A Mil por Hora
Opinião

Implosão? Não, reinvenção

RIO DE JANEIRO – Concordo que o automobilismo tal como nos acostumamos – pelo menos eu me acostumei com ele do jeito que o conheci – não vive dias dos mais fáceis. Audi, Mercedes, BMW e Porsche, nada menos que quatro marcas de peso, tradicionais – e todas alemãs – anunciaram mudanças radicais em seus […]

porsche-normal
Tchau, WEC. Oi, Fórmula E: a Porsche troca de categoria, coloca fim ao seu programa de Endurance e aponta – a princípio – que o futuro do esporte está nos carros elétricos. Será mesmo?

RIO DE JANEIRO – Concordo que o automobilismo tal como nos acostumamos – pelo menos eu me acostumei com ele do jeito que o conheci – não vive dias dos mais fáceis.

Audi, Mercedes, BMW e Porsche, nada menos que quatro marcas de peso, tradicionais – e todas alemãs – anunciaram mudanças radicais em seus esquemas de esporte a motor em curto espaço de tempo. A Audi foi a primeira a anunciar sua retirada do WEC, o Campeonato Mundial de Endurance. Depois, a BMW fincou pé com um programa de Fórmula E e os quatrargólicos seguiram a mesma toada, absorvendo oficialmente a responsabilidade pela equipe ABT.

Na última semana, a Mercedes jogou uma bomba de proporções atômicas no DTM e a Porsche outra, no WEC. Duas marcas do Volkswagen Auto Group (VAG) fora da principal competição de resistência do planeta em menos de um ano. Um duro golpe para o Automobile Club de l’Ouest e para a FIA.

O Flavio Gomes escreveu este artigo aqui, com o qual concordo em partes.

Mas não concordo com a visão apocalíptica e fatalista de que o WEC acabou. O DTM, este sim, pode morrer de inanição. O WEC, não.

O futuro pode estar na Fórmula E? Sim, pode. Acredito que categorias de carros elétricos serão uma realidade. Mas enquanto houver resistência, criatividade e especialmente reinvenção, o automobilismo na essência não vai perecer tão cedo.

Parto do princípio que, embora alguns países estejam bastante inclinados a banir carros com combustíveis fósseis de suas linhas de produção, outros mercados de alto potencial podem não seguir a mesma premissa e é por aí que o esporte a motor pode se manter vivo.

Tudo passa pela tal da reinvenção.

Até a Nascar, em crise e perdendo público nos autódromos e na TV, além de patrocinadores, buscou novos caminhos com a mudança das regras desportivas e a tentativa de fidelizar um público mais jovem, teoricamente desinteressado de carros e automobilismo

A Nascar, por exemplo, vive uma crise com relação à perda de público nos autódromos e na audiência televisiva – e alguns patrocinadores de muitos anos também têm batido em retirada, caso da Target, que por quase 30 anos ficou com a Chip Ganassi Racing. O que os ianques fizeram? Costuraram primeiro um acordo com uma marca de bebida energética para fidelizar um novo público – os jovens de hoje, infelizmente, não costumam ter a mesma relação afetiva que eu, quase um velho de meio século de vida, tive (e ainda tenho) com os carros.

Depois, mudaram o livro de regras desportivas da categoria, tornando as disputas mais atrativas para os fãs por conta da adoção dos segmentos a cada disputa. Pode parecer chato ter que fazer conta, porque era mais simples esperar uma prova de 300 voltas terminar pra saber a pontuação. Mas isso criou uma nova dinâmica para a divisão principal. Descontem a punição a Joey Logano em Richmond e tivemos 14 pilotos diferentes vencendo corridas antes de Watkins Glen. É o maior total desde a adoção do formato atual de playoffs. E se isso não significa alguma coisa, então não sei de mais nada.

O que aconteceu com o Mundial de Endurance foi o seguinte: descontando o escândalo do “Dieselgate” da Volkswagen, enquanto o regulamento foi bom primeiro para a Audi e depois para a Porsche, as duas se aguentaram no negócio. A Audi levou pau da coirmã ano passado e se decidiu por se retirar por cima. Venceu em sua – por enquanto – última aparição no WEC e deixou o caminho aberto para a casa de Weissach emplacar o tricampeonato em Le Mans – o que, de fato, aconteceu.

Quatro ases e nenhum coringa: Audi, BMW, Mercedes-Benz e BMW direcionam armas para o automobilismo com motores elétricos. E isso pode deixar o esporte como o conhecemos em xeque. Ou não…

Mas os custos proibitivos demais no desenvolvimento de carros tão complexos também cobrou a conta. A Porsche confirmou que, desde 2013, ano em que iniciou seu programa 919 Hybrid, gastou por ano quantias próximas de US$ 200 milhões. Isso é um orçamento próximo de time de ponta da Fórmula 1. A Toyota gasta muito menos do que isso e tinha um carro mais rápido que a Porsche no início do campeonato. Sem competição alguma, o que restará aos japoneses em 2018? Correr sozinhos? Contra eles mesmos? Esperar um possível retorno da Peugeot no regulamento proposto para 2020?

Vicente Matheus diria que é uma ‘faca de dois legumes’.

Tem mais: a Nissan, quando apostou no seu Batmóvel de motor dianteiro, também não gastou os tubos como as rivais e talvez tenha pago um preço muito caro pela ousadia de trazer um carro com aquela configuração e gastando pouco. Em 2015, as 24 Horas de Le Mans tinham 14 protótipos LMP1, sendo onze de quatro fábricas diferentes. Neste ano, foram seis – o pior total no atual formato de disputa – com apenas dois fabricantes oficiais e um independente.

As constantes mudanças de regulamento também são um fator de instabilidade – e tanto FIA quanto ACO têm sua parcela de responsabilidade nisto. Os franceses tanto de Le Mans quanto na Place de la Concorde têm que descer do pedestal, reconhecer seus erros e buscar alternativas (ouvi a palavra reinvenção?) para tornar o WEC e as 24 Horas atrativas.

Para 2018 será quase impossível. Mas, porque não estender a mão ao regulamento DPi da IMSA – este sim, um tiro certeiro que vem atraindo mais e mais fabricantes – para tornar a disputa em Sarthe viável? Entendo que a questão orçamentária seja um ponto contra num primeiro momento, mas a partir do momento que se pode seduzir uma Penske, uma Joest Racing, a Nissan e a Cadillac a correrem na França, quem haverá de dizer não?

Carros a propulsão elétrica são um caminho sem volta? Francamente, não sei.

Vejo as montadoras empolgadas com a Fórmula E e com alguma razão. Há retorno imediato, o investimento não é tão caro quanto no WEC e falando da Porsche, não tenho dúvidas de que, quem fez o que fez no 919 Hybrid, faz qualquer coisa na categoria de monopostos que o Fox Sports transmite e começa forte, pau a pau com qualquer outro construtor envolvido com a categoria.

Agora, se é para ser fatalista, lembro da questão ambiental. A premissa de “emissão zero” passa por uma situação muito mais agravante. A extração do lítio, metal que alimenta as baterias dos veículos elétricos, é tão ou mais nociva ao ecossistema do que qualquer areia petrolífera – e existem várias espalhadas no planeta inteiro. É ou não é também uma visão apocalíptica, por um outro viés, bem mais preocupante?

As baterias não têm vida longa. Como elas serão descartadas? Alguém pensou em soluções?

Sim, está tudo acontecendo rapidamente. Mas se não houver outra alternativa, vamos ficar assim? Emissão zero e o ecossistema pagando o pato?

Disse e repito: o automobilismo precisa de reinvenção. Enquanto houver alternativas com combustíveis fósseis, acredito que ele resista e que possa também continuar coexistindo dentro da proposta do WEC e da Fórmula 1, no mix de motores a combustão com unidades elétricas de potência, alimentadas pela energia dos freios, pelos turbocompressores, por baterias, supercapacitores ou qualquer coisa que auxilie o esporte.

Os dirigentes precisam também olhar com mais carinho e atenção para os fãs. Vejam o efeito que causou a participação de Fernando Alonso para a Fórmula Indy, para a Fórmula 1 e para a própria imagem do piloto.

Montadoras vêm e vão como e quando querem: a Renault, em quarenta anos, investiu em quatro programas diferentes na Fórmula 1. Afora o que se consumiu nos anos 1970 em várias tentativas para vencer as 24 Horas de Le Mans e na Fórmula 2

Montadoras? Elas vêm e vão com o sabor do vento, é o que eu sempre falo. A Renault, só para exemplificar, fez QUATRO programas distintos na categoria máxima num intervalo de 40 anos. De 1977 a 1986, na primeira “Era Turbo” foram equipe e fornecedora de motores; de 1989 até 1997 voltaram como fornecedora de motores, inclusive nos oferecendo a inovação máxima – para a época – de motores com 10 cilindros; voltaram como equipe de 2002 até 2011 (já haviam regressado como fornecedores da Benetton em 2001) e agora, a partir do ano passado. Afora o que a Régie gastou em francos nos anos 1970 até vencer as 24 Horas de Le Mans – e considerar sua missão “cumprida”, bem como o programa da Fórmula 2 europeia, quando a categoria atingiu seu auge.

Eu também poderia citar a Honda, mas não quero fazer o leitor perder a paciência com esse tipo de argumento.

Uma outra reinvenção do esporte poderia – pelo menos aqui no Brasil – passar pelo fortalecimento das Ligas Independentes, desde que a CBA não metesse o bedelho. Ou vocês acham que a Nascar depende do USAC, da IMSA ou do AAA para sobreviver? Nada disso: é uma empresa independente, uma liga independente e um modelo de negócio independente.

A Associação dos Pilotos de Endurance (APE) reergueu o Campeonato Brasileiro de Endurance, que ninguém queria fazer. Como? Simples: adotando o mesmo regulamento do Regional Gaúcho, o mais forte do país

Iniciativas como a da APE (Associação dos Pilotos de Endurance) podem nos apontar um caminho de futuro promissor para o esporte na Terra Brasilis. O Campeonato Brasileiro de Endurance, que ninguém queria fazer, agora está sob a tutela da APE e nas últimas provas a média foi de quase 40 carros por corrida. A solução foi simples: usar o mesmo regulamento do Regional Gaúcho, o melhor do país. Com vontade e desprendimento – e principalmente sem vaidade – dá pra fazer algo muito legal no Brasil.

Basta querer.

Implosão? Não. O automobilismo não vai acabar. Mas urge uma renovação – de ideias, propostas e cabeças. Não sou contra os carros elétricos no automobilismo, muito pelo contrário. Vejo por enquanto tudo isso como uma alternativa ao que temos e pode ser que, em breve, seja exatamente o contrário. Mas discordo, repito outra vez, da visão fatalista do Flavinho.

E é aí que está a graça da vida. Uma discussão saudável, com propostas, argumentos e sugestões de soluções. O FG tem o ponto de vista dele. Eu tenho o meu. E segue o parador.