A Mil por Hora
Automobilismo Nacional

Acabou-se o que era doce… e agora, José?

RIO DE JANEIRO – Eu tinha prometido o famoso “textão” pós-Olimpíada para falar de um assunto que incomoda. Ao menos a mim. Mas acho que a muitos outros, também. Fui ao Parque Olímpico no que houve um dia, entre 1977 e 2012, o Autódromo de Jacarepaguá. Tinha prometido a mim mesmo que não poria os […]

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Aqui, até 2012, existiu um Autódromo. Para mim, pisar no Parque Olímpico, estar no mesmo terreno que me marcou a vida como fã de automobilismo e jornalista foi muito doído…

RIO DE JANEIRO – Eu tinha prometido o famoso “textão” pós-Olimpíada para falar de um assunto que incomoda.

Ao menos a mim. Mas acho que a muitos outros, também.

Fui ao Parque Olímpico no que houve um dia, entre 1977 e 2012, o Autódromo de Jacarepaguá. Tinha prometido a mim mesmo que não poria os pés lá, mas acho que os atletas não têm nada a ver com isso. Olimpíadas no Brasil foram um negócio inédito e continuarão sendo. Duvido que o país volte a sediar um evento de tamanho porte. Aproveitei o ensejo e fui. Duas vezes, até. Primeira com meu filho e minha mãe de 78 anos, pra ver o Handebol Feminino. Na segunda, com minha mulher, pra ver Handebol de novo – só que masculino.

Bateu uma nostalgia. Uma deprê.

Sentir aquele vento soprando forte na manhã da sexta-feira quando fui ao Parque Olímpico pela primeira vez foi um dèja vu de todas as emoções que senti desde quando pisei no Autódromo pela primeira vez, menino ainda, para ver o GP do Brasil de Fórmula 1 em 1981. O sol na cara e na cabeça na saída, o calor… tudo aquilo que a gente passava quando ia para Jacarepaguá. Olha… foi doído. Doeu menos do que eu imaginava, mas doeu. Passou quase que como o filme de toda a minha vida como apaixonado por automobilismo na cabeça.

E dói também imaginar que após as Olimpíadas e Paralimpíadas, qual será a verdadeira função daqueles aparelhos esportivos? O que será do terreno?

Quem acompanhou todo o processo, toda a luta para manter o Autódromo vivo, sabe qual é o verdadeiro interesse por aquele terreno. Sabemos que o ex-prefeito Cesar Maia, o mesmo que investiu milhões de reais para fazer reformas no circuito carioca, trazer o Mundial de Motovelocidade e a Fórmula Indy – e depois, numa canetada, cancelou tudo – mudou o zoneamento daquela região no IPTU, à guisa de valorização para futura especulação imobiliária. O que era Camorim (acho eu que era) virou Barra da Tijuca. O matagal deu lugar a grandes condomínios. O barulho dos carros passou a ser inimigo. O autódromo, de inesquecíveis vitórias de Nelson Piquet, de títulos de Valentino Rossi, de exibições monumentais de Ayrton Senna e outros ícones do esporte a motor, virou vilão.

E com uma forcinha de Carlos Arthur Nuzman, o “democrata” presidente do COB (que, mesmo doente, quer continuar para um sexto (!) mandato, somando mais de 25 anos no poder…) e do sucessor de Cesar Maia, o fanfarrão e detestável Eduardo Paes, com a leniência, a passividade e a omissão da egrégia Confederação Brasileira de Automobilismo, afora as empreiteiras que financiaram a campanha do prefeito nas duas eleições que ele infelizmente ganhou, Jacarepaguá viu o seu fim.

Discordo do Flavio Gomes, que escreveu no blog dele a respeito do Autódromo e do Parque Olímpico para falar de uma reportagem do Grande Prêmio com o arquiteto que projetou a antiga pista, Ayrton “Lolô” Cornelsen, em alguns pontos. A pista de Jacarepaguá não tinha utilidade nenhuma para a prefeitura enquanto aparelho esportivo porque não se investia nela. Sabem quanto de orçamento era destinado para sua manutenção?

ZERO.

Isso mesmo, nada. Para os “jênios” do município, o circuito era um estorvo.

Mas perguntem se Jacarepaguá ficou vazio nas últimas provas da Stock Car… da Fórmula Truck… do extinto Brasileiro de Grã-Turismo… só nas duas provas de Truck que eu fui (não compareci à primeira), o público era disparado superior a 40 mil espectadores. Com muito boa vontade, o Autódromo poderia ter ficado de pé, porque ainda havia público e interesse. Um projeto semelhante ao que se fez em Sochi, na Rússia, poderia misturar o automobilismo com o olimpismo. Aliás, a respeito, num workshop do Fox Sports pré-Olimpíada, o diretor de comunicação da Rio 2016, o também jornalista Mario Andrada e Silva, que foi correspondente de automobilismo do finado JB, se me recordo, veio com a resposta prontinha de casa para justificar o fim do circuito. Aquela historinha de que a Fórmula 1 tinha ido embora do Rio, et cetera e tal…

Pouco convincente. Assim como discordo do Flavio quando ele disse que o carioca não tem um interesse especial por corridas. Só porque temos a praia? Não podemos gostar de esporte a motor?

Sim, numa coisa subscrevo o FG: o automobilismo brasileiro é frágil. Vive um péssimo momento, que reflete lá fora – quem temos visto como potenciais promessas para a F1, sincera e honestamente? Não temos ídolos, não temos uma base e a CBA segue o mesmo modelo arcaico de comando de qualquer confederação deste país, vide o exemplo do Nuzman – para não falar da CBF e aí ficaríamos horas nisso. Dirigentes se entronizam, se locupletam, viajam às custas de não sei bem o quê e nada fazem para evoluir o esporte. Entregam as principais categorias do nosso esporte na mão de promotores que privilegiam uma turminha em detrimento de quem bota a mão na massa e deveria fazer parte da festa.

Cresci sabendo que o automobilismo também exige mão de obra e criatividade. Afinal de contas, a evolução e a busca por novas tecnologias fazem e sempre fizeram parte dos preceitos dos desportos motorizados. E matando os autódromos, acaba a criatividade, morre junto a mão de obra. Quantas famílias, quantos postos de trabalho foram perdidos com o fim de Jacarepaguá? Quantos sairiam prejudicados se Curitiba tivesse fechado como o prometido anteriormente? (Aliás, não vamos nos iludir: Curitiba não vai ter vida longa, é questão de tempo para ter o mesmo fim do circuito carioca)

O que eu queria dizer é o seguinte, depois de tudo isso que já foi falado aqui. Acabou-se o que era doce. O Brasil fez dois eventos enormes num espaço de dois anos e o povo é quem vai pagar a conta. Quem pôde ganhar dinheiro – e ganhou-se e roubou-se muito – ganhou. O povo mesmo, esse que paga impostos e rala feito um condenado no dia-a-dia, desculpem a expressão, se fodeu. Eu, você, nós que somos cidadãos honestos e corretos, estamos fodidos.

O Paes, o Nuzman e os seus apaniguados é que não estão. Nem alguns da CBA e até da FAERJ. Deve ter sobrado uma boa boquinha para eles no tal “acordo” costurado – dizem – pelo obscuro Peter Vader (lembram?), que se não me falhe a memória era um antigo executivo da Shell que chegou a apresentar um projeto de Parque Olímpico antes do Rio ganhar o direito de sediar o Pan de 2007 – era o tal do Rio Sports Plaza. Depois de um tempo, ele sumiu do mapa e consta que foi ele o responsável por sacramentar o tal acordo.

Vader não é o único personagem nocivo que não dá a cara na mídia. Tem um sujeito aí, ligado à Petrobras, que é outra asa negra do esporte a motor. Com o dinheiro que esse cidadão (não vou citar nomes) teve e ainda tem, dava pra montar várias equipes em categorias de base e financiar um bom programa de desenvolvimento de pilotos. Esse picareta controla TODOS os patrocínios da estatal ligados a automobilismo e, segundo eu soube, retém (ou reteve) US$ 1 milhão a cada US$ 10 milhões destinados à Williams no acordo entre a equipe de F1 e a Petrobras.

Incentivo fiscal? Ajuda ao esporte em sua base, no Brasil? Zero. Quer dizer… temos a Seletiva Petrobras de Kart, mas… quem dela saiu mesmo para uma carreira sólida internacionalmente?

Pois é… assim ao invés de evoluir, retrocedemos.

A Argentina, que vive na merda em matéria de economia e até de política, tem hoje um automobilismo melhor que o nosso. Eles não fazem um piloto bom pra andar de F1 desde o Reutemann! E quem diz que eles se incomodam? O Pechito López vai ser tricampeão mundial no WTCC. E o Brasil, quem tem mesmo para ser campeão do mundo no futuro?

Sei que o panorama não é o ideal. Talvez não seja a melhor hora para cobrar isso, mas aqui vai.

O momento pode não ser o ideal, mas o Rio TEM que ter um Autódromo de novo!

O Rio de Janeiro precisa, pode e deve voltar a ter o seu autódromo.

Sim, eu até sei qual é a resposta do fanfarrão do Paes: que a construção de Deodoro (melhor esperar sentado) é de responsabilidade do governo federal, ou que se faça uma pista de rua como paliativo e bla bla bla…

Só que não precisamos – e nem queremos – de paliativos.

O ministro do esporte, pertencente a uma nefasta e poderosa família do estado do RJ, deu entrevistas pouco antes das Olimpíadas dizendo “vamos fazer”. Onde? Quando?

O terreno realmente já foi descontaminado? Será que cabe ter um autódromo em Deodoro?

Eu nem mais me incomodo se uma nova pista sequer for construída na capital carioca. Mas gostaria de ver uma nova pista saindo do papel, como todo mundo que ama o esporte e é do RJ também deseja e sonha.

Temos montadoras (Peugeot e Volkswagen) com fábricas no interior do estado. Por que essas próprias montadoras não constroem autódromos à guisa de pista de testes, abrindo a possibilidade de voltarmos a ter corridas no Rio de Janeiro?

Por que abnegados, apaixonados, que viram Jacarepaguá sumir do mapa, não arregaçam as mangas? Por que não se costura acordos com prefeituras de outros municípios para a cessão de terrenos? Por que ninguém quer assumir a responsabilidade?

Esperar o governo federal fazer porque houve um “acordo”? A CBA não aproveitou o periodo olímpico com milhares de repórteres de fora e emissoras de TV do mundo inteiro para falar que ‘no Parque Olímpico havia um autódromo’ e denunciar o descalabro que foi feito com Jacarepaguá.

Se omitiu! Calou-se desavergonhadamente.

Nada surpreendente vindo da entidade presidida por um cidadão que fez drama e disse que ‘se acorrentaria’ aos portões do circuito e continua desfilando seu sorrisinho cínico e arrancando dinheiro de incautos com a emissão de carteiras de piloto, taxando Deus e o mundo e se esquecendo que há um esporte para ser cuidado.

Um automobilismo que pede socorro.

Pelo amor de Deus, façam um novo autódromo no Rio de Janeiro. O estado merece. Os cariocas e fluminenses merecem.

Vamos nos despir de vaidades. O momento não é de jogar contra. O momento é de união. Imprensa, pilotos, fãs e desportistas. Vamos fazer barulho. Vamos incomodar esses caras e mostrar que, sem Copa e sem Olimpíada, podemos ter de novo o que nos tiraram à força.

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?

Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,

a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?

Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, – e agora?

Com a chave na mão 
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais!
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

(Carlos Drummond de Andrade)