williams do finlandês estavam fora do peso. Uma bulha que prejudicou o resto do campeonato, marcado pelas mortes de Villeneuve e do italiano Riccardo Paletti, pelo grave acidente de Didier Pironi e por ter 11 vencedores diferentes em 16 provas. Rosberg, bafejado pela sorte, foi campeão com um triunfo apenas, em Dijon-Prenois.

Em 1983, Piquet lavou a alma e dessa vez não só ganhou de fato como também de direito. O brasileiro seria bicampeão mundial numa luta heroica contra três pilotos franceses

Mesmo assim, voltamos em 1983 – desta vez de busão – para acompanhar o GP do Brasil de novo como “arquibaldos”. Dessa vez, compramos ingressos no setor “D”. Só fomos eu, meu pai e meu primo. E naquele dia 13 de março, lavamos a alma. Piquet fez uma corrida de campeão com a maravilhosa Brabham BMW BT52, obra prima do designer Gordon Murray, talvez o mais belo carro de corrida que vi em ação. Largou em quarto, logo passou à ponta, abriu, sumiu e venceu com autoridade. Se em 1982 o esforço de nada valeu, em 1983 valeu e muito a pena: Piquet não poderia prever, mas aquele triunfo foi fundamental na guerra que empreendeu contra os franceses Alain Prost, René Arnoux e Patrick Tambay para ser bicampeão com um carro inferior às Renault e Ferrari.

Mas aqueles tempos felizes de vitórias do Piquet eram tempos de economia instável, maxidesvalorização do cruzeiro (a moeda da época) e hiperinflação. O preço do ingresso ficou proibitivo para 1984 – e para todos os anos seguintes. Meus pais também se separaram e como fiquei morando com minha mãe, adeus GP do Brasil em Jacarepaguá. O jeito era assistir pela televisão.

E foi pela telinha que vi Prost ganhar de novo, de novo… e de novo. Seis vezes. O anão é o recordista de vitórias aqui, sendo cinco triunfos em Jacarepaguá – ou melhor, quatro, porque o de 1982 veio no tapetão. Nesse meio tempo, Piquet venceu brilhantemente em dobradinha com Ayrton Senna em 1986 e Nigel Mansell, estreando pela Ferrari, venceu a última corrida no Rio em 1989.

Jacarepaguá perdeu a F1 de vez para Interlagos. E aí minhas poucas esperanças foram de vez para o espaço.

Imaginei que só veria uma corrida no Brasil se fosse trabalhando ou já na condição de jornalista. Comecei a faculdade em 1992 e até o início dos anos 2000, GP do Brasil só pela televisão. Já em outubro de 1999, fui efetivado na Globo, onde trabalhei por 13 anos, sendo nove no SporTV. E foi através dela que estive acompanhando de perto duas corridas memoráveis.

Era para eu ter ido em 2002, mas eu tive dengue, caí de cama a dias da viagem para São Paulo e, constrangido, tive que telefonar deitado no meu quarto para meu chefe na época, Emanuel Castro (saudades, maluco!), avisando que não poderia ir por conta de um Aedes Aegypti filho da puta. Só voltei a trabalhar em abril com a certeza de que tinha tido uma dengue hemorrágica e que não fui desta para a melhor por intervenção de alguém que pegou minha ficha e decretou: “Deixa esse aí mais tempo.”

O insano GP do Brasil de 2003 acabou assim, com destroços espalhados pela pista e a surpreendente vitória de Giancarlo Fisichella, então na Jordan

Foi melhor assim, porque no ano seguinte, recuperado daquilo tudo, estava lá naquele temporal que se abateu sobre Interlagos para acompanhar uma das mais loucas edições do GP do Brasil – aquela que não terminou, porque Mark Webber e Fernando Alonso bateram na curva do Café – em que muita gente bateu na curva do Sol, Schumacher inclusive, e em que Rubens Barrichello, liderando de forma brilhante, ficou pelo caminho… sem combustível.

Essa é a mesma corrida que Kimi Räikkönen foi declarado vencedor e muitos de nós sabíamos (inclusive eu e o locutor Cleber Machado) que o verdadeiro primeiro colocado era Giancarlo Fisichella, então na Jordan. O pódio teve os dois primeiros (em ordem invertida), sem Alonso, que não tinha condições físicas e depois Fisico recebeu de Kimi, em Imola, o troféu da vitória no Brasil. A FIA refez as contas, reconheceu a cagada e viu que de fato o italiano estava na ponta de acordo com o regulamento – que prevê a última classificação válida duas voltas antes da interrupção em bandeira vermelha.

Os anos passaram e o GP do Brasil foi transferido do primeiro para o segundo semestre. Virou fechamento, decisão de campeonato. Em vários deles, não pude ir. A maior parte das corridas em Interlagos ficou para outubro, mês de aniversário do meu filho. Entre uma e outra paixão, escolhia ficar com meu filho. Mas em 2008, foi diferente. Meu último – até agora – GP do Brasil ao vivo, igualmente inesquecível como todos os outros.

Era uma época em que o SporTV não transmitia todos os treinos livres – o de sábado, principalmente – então participei com entradas ao vivo por telefone. Inclusive, dei a notícia da renovação de Nelsinho Piquet com a Renault, comentando no ar que o ambiente era “meio pesado”. Os semblantes na equipe eram os piores possíveis e poucos podiam imaginar que era por conta do episódio de Cingapura, naquele mesmo ano. Flavio Briatore não queria renovar com o filho de Nelson Piquet que, na época, já ameaçava contar a Charlie Whiting, da FIA, tudo o que sabia do episódio que manchou a carreira do brasileiro e acabou com a reputação do mafioso italiano e do britânico Pat Symmonds, seu cúmplice naquela história toda.

Enquanto Massa vencia e achava que era campeão, acontecia isso aí acima na Junção. A ultrapassagem de Lewis Hamilton sobre Timo Glock rendeu muita discussão – e ainda rende. Até hoje

O desfecho daquela corrida todo mundo sabe. Felipe Massa venceu – foi a última vitória de um brasileiro em casa – e Lewis Hamilton conquistou o título superando a Toyota de Timo Glock na última curva da última volta. Felipe foi campeão por 30 segundos ou menos. Acabou vice. E, por muito tempo, não perdoou Nelsinho pelo episódio de Cingapura. Esqueceu-se, contudo, da rodada na Malásia, da desastrosa atuação em Silverstone, do motor estourado em Budapeste e da mangueira de combustível na própria Cingapura. Se Massa não foi campeão, a culpa é repartida entre os erros do piloto e as falhas da Ferrari – que não foram poucas.

Interlagos viveu um clima tão antagônico que, depois da explosão das arquibancadas pelo título que não veio, veio a incredulidade e um silêncio ensurdecedor, sepulcral. Comentei isso no programa “Tá na Área”, do qual participei ao vivo após a corrida. Também foi um domingo de muita água, mas não tanta quanto em 2003.

Essas são minhas memórias de GP do Brasil. E as suas, caros leitores, quais são?