A Mil por Hora
Fórmula 1

Gilles e eu

RIO DE JANEIRO – Em 1982, eu era um guri que ainda ia fazer onze anos de idade – meu aniversário é dia 19 de maio. No dia 8 daquele mesmo mês, um sábado, eu descobri pela primeira vez na minha curta vida que Super-Heróis morriam. O meu herói da Fórmula 1, categoria pela qual […]

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RIO DE JANEIRO – Em 1982, eu era um guri que ainda ia fazer onze anos de idade – meu aniversário é dia 19 de maio.

No dia 8 daquele mesmo mês, um sábado, eu descobri pela primeira vez na minha curta vida que Super-Heróis morriam.

O meu herói da Fórmula 1, categoria pela qual me apaixonei perdidamente e me fez gostar do automobilismo pra sempre, perdeu a vida num acidente brutal em Zolder, na Bélgica. Aos 32 anos de idade, Gilles Villeneuve entrava para a história como o campeão do povo. O piloto da Ferrari mais amado por todos nós que gostamos – de verdade – do esporte.

Impossível era uma palavra inexistente no vocabulário daquele canadense atrevido que em 1977 fez uma estreia tão espantosa pela McLaren em Silverstone, que Chris Amon não teve dúvida em indicá-lo para Daniele Audetto e a Ferrari, num ato de coragem e loucura, trocou Niki Lauda por um semi-estreante que começou mal, provocando inclusive um acidente no GP do Japão que matou duas pessoas em Fuji.

Mas aquele camarada tinha algo especial. Não sei se era a loucura, a coragem, a valentia, ou tudo isso junto. Gilles Villeneuve tinha o dom. E se não conseguiu mais vitórias, foi porque o destino não quis.

A primeira foi logo em casa, no GP do Canadá em 1978, com uma boa dose de sorte. O líder era Jean-Pierre Jarier, a bordo da Lotus 79, o melhor carro da F-1 na época. E o “Jumper” quebrou. Gilles venceu e deu a volta da consagração com a bandeira quadriculada nas mãos.

Eu, com sete anos de idade, vi aquilo. Vibrei. Jamais esqueci da cena.

Como não é para esquecer 1º de julho de 1979. O que ele e René Arnoux fizeram naquele dia em Dijon-Prénois é algo indescritível. Coisa que as palavras não podem explicar. Só o relato de Arnoux traz um tom definitivo àquilo tudo.

“Somente duas pessoas poderiam ter feito aquilo – Villeneuve e eu. Para mim, aquilo é a melhor memória de Gilles. Ele era uma ótima pessoa tanto fora, quanto dentro da pista. Gostava dele porque era natural. Ele era muito popular porque dizia exatamente o que estava na sua cabeça. Aquilo era muito importante para mim”.

Gilles acabaria aquele ano como vice-campeão. Foi sua melhor temporada na categoria. E outro registro fantástico é a tentativa desesperada de voltar aos boxes em Zandvoort, em três rodas, com a suspensão traseira de sua Ferrari completamente aos cacos. Um espetáculo que os olhos e a memória guardaram.

Em 1980, a Ferrari era um lixo de carro e Villeneuve sempre fazia o impossível. “Chegar é uma coisa, passar é outra”, diz o filósofo contemporâneo. Mas com Gilles não havia tempo ruim. As ultrapassagens que ele cometeu em Mônaco, em plena St. Dèvote, com uma máquina pavorosa, foram coisa de quem sabia muito do riscado.

https://www.youtube.com/watch?v=IVDDiz7uSv0

E suas duas últimas vitórias, lá mesmo no Principado e em Jarama, ambas em 1981, foram saudadas como se fossem de um autêntico campeão do mundo.

Mas o canadense ainda não tinha feito tudo. O GP do Canadá, debaixo de um toró em Montreal, foi uma prova do quão aquele piloto era absurdo.

A minha idolatria pelo Villeneuve era tamanha que eu fiz meu pai, já em processo de divórcio da minha mãe, me levar à hoje extinta concessionária Autofácil, lá perto do cemitério do Caju, em plena Av. Brasil, para ver uma Ferrari de Fórmula 1 com pneus “rodinha de bicicleta”, aqueles de transporte.

Só porque era a do Villeneuve. Se fosse a do Didier Pironi, não seria igual. Não haveria o mesmo fascínio.

Vi Gilles liderar 29 voltas naquele GP do Brasil de 1982 até errar e sucumbir à pressão de Nelson Piquet e Keke Rosberg. Com ele era sempre assim, no limite, fio da navalha.

Como também vi sua última corrida, o último pódio, em que subiu por obrigação porque perdera o GP de San Marino justamente para Pironi.

Aquela fria e melancólica tarde de 8 de maio de 1982 foi uma das mais tristes da minha vida. Ao ouvir a notícia da morte do canadense na Rádio Jornal do Brasil, corri pro meu quarto. E chorei. Chorei muito. Como se fosse a perda de um ente querido.

Villeneuve fez parte da minha infância, da minha vida e foi ele um dos caras que me fez querer embrenhar pelo automobilismo, como jornalista.

Ele foi o meu herói.

35 anos depois, só me resta dizer…

Saudade, Gilles.

“O meu cheiro preferido é o da borracha queimada.”
(Gilles Villeneuve)

“Foi o piloto mais maluco que a Fórmula 1 já viu.”
(Niki Lauda)

“Saí da pista muitas vezes, mas me diverti muito.”
(Gilles Villeneuve)

“Ele era maluco, mas era um fenômeno. Conseguia fazer coisas que eram inalcançáveis para os demais.”
(Nelson Piquet)

“A minha estratégia? É andar o mais rápido possível o tempo todo.”
(Gilles Villeneuve)

“Penso que temos em Gilles um piloto maravilhoso.”
(Enzo Ferrari)

“Ele sempre arriscou mais do que qualquer outro piloto. Foi assim que construiu sua carreira.”
(Eddie Cheever Jr.)

“O homem é uma ameaça pública.”
(Ronnie Peterson)

“Enquanto eu queria me manter vivo, Gilles queria ser o mais rápido sempre – mesmo nos testes.”
(Jody Scheckter)

“O comendador, em pessoa, me telefonou e perguntou: ‘Você está pronto para guiar para nós?’ E eu respondi: ‘É claro que estou’”
(Gilles Villeneuve)

“Gilles foi o homem mais genuíno que conheci.”
(Jody Scheckter)

“Não se esqueçam que Nuvolari ganhou uma corrida só com três rodas.”
(Enzo Ferrari)

“Disse para mim mesmo: ‘Este é o Scheckter, este é o Andretti e eu consigo andar com eles.’ Fiquei muito satisfeito.”
(Gilles Villeneuve)

“Estava à espera de que uma Renault pudesse aparecer durante a largada, mas do nada veio uma Ferrari. Fui pego de surpresa e pensei: ‘De onde raios veio Villeneuve?’”
(Alan Jones)

“Ele é diferente de nós.”
(Jacques Laffite)

“Conheci apenas um piloto com a mesma capacidade que Villeneuve demonstrava ao controlar um carro: Jim Clark.”
(Chris Amon)

“Não penso em morrer. Mas aceito o fato de que a morte faz parte do jogo.”
(Gilles Villeneuve)

“Pensei que ele talvez fosse um pouco maluco.”
(Joanna Villeneuve)